Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.
domingo, 14 de dezembro de 2014
A vida no 'pior hospital do mundo'
Um hospital na Guatemala foi descrito por ativistas como a instituição médica mais perigosa do mundo. Ex-pacientes dizem que eles foram abusados sexualmente enquanto sedados, e o próprio diretor admite – filmado por uma câmera escondida da BBC – que seus pacientes ainda são abusados.
Por todo o lado, corpos imóveis deitados no chão de concreto do pátio sob o sol ardente. Os pacientes parecem estar altamente sedados. Os cabelos foram raspados e eles usam trapos como roupas e nada nos pés.
Outros estão totalmente nus, expondo a sujeira, causada às vezes pelas próprias fezes e urina. Eles se parecem mais com prisioneiros de campos de concentração do que com pacientes.
O Hospital Federico Mora tem cerca de 340 pacientes, incluindo 50 criminosos violentos e mentalmente perturbados. Mas, segundo o diretor do hospital, Romeo Minera, apenas uma minoria tem sérios problemas mentais – impressionantes 74% chegaram precisando apenas de um pouco de atenção e cuidados e deveriam ter ficado na comunidade.
Minera acredita que a equipe da BBC pertence a um grupo de caridade, oferecendo ajuda para a instituição. Jornalistas não são bem-vindos – o disfarce foi a única maneira de ter acesso ao hospital, condenado por grupos de direitos humanos.
Desespero
Andar em uma das alas é como entrar em um inferno. Aqui, mais pacientes em trapos sentados no chão e em cadeiras de plástico, balançando-se em busca de conforto.
Não parece haver nenhum esforço de estímulo nesse espaço amplo e seguro.
Os pacientes vêm até nós, desesperados por contato humano. Um homem me agarra e implora para que seja levado do hospital.
Um enfermeiro diz que dois ou três profissionais são responsáveis por 60 a 70 pacientes. Outros dizem que a única maneira de lidar com eles é sedando-os.
Enquanto meu tradutor distrai o diretor, eu ando pelos quartos localizados em um corredor longo e escuro. Aqui, há mais pacientes deitados em camas de metal quebradas e enferrujadas.
Eles parecem sedados demais para andar até o banheiro. Há poças de urina nos colchões, e as roupas de alguns dos pacientes estão coberta pelas próprias fezes. O mau cheiro domina o ambiente – e eu tento, com todas as forças, controlar a náusea.
Em resposta à investigação da BBC, o governo da Guatemala disse que o hospital "usa a menor dose de sedativos como recomendado pela Organização Mundial de Saúde" e defendeu as condições do hospital.
"Há enfermeiros treinados para atender às necessidades dos pacientes, inclusive para mantê-los limpos e vestidos, e uma equipe de manutenção para manter o ambiente limpo".
Abusos
Mas este não é o fim do horror. Durante a filmagem secreta, o diretor faz uma confissão surpreendente – os guardas abusam sexualmente dos pacientes. O hospital, diz ele, é um lugar "onde tudo pode acontecer".
Dois ex-pacientes contam terem sido estuprados no Federico Mora. Eles afirmam que os perpetradores também eram da equipe médica, além dos guardas.
Uma paciente diz que foi abusada sexualmente por um enfermeiro enquanto dormia. Ela tinha apenas 17 anos e era virgem.
"Eu não estava ciente disso já que eu estava sedada. Só percebi que tinha perdido minha virgindade no dia seguinte. Eu sangrava pelas pernas, então descobri que o que tinha acontecido naquela noite é que um enfermeiro tinha entrado e me estuprado", diz.
Este era o terceiro dia dela no hospital. Depois de duas semanas, seus gritos de socorro fizeram com que sua família a tirasse do local. "Você nunca se esquece de uma experiência como essa", diz ela, entre lágrimas.
Ricardo, outro ex-paciente, diz que foi estuprado durante os três anos que passou no Federico Mora. Ele só foi libertado depois de uma batalha judicial, alegando ter sido diagnosticado erroneamente com esquizofrenia.
