Jovem morre após três dias internada em hospital de Planaltina. Familiares afirmam que ela ficou 24 horas sem visita médica
A falta de médicos no plantão se tornou um problema recorrente nas unidades de saúde públicas do Distrito Federal. Somado à precariedade do atendimento, o deficit no quadro de profissionais obriga pacientes a amargar horas na fila de espera. Na última quinta-feira, uma adolescente de 17 anos, diagnosticada com anemia falciforme, morreu no Hospital Regional de Planaltina (HRP). Ela teria passado 24 horas sem ser avaliada. Enfermeiros informaram os pais de Laíde Coelho França que não havia médicos disponíveis no local. Em meios aos problemas, a Secretaria de Saúde anunciou ontem a demissão de um profissional de Samambaia e a abertura de processo administrativo contra 22 médicos de hospitais do DF que faltaram ao plantão do último domingo.
O pai de Laíde, o motorista Leonor França, 48 anos, registrou ocorrência na 16ª Delegacia de Polícia (Planaltina). Ele acusa profissionais do hospital de negligência e imprudência. A filha deu entrada às 23h50 do último domingo no HRP com fortes dores nas costas e nas pernas, sintomas de anemia falciforme adquirida aos 3 anos. Ela foi internada, mas só teria recebido a visita de outro médico na terça-feira à tarde, quando foi ministrada medicação para dor e antibiótico.
Segundo Leonor, logo após a aplicação do antibiótico, a filha piorou. “Ela gemia, delirava e sentia muita falta de ar, mas passou a noite toda sem atendimento médico. Minha mulher pedia ajuda, mas diziam que não tinha médico nenhum. Nem oxigênio deram”, reclamou.
Na quarta-feira, por volta das 9h, a tia Deuselice Gonçalves da Cruz, 43 anos, foi ao HRP para acompanhar a sobrinha e, novamente, solicitou a presença de um médico. “Gritei por ajuda e só uma enfermeira apareceu dizendo que não tinha ninguém. Ela aferiu a pressão e disse que estava tudo normal. Quando finalmente o médico apareceu, ela já estava morta”, revoltou-se Deuselice.
“Muito bem assistida”
O corpo de Laíde foi enterrado na última quinta-feira, no Cemitério de Planaltina. A mãe, a dona de casa Evanilde Coelho França, 43 anos, estava inconsolável. “Minha filha morreu porque não teve atendimento, com certeza. Quero que justiça seja feita” , disse.
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde do DF informou que Laíde não tinha indicação para transferência à UTI e “estava muito bem assistida na unidade de saúde”. O secretário adjunto de Saúde, Elias Miziara, não acredita em falhas no atendimento. “A paciente era portadora de uma doença grave e era acompanhada pelo hospital há muito tempo, praticamente toda a vida dela. A doença é grave e pode evoluir como evoluiu”, afirmou.
O caso está sendo investigado pela 16ª DP. O delegado-chefe, Edson Medina, aguarda o resultado da necropsia. Ele também pretende analisar o prontuário da paciente. “Se for provada a negligência ou a imprudência na administração do medicamento, o médico responsável responderá pelo resultado, que foi a morte”, explicou. A pena para homicídio culposo é de 1 a 3 anos de detenção, em caso de condenação.
Demora
Ontem, no Hospital Regional do Gama, pacientes estavam revoltados com a espera no pronto-socorro. Segundo eles, durante toda a manhã, não havia nenhum clínico-geral para atender os doentes. No entanto, no mural, constava o nome de três médicos escalados para o período. “Só depois de muita gritaria que chamaram o primeiro paciente do dia”, conta a dona de casa Maria José Martins Alves, 45 anos. Ela chegou ao hospital às 7h procurando atendimento para o pai, de 78 anos, que estava com a pressão alta. “Só fomos atendidos às 11h. Quatro horas para atender um idoso poderia ter custado a vida dele”, afirma.
19 exonerados em 2012
Dos 22 médicos que responderão ao processo interno aberto pela Secretaria de Saúde, quatro estão em estágio probatório. O secretário-adjunto de Saúde, Elias Miziara, lamentou a postura dos profissionais. “É um ato irregular e antiético. São situações com as quais não podemos pactuar de forma alguma. Mas isso acontece em todos os ramos. Infelizmente, nem todos os profissionais tem o mesmo compromisso com a profissão”, afirmou. Os médicos podem ser demitidos ao fim do inquérito. Ao longo do ano passado, 19 foram exonerados por se ausentarem do trabalho sem justificativa. As principais atividades prejudicadas foram clínica e ortopedia.
O médico demitido ontem era reincidente, motivo que gerou o afastamento imediato. Está sendo investigado se a chefia do Hospital Regional de Samambaia era omissa em relação às faltas do profissional. Miziara reconheceu que, no período de apenas quatro dias, 40 médicos faltaram ao trabalho na rede pública do Distrito Federal. “Eles não representam nem 5% da massa de trabalho. Não é um impacto tão grande do ponto de vista geral”, afirmou. Mas o secretário-adjunto admite que, em determinados hospitais, a ausência de apenas um profissional pode prejudicar os pacientes. “Vai depender muito de onde acontece e de que momento acontece. Há setores em que apenas dois médicos são escaladas para certos horários. Uma falta significa uma queda de 50% dos atendimentos.”
Memória
16 de novembro de 2012
Sem atendimento, a gestante Gislene Ramos Neves, 25 anos, teve o bebê na porta de um dos banheiros do Hospital Regional de Ceilândia (HRC).
20 de outubro de 2012
Um médico do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) foi detido após negar atendimento a uma senhora de 96 anos. Ela havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC).
30 de setembro de 2012
Um paciente invadiu a recepção do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) com o carro após não conseguir atendimento para uma cirurgia.
Fonte: Correio Braziliense
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.