*Por Peterson Barroso Simão – Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do RJ
Registro, de preâmbulo, que não tenho a pretensão de ensinar, mas aprender com as críticas construtivas que surgirem e assim aperfeiçoar o meu conhecimento sobre as matérias do consumidor e de responsabilidade médica e hospitalar, muito bem tratadas pelos Desembargadores Sergio Cavalieri Filho e José Carlos Maldonado de Carvalho.
É crescente a procura por cirurgias plásticas em busca de um ideal de beleza. Por motivos íntimos e diversos, pessoas se submetem a intervenção cirúrgica para afinar o nariz, suavizar as rugas, corrigir orelha de abano, eliminar gordura abdominal, remodelar os seios, etc.
A relação jurídica entre médico e paciente é tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor. O paciente se enquadra no conceito de consumidor previsto no art.2º, do CDC, pois, mediante remuneração, contrata e recebe o serviço como destinatário final. O fornecedor do serviço é o médico, que atua com sua equipe, em hospitais, clínicas e até mesmo em consultórios de ponta, sendo todos responsáveis pela boa prestação do serviço.
Costumeiramente estas intervenções se tornam um sucesso para alegria de todos. De um lado, eleva-se a autoestima do paciente. De outro, os profissionais são remunerados pelo trabalho desenvolvido. Mas nem sempre a história tem um final feliz. Quando isso acontece, as partes saem da sala de cirurgia para solucionar o impasse nas salas do Poder Judiciário.
As insatisfações com o procedimento cirúrgico são as das mais variadas. Às vezes, foi realizada sem necessidade e a mudança não agradou. Alguns reclamam que a expectativa não foi atingida. Outros alegam frustração pelo que ficou no corpo e agora lhe causa abalos na mente. Há quem afirme não ter recebido informação prévia de que a cirurgia no seio poderia acarretar redução da sensibilidade. Tem ainda aqueles que argumentam que uma puxadinha aqui ou ali ficaria melhor. São sobre essas questões que o julgador se depara e tem o dever de solucionar o conflito existente entre as partes.
Importante destacar que existem dois tipos de cirurgia plástica. A mais conhecida é a cirurgia plástica estética, que tem finalidade embelezadora. Outra menos comentada, porém de maior importância, é a cirurgia plástica corretiva ou reparadora, que tem por objetivo corrigir, minimizar ou suavizar uma deformidade física congênita ou provocada por acidente.
Na recente tragédia ocorrida no Paraná, em que um menino foi atacado por um tigre, a lesão foi tamanha que os médicos não conseguiram salvar o braço dilacerado, que infelizmente foi amputado. Ainda que as lesões fossem de uma menor gravidade a ponto de ser possível manter o braço daquele garoto, certamente ficariam marcas notórias do ataque. Neste caso, a deformidade causada no braço poderia ser minimizada por enxertos ou outra técnica similar.
Certa vez uma mãe descuidada cozinhava com seu filho de tenra idade no colo. A criança se curvou em direção ao fogão e caiu com a cabeça dentro de uma panela de fritura. O óleo quente provocou grave queimadura. Uma orelha grudou ao corpo e parte do couro cabeludo ficou comprometida. Nessa situação, talvez um procedimento cirúrgico consiga descolar a orelha da criança e recuperar o couro cabeludo.
Também são comuns os casos de crianças que nascem com deformidade física. Algumas são de menor percepção, como a orelha de abano. Outras mais severas, como a fissura labial e a fenda palatina.
A orelha de abano em nada afeta a audição. O procedimento cirúrgico para correção dessa deformidade congênita, em regra, tem fins estéticos, mas não se pode descartar o abalo emocional existente em crianças e adolescentes que assim nasceram. Diferente é o caso da criança com fissura labial e fenda palatina, que precisa corrigir aquela alteração anatômica para ter uma melhor qualidade de vida.
