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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Clínica de Odontologia é condenada a indenizar paciente por problema em implante

Ação de rescisão contratual cumulada com indenização

Circunscrição :1 - BRASILIA
Processo : 2012.01.1.122654-4
Vara : 217 - DÉCIMA SÉTIMA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA

SENTENÇA

J.M.S.M. ajuizou ação de rescisão contratual cumulada com indenização em desfavor de HYNOVE ODONTOLOGIA BRASÍLIA LTDA., partes qualificadas nos autos, alegando, em síntese, que contratou os serviços da ré para implante de próteses dentárias em toda a arcada superior em 3/6/2010 para pagamento em 36 parcelas; que o tratamento foi iniciado em 2010, mas esse se mostrou ineficaz, pois o implante caiu espontaneamente; que o implante foi refeito, mas houve mais problemas; que a ré fez deboche do autor e disse que tratamento de qualidade só para quem pode pagar mais, o que o deixou humilhado; que ré retirou toda a prótese e prometeu resolver o problema, mas ele permanece sem a arcada dentária superior; que já pagou a quantia de R$ 7.290,00 (sete mil duzentos e noventa reais), mas o serviço não foi concluído; que não sente mais confiança nos serviços da ré, por isso, o contrato deve ser rescindido com restituição da quantia paga; que sofreu dano moral. Ao final requer a gratuidade da justiça, citação e a procedência do pedido para rescindir o contrato de prestação de serviços com a devolução da quantia paga e condenar a ré a reparar o dano moral.

A petição inicial veio acompanhada dos documentos anexados às fls. 11/58.

Deferiu-se a gratuidade da justiça (fl. 60).

A ré ofereceu contestação às fls. 64/86, argumentando, resumidamente, que o tratamento do autor é complexo; que o agendamento de consultas depende da disponibilidade de horário, pois tem muitos pacientes; que o tratamento foi finalizado em 1/8/2011, tendo o autor atestado sua satisfação com o serviço realizado; que se o autor está sem a prótese é porque houve quebra, mas houve prova e ajuste da oclusão satisfatório em 24/2/2012; que só pode ter ocorrido rejeição do organismo do autor ao implante ou ele não seguiu as orientações; que não há danos morais e o autor foi bem atendido; que o tratamento foi finalizado, portanto, não cabe o pedido de restituição dos valores pagos.

Anexou os documentos de fls. 87/117.

Réplica às fls. 121/122.

É o relatório.
Decido.
Incide à hipótese vertente a regra do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, por isso que promovo o julgamento antecipado da lide.

Lamentavelmente tem se visto nos processos judiciais entendimentos no sentido de que o juiz deve se pronunciar expressamente sobre a produção de provas, que em geral não são especificadas, quando realiza julgamento antecipado, o que representa uma completa inversão da ordem processual e, ao fim e ao cabo, só traz prejuízo para a sociedade.

Ora, o que mais se reclama do Poder Judiciário é a morosidade e o processo civil já é excessivamente formal, mas as interpretações que lhe tem sido aplicada o torna ainda mais formal em total desrespeito à sua natureza instrumental, trazendo enormes prejuízos ao jurisdicionado.

O julgamento antecipado está previsto no artigo 330 do Código de Processo Civil, que antecede o artigo 331, portanto, apenas haverá saneamento quando não for o caso de julgamento antecipado e isto também está expresso no referido artigo: "Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes", portanto, o julgamento antecipado não é uma faculdade do juiz, mas sim uma imposição legal.

Constato que nenhuma das partes especificou as provas que eventualmente pretendem produzir, pois o autor se limitou a requerer "provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos, notadamente pela documentação acostada à presente" (Fl. 10).

Já a ré consignou "requer, ainda, provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, depoimento pessoal do Autor, sem prejuízo de outras que se fizerem necessárias à comprovação da verdade dos fatos, a serem oportunamente especificados" (fl. 86).

Conforme o dicionário Aurélio da língua portuguesa especificar significa "descrever, determinar circunstanciadamente; enumerar todos os detalhes; esmiuçar", portanto, incumbe à parte que pretende produzir a prova indicar o fato a ser provado e o meio de prova a ser utilizado, o que lamentavelmente não é compreendido pelos operadores do direito que nunca especificam corretamente as provas e muito menos na oportunidade processual adequada.

Não se pode perder de vista que só há especificação de provas quando a parte indica, por exemplo, que o fato X será provado pela prova A e não por indicação genérica e vaga, totalmente desvinculada da causa de pedir e pedido.

O artigo 282, VI do Código de Processo Civil estabelece ao autor o ônus de na petição inicial indicar as provas que irá produzir para provar as alegações formuladas e o artigo 300 impõe ao réu o mesmo ônus, por isso, não há fase de especificação de provas, como infelizmente tornou-se uma prática perniciosa e que contraria todos os princípios do processo civil, inclusive constitucionais.

Constato que o autor informou na peça de fls. 128/129 sobre a impossibilidade de realização de prova pericial por não possuir mais a prótese adquirida da ré e que os fatos narrados na petição inicial ocorreram no interior da clínica na presença apenas de prepostos da ré, por isso, nem mesmo a prova testemunhal é possível, portanto o feito deverá ser julgado no estado em que se encontra.

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não tendo nenhuma questão de ordem processual pendente, passo ao exame do mérito.

Cuida-se de ação de conhecimento subordinada ao procedimento ordinário em que o autor pleiteia rescisão contratual e indenização.

