A decisão pela esterilização não deve depender do consentimento do companheiro ou da companheira, por transgredir o direito à liberdade, à autonomia do indivíduo e ao planejamento reprodutivo, sustentou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo o PGR, a esterilização associada à concordância de terceiro é atentado à autonomia corporal e ao direito de planeamento reprodutivo. A manifestação refere-se à ação direta de inconstitucionalidade (Adi) 5.097/DF e foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A esterilização voluntária é decisão individual para anular a capacidade reprodutora, seja por opção, seja por orientação médica. A Adi 5.097 questiona o § 5º da Lei 9.263/1996, que trata do planejamento familiar e exige consentimento expresso de ambos os cônjuges para esterilização. No parecer, o procurador-geral sustenta que essa concordância usurpa o direito de dispor do próprio corpo, sendo, portanto, a esterilização voluntária vontade única daquele que se submete ao procedimento cirúrgico.
Planejamento familiar – O planejamento familiar, baseado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, é protegido constitucionalmente pelo artigo 226. Segundo a Constituição, o direito é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para seu exercício, sendo proibida qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. “A proteção contida na ordem constitucional à família, às decisões do grupo familiar e ao planejamento familiar consubstanciam, em verdade, formas de tutelar a própria dignidade do ser humano”, sustenta.
Ainda conforme o parecer, é clara a diferenciação entre planejamento familiar e a capacidade reprodutiva ou a intenção de procriação: “A acepção de planejamento familiar não se restringe à procriação. Planejar os aspectos referentes à família envolve resoluções como a decisão por uma descendência, ter ou não filhos, quantos gerar, definir a diferença de idade entre eles, a programação econômica relacionada à criação e à educação deles etc.”
Mulher – “Considerando as históricas discriminações contra a mulher, parece certo que será ela também a mais cerceada em sua autodeterminação e na capacidade de exercer o direito constitucional ao planejamento familiar, caso prevaleça a interpretação de que só poderia realizar a esterilização com anuência do parceiro”, pondera.
Outro ponto questionado por Janot é a criminalização da esterilização cirúrgica em desacordo com a lei, inclusive para aquela realizada sem concordância do companheiro. A previsão de pena de reclusão é de dois a oito anos. “Criminalizar a esterilização voluntária sem consentimento do cônjuge impõe à mulher situação de restrição extrema. Com isso, ela se vê sob a dupla ameaça da criminalização do aborto e da esterilização”, argumenta.
Questão de saúde – O procurador-geral traz, no parecer, dados que revelam os benefícios dos métodos contraceptivos. De acordo com levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), esses métodos reduzem a mortalidade materna e infantil. A disponibilização poderia prevenir, no Brasil, 54 milhões de gravidezes indesejadas, 26 milhões de abortos, dos quais cerca de 61% inseguros, e 7 milhões de abortos espontâneos. Além disso, possibilitaria a prevenção de 79 mil mortes maternas e 1,1 milhão de mortes infantis por ano.
“Os benefícios seriam principalmente para as adolescentes do sexo feminino, que se expõem a risco de complicações médicas associadas à gravidez, e que são consequentemente forçadas a comprometer sua educação e vida profissional, o que pode gerar empobrecimento e desenvolvimento educacional deficientes”, complementa.
Ação – A Adi 5.097/DF foi proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). Embora o mérito da ação deva ser reconhecido, o procurador-geral sustenta que a Anadep não possui legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade contra norma que disponha sobre condições e exigências necessárias à esterilização voluntária. Segundo Janot, não há pertinência temática entre o objeto da ação e o objetivo institucional da associação, que é defender prerrogativas, direitos e interesses para garantir a independência e o prestígio da Defensoria Pública. O caso será analisado pelo ministro Celso de Mello, relator da ação no STF.
*Informações da Procuradoria-Geral da República
Fonte: SaúdeJur
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.