Na cirurgia plástica corretiva, independente do gabarito do médico cirurgião, nem sempre é possível eliminar a deformidade. Na hipótese, o profissional tem obrigação de meio, ou seja, deve atuar com zelo e empregar as técnicas disponíveis para melhorar a aparência do paciente, sem garantia de conseguir uma estética perfeita. É o caso do garoto atacado pelo tigre, da criança que sofreu queimaduras e da que nasceu com deformidade nos lábios.
Por sua vez, na cirurgia plástica estética, o profissional tem obrigação de resultado, até porque ninguém se submete a um procedimento embelezador para ficar com a mesma aparência ou para piorá-la. Em razão disso, o profissional é garantidor da perfeição estética pretendida pelo paciente.
A referida “perfeição estética” é feita numa análise subjetiva, dentro do padrão de beleza que cada pessoa se enquadra, não sendo razoável exigir que médico cirurgião faça milagres. É importante que o profissional informe ao paciente sobre os resultados positivos e negativos que possam advir da intervenção cirúrgica.
Tanto na cirurgia plástica estética quanto na corretiva, o médico tem responsabilidade civil subjetiva, nos termos do art.14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor. A diferença reside na natureza jurídica da culpa, que é presumida na obrigação de resultado e deve ser provada na obrigação de meio.
Quando constatado algum defeito decorrente da intervenção cirúrgica estética, por se tratar de obrigação de resultado, presume-se a culpa do profissional. Basta o consumidor demonstrar que o médico não obteve o resultado prometido e contratado para que a culpa se presuma, surgindo daí a inversão da prova. Para elidir essa presunção, cabe ao médico provar a ocorrência de alguma causa excludente de sua responsabilidade. Por exemplo, que o insucesso da cirurgia decorreu de fatores não detectáveis antes da operação, força maior, caso fortuito ou mesmo culpa exclusiva do paciente, que não respeitou as recomendações pós-cirúrgicas.
Já na cirurgia corretiva, a hipótese é de culpa provada. Como o profissional apenas tem obrigação de meio, recai sobre o consumidor o encargo de demonstrar o dano e provar que a falha no procedimento cirúrgico ocorreu por culpa do médico (art.333, inciso I, do CPC).
Por mais que amigos e familiares possam recomendar ou desaconselhar, a decisão de realizar ou não um procedimento estético deve partir da convicção da pessoa que está insatisfeita com sua aparência. Recomenda-se que a decisão seja tomada de forma tranquila, pensada, desejada e cuidadosa, acolhendo a satisfação do íntimo da pessoa.
Sabendo dos inconvenientes que podem surgir, é preciso ter todas as informações possíveis sobre o que se quer fazer, com qual profissional, hospital e o que pode acontecer dando certo ou errado.
A busca pelo ideal de beleza não pode se tornar uma obsessão, que leva a outras tantas. Há casos emblemáticos, como o do cantor Michael Jackson, que em tese insatisfeito com sua aparência física se submeteu reiterados procedimentos cirúrgicos com fins estéticos.
Na dúvida pelo procedimento estético sempre haverá duas posições.
Uns sustentam que arriscar é uma necessidade compreensível de quem sente o incômodo e não está feliz. Sonhar e querer a melhora do corpo, resguardando-se de toda cautela e informação, faz bem a quem livremente escolher este caminho. A modernidade mostra que estas cirurgias se tornaram comuns, trazendo satisfação e bem-estar. ”Bem está o que bem acaba”.
Por outro lado, há aqueles que acreditam que não se deve fazer cirurgias que não são imprescindíveis, lembrando que “Já não há milagres. Devemos aceitar as causas naturais das coisas”.
Agradeço a Shakespeare pelas frases emprestadas e encerro com o que gostaria para mim: viver com tranquilidade as fases da vida – infância, adolescência, maturidade e velhice. Esta última está chegando e estou pronto para me tornar um idoso com muita honra e com todas as minhas rugas que começam a surgir. Enquanto não houver prescrição médica e nem dor, não quero modificar com as mãos dos homens o que as Mãos de Deus entregou ao mundo.
(Informações do TJRJ)
Fonte: SaúdeJur
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.