Um casal da Comarca de Nova Serrana conseguiu na Justiça o direito de receber a indenização do seguro DPVat (Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não) pela morte de um feto, aos nove meses da gestação. O pagamento da indenização, no valor de R$ 13,5 mil, foi determinado em primeira instância e confirmado pelos desembargadores da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Em 14 de setembro de 2012, a autora da ação sofreu um acidente automobilístico no qual perdeu o bebê e sofreu uma perda parcial do útero. Em razão disso, ela e seu marido acionaram a Justiça, requerendo o pagamento da indenização por morte prevista na Lei 6.194/1974, que dispõe sobre o pagamento do DPVat nos casos de morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares.
Em primeira instância, o juiz Rodrigo Peres Pereira, da Vara Cível de Nova Serrana, em outubro de 2014, afirmou concordar com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da possibilidade de pagamento de indenização de seguro DPVat, em caso de interrupção de gravidez, com o consequente aborto fetal, ante a proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intrauterina desde a concepção, embasada no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Pagamento
Com esse fundamento, o magistrado determinou o pagamento da indenização no valor integral, a qual deve ser destinada aos pais da criança que teve a vida intrauterina interrompida.
Inconformada com a decisão, a Seguradora L. dos Consórcios do Seguro DPVat recorreu ao TJMG. A empresa alegou que o período em que o feto permanece no ventre materno, como etapa primordial da vida humana, deve ser integralmente resguardado pelo direito naquilo que disser respeito ao nascimento com vida daquele ser. Argumentou, contudo, que essa não é a finalidade da indenização pelo seguro DPVat. A seguradora afirmou ainda que a personalidade jurídica só se inicia com o nascimento com vida e, por isso, o bebê que está para nascer não seria titular de direitos patrimoniais.
Em seu voto, a relatora do caso, desembargadora Aparecida Grossi, citou o artigo 2º do Código Civil de 2002, que diz que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do bebê que está para nascer. “Embora toda pessoa seja capaz de direitos, nem todo sujeito de direitos, necessariamente, é uma pessoa, construção que pode, sem maior esforço, alcançar o nascituro [bebê que está para nascer] como sujeito de direitos, mesmo para aqueles que defendem a tese de que ele não seja uma pessoa”, afirmou.
Legislação
Para a magistrada, ainda que não se possa falar em “personalidade jurídica” antes do nascimento, a lei permite falar em “pessoa”. Para ela, é eloquente a omissão legislativa acerca do marco inicial da existência da pessoa humana, o que permite concluir que essa existência não se pode considerar como iniciada tão somente com o nascimento com vida, como defendem alguns doutrinadores e operadores do direito. “Se a existência da pessoa natural tem início antes do nascimento, o nascituro deve ser considerado pessoa e, portanto, titular de direitos”, concluiu.
A desembargadora Aparecida Grossi afirmou ainda que o ordenamento jurídico adotou a teoria concepcionista para explicar a situação jurídica do bebê que está para nascer, entendimento também da doutrina contemporânea majoritária, que o reconhece como portador de interesses merecedores de tutela jurídica. Ela salientou que, embora o nascituro não possa ser titular ou exercer todos os direitos, isso não é relevante para afastar a constatação de que ele é uma pessoa natural, uma vez que nem todo mundo exerce de forma plena todos os direitos, como é o caso dos incapazes e dos presos.
Com esses fundamentos, a relatora manteve integralmente a decisão de primeira instância. Votaram de acordo com esse mesmo entendimento os desembargadores Pedro Aleixo e Wagner Wilson.
Processo: 0031306-64.2014.8.13.0452
Fonte: TJMG/AASP
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.