Temos assistido na mídia ao aparecimento cada vez maior de casos de erros médicos. Em face desse cenário, qual é a responsabilidade civil dos profissionais de saúde frente a esses erros, advindos da relação médico e paciente? Contextualizando a questão juridicamente, existem no Código Civil dois artigos que cuidam especificamente da responsabilidade civil: o 186, que trata da responsabilidade subjetiva e o parágrafo único do 927, que dispõe sobre a responsabilidade objetiva. Rezam, respectivamente: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; e “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Diferentemente do que defendem alguns doutrinadores, referida previsão legal, que relaciona a atividade médica àquela que traz riscos à integridade física ou à vida do paciente, não preconiza que a responsabilidade médica seja objetiva, bem como não exclui a aplicação, quando possível, do quanto previsto no parágrafo 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Isso porque, ainda que se entenda pela aplicação apenas do Código Civil, o que não se acredita, mesmo nessa hipótese, faz-se necessária a apuração da culpa do médico, nos termos do artigo 951: “No caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.
Coaduna, ainda, com nosso entendimento a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência no sentido de classificar a responsabilidade do médico, profissional liberal, como subjetiva e, portanto, sujeita à aplicação do parágrafo 4º do artigo 14 do CDC. Assim, para que reste configurada a responsabilidade civil do médico, faz-se necessária a detalhada demonstração de sua culpa, ainda que sua aferição seja matéria de complexa obtenção. Tudo isso para evitar a despersonalização da relação médico-paciente, que nada guarda de impessoal, à medida que, quanto mais grave o diagnóstico, maior a proximidade que se estabelece com o médico.
Ademais, classificar a responsabilidade médica como objetiva, sem se ater à hipótese em questão, dispensando-se completamente a comprovação de culpa, seria equiparar o médico atento e diligente àquele profissional negligente, imperito e imprudente. Nesse cenário, também não pode ser ignorada a influência que a natureza humana impõe em cada um dos pacientes, porque cada pessoa reage de uma forma a determinado tratamento, cada enfermo traz consigo um risco, derivado de sua própria patologia e, em algumas situações, o que aparentemente parece se tratar de evidente erro médico, na verdade, se traduz como uma infeliz fatalidade do destino, que, naquela situação, não poderia ter sido evitada.
Deve-se deixar bem claro, portanto, que para que haja o dever de indenizar, não se exige que a culpa do médico seja grave, porém, essa deve ser certa. A extensão dos danos servirá tão somente para quantificar a indenização devida ao paciente, nos termos do artigo 944 do Código Civil, para o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Com efeito, tornou-se também indispensável para configuração da responsabilidade civil desse profissional liberal estabelecer-se a relação de causa e efeito entre o dano provocado no paciente e o ato médico ou, ainda, a falta dele. Com o intuito de proteger o paciente, que, nessa relação, atua na figura de consumidor, bem como contribuir pela busca da comprovação de culpa do médico, se o caso foi inserido no ordenamento jurídico, havendo a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor deste último, nas hipóteses em que o juiz entender presente a verossimilhança das alegações do autor ou em razão de sua hipossuficiência presumida por lei.
Essa faculdade atribuída ao juiz é de extrema importância para que seja dada uma solução justa à lide colocada sob apreciação do Poder Judiciário, à medida que somente em circunstâncias concretas (quando as informações e documentos necessários para o julgamento da causa estiveram disponíveis apenas ao médico), apuradas pelo magistrado, é que o ônus da prova será invertido. Assim, mencionada inversão não pressupõe a existência de culpa do médico, mas apenas atribui a ele o encargo de comprovar que sua conduta se deu de forma regular. Com isso, preserva-se o direito do médico de ser responsabilizado civilmente, em razão de condutas nas quais tenha agido com culpa, bem como, por outro lado, asseguram-se ao paciente lesado os meios necessários para buscar seus direitos.
Fonte: Paula Camila de Oliveira Cocuzza - Estado de Minas
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.