Para fundamentar o seu pleito alega o autor que celebrou contrato de prestação de serviços, mas houve falha na prestação do serviço, razão pela qual o contrato deve ser rescindido, com restituição do valor pago.

A ré, por seu turno, sustenta que não cabe a pretendida rescisão porque não houve falha o serviço.

Para justificar a alegação de inexistência de falha no serviço afirma a ré que o autor firmou documento provando a satisfação com o serviço e anexa o documento de fl. 116.

Todavia, verifico que o referido documento atesta apenas que o serviço foi concluído, mas agendado retorno para três meses, mas conforme informado na peça de fls. 128/129 o problema só surgiu após a finalização do tratamento, já que a prótese caiu uma semana depois de ser implantada e quando ele estava dormindo.

A alegação da ré de que a prótese caiu por quebra, o que só pode ter ocorrido rejeição do organismo do autor ao implante ou ele não seguiu as orientações e totalmente desprovida de fundamentação lógica, pois ela não demonstrou como a rejeição do organismo pode fazer a prótese quebrar e tampouco como a falta de cuidado poderia gerar esse problema.

O que se verifica da contestação da ré é que a mesma baseia-se em meras conjecturas, mas nada minimamente suficiente para demonstrar que não houve falha na prestação do serviço.

Assim, está satisfatoriamente demonstrado que houve falha na prestação do serviço, razão pela qual o pedido de rescisão contratual é procedente.

A rescisão contratual implica no retorno das partes ao estado original, portanto, o valor pago pelo autor deverá ser integralmente restituído.

Passo ao exame do pedido de reparação por dano moral.

Examino o dano.

O dano patrimonial consiste na lesão ao patrimônio da vítima, sendo este o conjunto de bens, direitos e obrigações de uma pessoa, apreciáveis economicamente.

Já o dano moral consistente em lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos da sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, é aquele que atinge a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Aqui se engloba o dano à imagem, o dano estético, o dano em razão da perda de um ente querido, enfim todo dano de natureza não patrimonial.

Segundo Aguiar Dias, o "conceito de dano é único e corresponde a lesão de direito, de modo que, onde há lesão de direito, deve haver reparação do dano. O dano moral deve ser compreendido em relação ao seu conteúdo, que não é o dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado". (Da Responsabilidade Civil, 6ª edição, vol. II pág. 414).

Entretanto, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada está fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Vale dizer que a dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação são conseqüências e não causas, caracterizando dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém a alcançando de forma intensa, a ponto de atingir a sua própria essência.

A falha na prestação do serviço causou dano moral ao autor, pois o mesmo ficou por longo período sem a prótese superior, não obstante tenha pagado considerável quantia para solucionar o seu problema de oclusão e estética, o que só foi resolvido com a doação de uma prótese em janeiro desde ano, conforme se verifica do documento de fl. 130.

Feitas tais considerações, cabe enfrentar questão tormentosa, qual seja, a da fixação do quantum da indenização por dano moral, uma vez que após a Constituição Federal/88 não há mais nenhum valor legal prefixado, nenhuma tabela ou tarifa a ser observada pelo juiz na tarefa de fixar o valor da indenização.

Em doutrina, predomina o entendimento de que a fixação da reparação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz, adequando aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Galeno Lacerda, abordando o tema em artigo publicado na Revista dos Tribunais, vol. 728, páginas 94/101, diz que a dificuldade de medir pecuniariamente o dano decorre de sua própria natureza imaterial, não se constituindo em deficiência ou demérito do sistema brasileiro, mesmo porque não há preço para a dor, e a indenização tem caráter compensatório destinado a mitigar a lesão à personalidade.

O bom senso dita que o juiz deve levar em conta para arbitrar o dano moral a condição pessoal do lesado, caracterizada pela diferença entre a situação pessoal da vítima sem referência a valor econômico ou posição social, antes e depois do fato e a extensão do dano (artigo 944 do Código Civil), sem caráter punitivo.

Assim, o valor do dano deve ser fixado com equilíbrio e em parâmetros razoáveis, de molde a não ensejar uma fonte de enriquecimento da vítima, vedado pelo ordenamento pátrio, mas que igualmente não seja apenas simbólico.

Releva notar que por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, será sempre detentor de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade - atributos do ser humano - mais preciosos que patrimônio.

Nesse contexto e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade fixo a reparação em R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Por fim registro que o autor pleiteou na petição inicial valor superior ao fixado, mas isso não implica em sucumbência parcial, posto que a reparação é fixada pelo juiz e o valor constante da inicial não passa de mera sugestão, conforme Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça.

Em face das considerações alinhadas JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para decretar a rescisão dos contratos de prestação de serviços celebrados entre as partes e condenar a ré a restituir a quantia paga pelo autor, com correção monetária desde o efetivo desembolso e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e reparar o dano moral fixado em R$ 8.000,00 (oito mil reais), corrigido monetariamente desde a data desta decisão (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça) e acrescida de juros de mora a contar da citação mais multa de 10% caso não haja pagamento voluntário no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, independentemente de intimação, conforme artigo 475-J, § 1º do Código de Processo Civil e, de conseqüência, julgo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do mesmo diploma processual.

Em respeito ao princípio da sucumbência condeno a ré ao pagamento das custas processuais honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, conforme artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil.

Após o trânsito em julgado aguarde-se por 30 dias a manifestação do interessado, no silêncio dê-se baixa e arquivem-se os autos.

Fonte: TJDFT