Enfermeiro do serviço público que cobra para acompanhar pacientes em remoções para outros hospitais longe de sua cidade comete o crime de concussão, tipificado no artigo 316, do Código Penal. Com este entendimento, a maioria dos integrantes da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou Apelação de uma enfermeira, condenada por cobrar R$ 200 para acompanhar paciente do hospital público de São José do Ouro em deslocamento para o Hospital Geral de Caxias do Sul.
O desembargador Gaspar Marques Batista, que relatou a matéria, deu provimento à Apelação, absolvendo a acusada. Para ele, não ficou provado que a enfermeira era funcionária do hospital público municipal, nem que fosse sua atribuição acompanhar pacientes em ambulâncias. Como fez o acompanhamento em caráter particular, entendeu ser lícita a cobrança.
Os desembargadores Newton Brasil Leão e Rogério Gesta Leal divergiram, confirmando integralmente os termos da sentença condenatória. Para Leal, a enfermeira apresentou diversas versões na fase investigatória, todas negando a exigência de valores para acompanhar a paciente, somente admitindo a cobrança em juízo. A alegação de que estava fora do horário de trabalho não se sustenta, afirmou, pois ela cobrou do município as despesas relativas à alimentação no dia em que viajou.
"A demissão da ré do serviço municipal se deu exatamente pela cobrança indevida para o acompanhamento da paciente, conforme se extrai da decisão administrativa", escreveu Leal em seu voto. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 31 de julho.
A denúncia
Segundo denúncia oferecida pelo Ministério Público, a enfermeira cobrou R$ 200 do filho de uma paciente que estava sendo transferida de São José do Ouro para o Hospital Geral de Caxias do Sul, a título de "acompanhamento na viagem". O pagamento foi feito em cheque e foi registrado boletim de ocorrência na Polícia.
A Promotoria a denunciou como incursa nas penas do artigo 316, caput, do Código Penal: "Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida".
A defesa alegou que a conduta era atípica, pois a enfermeira estava de folga naquele dia. Deste modo, a cobrança ocorreu em razão da contratação do serviço de acompanhamento. Salientou que a cobrança decorreu de pacto verbal firmado com os familiares da paciente.
Disse ainda que nunca cobrou valor algum de quem quer que seja em função do cargo público que exerce, mas pela prestação profissional de serviço de enfermagem. A defesa acrescentou que o transporte da paciente até Caxias do Sul deu-se em razão da solicitação feita pelos familiares, não por necessidade médica.
A sentença
A juíza Paula Moschen Brustolin Fagundes, da Vara Judicial de São José do Ouro, julgou a denúncia procedente, por entender que a autoria e a materialidade do fato criminoso ficaram comprovadas nos autos do processo. Também ficou claro que a enfermeira estava em serviço público, tanto que a administração do hospital local ressarciu suas despesas com alimentação naquele dia.
A juíza ressaltou que o crime em questão não exige a efetiva entrega da vantagem indevida, de modo que basta o pedido para a sua configuração. Não importa, assim, se houve ou não o pagamento. No caso concreto, complementou, não só ficou provada a solicitação de pagamento como a efetiva entrega do cheque à denunciada, que fez o depósito em sua conta.
Como o crime de concussão é de alta lesividade social, pois prevê penas de até oito anos de reclusão, a juíza afastou a tese de conduta atípica, sustentada pela defesa. "Se o Poder Judiciário entender por aplicar o Princípio da Bagatela em situações como a narrada na denúncia, acabaremos, indiretamente, por adentrarmos na fase da total impunidade criminal e da frustração do cidadão para com à Justiça", justificou.
A ré acabou condenada à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial aberto. Na dosimetria, a pena foi substituída por duas penas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade e ao pagamento de três salários-mínimos. A ré também terá de pagar 35 dias-multa, à razão de um décimo do salário mínimo vigente à época.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.