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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

A pessoa atrás do doente

*Por Germano Couto
Bastonário da Ordem dos Enfermeiros

Temos um caminho longo a percorrer até, verdadeiramente, vermos o doente como uma pessoa. Vamos percorrê-lo...?


Este ano comemoramos o 35.º aniversário do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma construção de que nos podemos orgulhar e que tem contribuído significativamente para o aumento da qualidade de vida dos portugueses e de quem nos visita.

Hoje, o SNS é considerado um dos melhores serviços de saúde do mundo, tendo atingido indicadores de desempenho, em algumas áreas, invejáveis pela maioria dos países. Hoje temos profissionais competentes, tecnologia adequada e um acesso universal a um conjunto importante de cuidados de saúde. Podemos afirmar, sem hesitações, que temos confiança no nosso SNS.

Mas se não está em causa a qualidade dos tratamentos, será que podemos perguntar como vivem as pessoas nos nossos hospitais e unidades de saúde? Na doença, todos estamos vulneráveis e mais ou menos dependentes de outros, seja enfermeiro, médico ou outro... será que os serviços e os profissionais conseguem ver a pessoa atrás do doente e da sua doença?

A resposta desejável e a comum seria que sim, mas as pessoas dizem que não. Pelo menos é o que referem estudos realizados no Reino Unido na última década. Na verdade, nalgumas áreas, apenas metade das pessoas se sentiu envolvida nas decisões sobre os cuidados e tratamentos que lhes foram prestados.

E quando as pessoas têm dúvidas, será que recebem respostas dos profissionais que conseguem compreender? Cerca de 60% afirmam categoricamente que sim. O que ficaram a saber os outros 40%?

Curiosamente, em quatro estudos desenvolvidos no Reino Unido na primeira década do milénio foi possível identificar que 12% a 38% de pessoas que ficaram internadas em unidades de saúde afirmaram que os profissionais falaram à sua frente como se a pessoa lá não estivesse.

E em Portugal, qual é a experiência que as pessoas vivem ao contactarem com as unidades de saúde? Será que são envolvidas nas decisões? Será que conseguem esclarecer as dúvidas sobre o seu estado de saúde? Será que são tratadas como pessoas e não só como doentes? Qual o empoderamento para a autonomia nas decisões clínicas sobre a sua situação? Quantos procedimentos invasivos são realizados e qual a variação na prática nesta matéria? Quais as condições em que são instalados? Ficam em cama articulada ou numa maca estreita, alta e com um colchão de 10cm? Ficam internados no corredor ou num quarto? Têm casa de banho individual ou uma para 15 doentes? Podem escolher a alimentação ou sujeitam-se ao que lhes oferecem?

Não existe em Portugal de forma sistematizada uma monitorização da interação entre as unidades de saúde e as pessoas. Não sabemos se e onde as pessoas se sentem marginalizadas ou qual o grau de envolvimento das pessoas nos cuidados e tratamentos que recebem. Não sabemos qual é a experiência que os doentes levam de um serviço de saúde.

Não sabemos mas devíamos saber, pois só com conhecimento podemos introduzir alterações. Temos um caminho longo a percorrer até, verdadeiramente, vermos o doente como uma pessoa. Vamos percorrê-lo...?

Fonte: www.publico.pt