"Eles se aproveitavam das pacientes do sexo feminino, quando elas estavam sedadas", diz Ricardo. "Os agentes da polícia, os pacientes e os enfermeiros – e alguns médicos também. Eles separavam as meninas mais bonitas para si durante à noite".
'O mais terrível'
O grupo americano defensor dos direitos de deficientes Disability Rights International (DRI) passou três anos recolhendo provas sobre o Federico Mora. Em um relatório publicado em 2012, o grupo descreveu o hospital como "a instalação mais perigosa que nossos investigadores já viram em qualquer lugar nas Américas".
O DRI disse que "qualquer pessoa com ou sem deficiência internada neste hospital enfrenta risco imediato para a vida, saúde e integridade pessoal, além de risco de tratamento desumano e degradante ou tortura".
O relatório explica que pacientes tiveram cuidados médicos negados, foram expostos a doenças e infecções graves e contagiosas e, agravado pelo abuso sexual "generalizado", estavam em risco de contrair HIV.
Numa visita, o grupo conseguiu filmar uma paciente explicando que ela havia sofrido abuso sexual em seu primeiro dia no hospital, enquanto estava amarrada em uma parede.
"Eu também vi pacientes mantidos em isolamento. Havia um homem literalmente tentando escalar para sair de uma cela de isolamento. Ele estava em cima do muro tentando desesperadamente sair. E pessoas ficam presas nessas cela durante horas ou dias", disse o fundador da DRI, Eric Rosenthal, que descreveu o local como o "mais terrível" já visitado por ele.
Na minha visita ao hospital, vi um dos quartos de isolamento usados para pacientes violentos demais para serem contidos.
É um quarto de dois metros quadrados com uma pequena janela. Um homem estava encolhido no canto. O chão estava coberto de dejetos humanos.
O diretor me disse que esses quartos eram monitorados, mas admitiu que, recentemente, um paciente havia cometido suicídio ao subir até a janela e se enforcar.
Processo judicial
O governo guatemalteco defendeu o uso destas celas, dizendo que "os pacientes são mantidos em isolamento durante apenas duas horas em cada ocasião" e são constantemente monitorados.
O governo também afirmou que ninguém estava sendo mantido em isolamento durante a nossa visita.
O uso de salas de isolamento era parte das provas levadas pela DRI à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2012, que emitiu uma "medida de emergência" – efetivamente obrigando o governo a solucionar as questões levantadas pela DRI para "salvar vidas".
As autoridades concordaram em agir imediatamente e iniciar uma investigação sobre as alegações de abuso sexual, mas, dois anos depois, aparentemente nada foi feito.
Agora, a DRI está preparando um novo processo judicial contra o governo da Guatemala numa tentativa de fechar o hospital.
O caso será analisado em meados de 2015. O governo da Guatemala será efetivamente julgado pela Comissão sobre os problemas no hospital. O governo poderá enfrentar sanções econômicas e comerciais de outros membros da Comissão Interamericana.
A equipe do hospital teme represálias se conversar com a imprensa, mas seis funcionários aceitaram em falar na condição de serem estrevistados juntos e não serem identificados.
"Não temos os remédios que precisamos para tratar pacientes. É sujo, há ratos e baratas", admitiu uma funcionária.
Outro disse: "Acho que falo por todos ao dizer que os abusos cometidos no hospital por guardas são de conhecimento comum". Os seis choram.
"Não é perigoso só para os pacientes, mas para nós também", um funcionário diz. "Já reclamamos, mas ninguém ouve. Trabalhar no hospital é horrível".
O governo da Guatemala disse à BBC que iniciou o processo de melhorar o sistema médico mental pelo país e que está construindo um muro para separar prisioneiros do resto dos pacientes.
E afirmou ainda que, apesar de não ter recebido nenhuma denúncia de abuso sexual, ordenou uma investigação interna.
Fonte: UOL/BBC