O laudo psicológico tem função importantíssima no Direito de Família, pois ajuda o Poder Judiciário a decidir melhor sobre a guarda de menores. Assim, um documento falso ou feito de forma irregular, sem o uso de técnicas adequadas, pode induzir o juiz a erro e prejudicar os superiores interesses da criança – razão de existência do processo.
O posicionamento, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, derrubou sentença que negou dano moral a um pai prejudicado pela psicóloga quando litigava com a ex-esposa pela guarda da filha. A psicóloga, além de não lhe entrevistar, traçou um perfil psicológico totalmente destoante da realidade fática.
Ao acolher o recurso, a desembargadora-relatora Íris Helena Medeiros Nogueira disse que o laudo, se não prejudicou o autor em relação ao desfecho da guarda, deixou-o, no mínimo, inseguro com a obtenção do resultado a seu favor. É que ele foi obrigado a lançar mão de outros recursos para provar sua condição de permanecer com a menina, diante do enorme conflito familiar.
‘‘Consoante as demais provas, representadas pelos inúmeros atendimentos realizados pelo Conselho Tutelar e o processo administrativo-disciplinar, restou comprovado que a ré não entrevistou o autor com a intenção de avaliá-lo psicologicamente, mas tão-somente emitiu laudo com base em seu sentimento pessoal sobre o caso’’, convenceu-se a relatora.
Em face do agir ilícito da psicóloga, que acabou sendo punida pelo seu conselho profissional, a desembargadora arbitrou a reparação moral em R$ 8 mil. Ela entendeu que, ao contrário do juízo de origem, os transtornos vividos pelo autor não se constituíram em mero dissabor. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 9 de abril.
Ação e reconvenção
O autor viveu uma relação conturbada com a ex-esposa entre os anos de 2002 a 2006. Por causa da disputa pela guarda da filha do casal e conflitos durante as visitas, muitas vezes, o caso foi parar no Conselho Tutelar do Município. Em dezembro de 2004, com o litígio já judicializado, o Ministério Público pediu a juntada, aos autos do processo de regulamentação de visitas, de laudos de avaliação psicológica dos três. O objetivo era aferir quem teria a melhor condição psicológica de deter a guarda da menor.
A psicóloga produziu o laudo do autor sem, entretanto, entrevistá-lo. Assim, ele foi descrito como uma pessoa perigosa e agressiva, sem condições de ficar com a guarda. Em síntese, segundo denunciou o autor na inicial, o laudo era irregular e foi feito para prejudicá-lo no processo.
Em função de todos os incômodos e prejuízos suportados com a situação, ele resolveu ir à Justiça e pedir indenização de 100 salários-mínimos a título de reparação moral. Ainda pediu que o juízo local remetesse ofício ao Conselho Regional de Psicologia, a fim de obter cópia de processo disciplinar envolvendo a ré.
Citada, a psicóloga apresentou defesa. Relatou que fez os laudos por solicitação do MP e do Conselho Tutelar, utilizando critérios técnicos. Na resposta à Justiça, apresentou reconvenção contra o autor, em razões das falsas acusações arguidas no processo. Pediu indenização em danos morais.
Sentença
O juiz reconheceu, de início, que os laudos foram emitidos em ‘‘dissonância com a realidade’’. O próprio conselho profissional admitiu que os documentos foram elaborados ao arrepio das melhores técnicas, ferindo o código de ética. Lembrou, também, que as conselheiras tutelares e as testemunhas viam o autor como uma pessoa completamente diferente daquela retratada no perfil psicológico. Em suma: o autor sempre foi visto como um bom pai, que dispensa afeto e dedicação à criança. Ao contrário da mãe, que passava por sérios distúrbios psicológicos à época.
Apesar do reconhecimento de ato ilícito, o juiz disse que não ficou comprovado o dano, como exige o artigo 333, inciso I, do Código de Processso Civil. É que, no final das contas, o autor teve a guarda da filha mantida pela Justiça. Ou seja: a emissão do laudo falso e/ou irregular não lhe trouxe prejuízo algum. Em sintese, não alterou sua situação.
‘‘Considerando a fundamentação supradelineada, constando-se a ocorrência, de fato, de ato ilícito praticado pela ré, não há que se falar em condenação do autor/reconvindo à reparação de danos, pois ausente ato ilícito, já que somente exerceu seu direito de ação, constitucionalmente assegurado’’, escreveu na sentença sobre a reconvenção.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.