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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sábado, 9 de abril de 2011

Queixas por negligência médica estão a aumentar. "Médicos já fazem exames à cautela."

Consultor da Ordem dos Médicos diz ao i que o julgamento da responsabilidade médica em Portugal é "traumatizante"

Teresa (nome fictício) foi operada à mama num hospital particular da área de Lisboa no final de 2009. Quando sai do bloco tem um dente partido, outro a abanar e uma escara nas costas. "Foi-me dito que seria uma cirurgia simples", lembra. A partir daí não houve mais explicações, apesar dos pedidos da família. É portadora de uma doença rara e já tinha sido operada seis vezes. Mais tarde disseram--lhe que os dentes tinham sido partidos na entubação, "o que era normal". Depois de uma sobredose de alimento nos cuidados intensivos, pede transferência para outro hospital. Esteve internada 16 dias e dois meses sem poder arranjar os dentes, que infectavam e a impediam de comer. Quando recupera e inicia o tratamento, o hospital recusa cobrir a despesa com a prótese dentária: 2900 euros.

A participação que fez está a ser investigada pelo Ministério Público (MP).

Ana (nome fictício) vive numa aldeia no Norte do país. Aos 76 anos, uma obstipação continuada leva-a no início de Janeiro ao médico de família do centro de saúde, que pede uma colonoscopia e encontra um tumor no recto. É encaminhada para o hospital de referência em oncologia e na consulta o especialista diz que o exame está "mal feito" e marca nova bateria de exames. Duas semanas depois, Ana regressa à consulta e o médico percebe que a doente não foi chamada para a nova colonoscopia. Espera mais duas semanas para fazer o exame e ter os resultados: o tumor estende-se do intestino ao útero, mas a decisão clínica é adiada mais uma semana. Ana não consegue ir à casa de banho há dois meses e não foi dada qualquer explicação ou apoio à família. Apresentar queixa está, contudo, fora das preocupações.

As participações de casos de negligência médica não entopem os tribunais mas estão a ser cada vez mais comuns. Processos demasiado longos, queixas infundadas e perícias demasiado complexas - onde muitas vezes é difícil fazer prova de que houve culpa, ou não, do profissional, embora possa ter existido uma complicação durante a assistência - tornam a situação actual "traumatizante para médicos e doentes", explicou ao i Paulo Sancho, advogado especialista nesta área e consultor jurídico da Ordem dos Médicos.

Tornar o sistema menos vulnerável, com um melhor registo dos actos clínicos, mas também promover resoluções extrajudiciais e prever indemnizações para procedimentos que correm mal sem ser por negligência do médico, são algumas das soluções avançadas pelo advogado para aliviar o sistema. Nos casos mais graves, Paulo Sancho defende soluções como a da comissão criada para o caso dos doentes que cegaram em 2009, depois de uma intervenção no Hospital de Santa Maria.

Assistência desadequada O sucesso de alguns pedidos de indemnização em tribunal, praticamente inexistente há 20 anos, tem levado mais doentes a participarem situações de assistência desadequada, mesmo quando não há culpa dos médicos ou quando poderia haver outras soluções: "Em muitos casos não há tentativa de acordo extrajudicial", afirma. Porém, a raiz do problema, admite, é que muitas vezes não existem gabinetes próprios para apoio ao doente, os médicos não entendem se o doente percebeu as informações e há algum receio de expor incómodos e dúvidas. "Muitas situações resultam de falta de comunicação."

Queixas disparam É difícil quantificar os casos de negligência médica apreciados na justiça. Os dados do DIAP de Lisboa, a única comarca com uma secção especializada neste tipo de ofensas, revelam que em 2010 houve um recorde de acusações: 12 acusados, quando em 2009 tinham sido três e em 2008 apenas um. Este ano já deram entrada no MP sete novos processos e 72 estão pendentes, adiantou a PGR ao i. Os pareceres emitidos pelo conselho médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, a maioria sobre casos de conflitos entre médicos e doentes, também ajudam a dar dimensão a estes processos: em 2010 deram entrada 141 processos para perícias; em 2005 eram 103.

Também nos processos disciplinares se nota o aumento das queixas, refere Paulo Sancho. Os conselhos disciplinares regionais da Ordem dos Médicos instauraram 365 processos em 2010, a maior parte na Região Sul - 200 processos, quando em 2009 tinham sido 181. As condenações são uma minoria: cerca de 15 na Região Sul, a única para a qual foi possível obter dados. Na Inspecção-Geral das Actividades de Saúde (IGAS) foram instaurados 419 processos de natureza disciplinar em 2009. Houve 58 acusações e 21 penas, 14 de repreensão escrita. Seis por "deficiente actuação assistencial", lê-se no último relatório da IGAS.

Medicina defensiva "Os médicos já fazem exames à cautela", diz Paulo Sancho, convencido de que as actuais limitações à prescrição de medicamentos e exames complementares de diagnóstico podem não ser suficientes para travar o desperdício em que se pode transformar o receio dos profissionais. "Em tribunal são chamados especialistas que dizem que, por segurança, devia ter sido feito este ou aquele exame. Entra-se na esfera de uma medicina defensiva", condena.

O facto de os processos demorarem sete ou oito anos em tribunal, mesmo que não resultem numa condenação, marca o profissional e os especialistas que o rodeiam. "Tenho muitos que me dizem que desde que aconteceu uma determinada situação passaram a receitar sempre aquele medicamento." Mas também marca o doente. A queixa-crime de Teresa ainda está dentro dos oito meses do prazo de averiguações do Ministério Público. "O tempo é muito relativo. Achamos que as coisas podiam ser mais rápidas, gostava de poder encerrar este capítulo da minha vida. Há sempre momentos e dores que nos vêm à memória durante as fases do processo."

André Dias Pereira, especialista em Direito da Medicina da Faculdade de Direito de Coimbra, defende que a grande dificuldade é a prova da violação da lei da arte e da causalidade. "A probabilidade de sucesso para o doente é muito baixa", afirma. Uma solução, defende, seria a criação de um sistema de arbitragem, com recurso a uma perícia médica sem custos, que afastasse "os casos pouco razoáveis e desse base para os casos que merecem reparação". Países como França ou Bélgica, diz, têm comissões regionais para esse trabalho prévio ao processo judicial. Paulo Sancho defende que qualquer medida que venha reduzir a conflitualidade será bem--vinda: "Acima de tudo precisamos de humanização dos cuidados de saúde e de mecanismos que dêem segurança aos doentes."

Fonte: ionline.pt