Ocorrência de equívoco se deve, entre outros, à pressão econômica, com redução de equipes e aumento do fluxo de trabalho
Os laboratórios clínicos desempenham papel fundamental no suporte às decisões médicas. Apesar de ser uma das pioneiras no campo da qualidade e segurança, a medicina laboratorial, assim como outros segmentos da cadeia de assistência à saúde, está sujeita a falhas no diagnóstico que podem comprometer a saúde do paciente. Embora pesquisas demonstrem que os erros diagnósticos são ocorrências comuns, são poucos os estudos nacionais que dimensionam o impacto de falhas laboratoriais sobre a assistência à saúde. Estudos realizados no exterior sobre os erros laboratoriais e seus efeitos na segurança do paciente e a aplicabilidade, na realidade brasileira, das metodologias utilizadas nessas pesquisas para o monitoramento dos incidentes ocorridos em laboratórios clínicos foram tema da dissertação de mestrado Erros laboratoriais e segurança do paciente, de Wilson Shcolnik, defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).
Para o estudo, foram analisados nove artigos que descrevem eventos adversos – incidentes que resultam em dano ao paciente – decorrentes de erros laboratoriais nos Estados Unidos, Itália e Reino Unido. A análise dos artigos mostra que a fase pré-analítica – etapa entre a solicitação do clínico e a realização do exame no laboratório, incluindo, entre outros itens, cadastramento, orientação sobre coleta, recolhimento do material do paciente e transporte ao laboratório – é a que apresenta maiores proporções de erros, variando entre 54,5% e 88,9% do total de incidentes.
Conforme mostra o estudo, a ocorrência de erros laboratoriais se deve, entre outros fatores, à pressão econômica, que ocasiona redução de equipes, aumento do fluxo de trabalho e exigência de produtividade, e à centralização da realização de exames, dificultando o controle sobre a fase pré-analítica do processo laboratorial.
As consequências dos erros laboratoriais analisados nos artigos variaram. Elas ocorrem com baixa frequência, por conta de numerosas barreiras existentes no sistema, que contribuem para a detecção e correção dos erros antes que ocasionem um evento adverso. Alguns erros não influenciaram na assistência, outros provocaram danos decorrentes de flebotomia (procedimento de coleta de sangue) e levaram à recoleta de amostras, repetições de exames, atrasos na liberação de resultados, tratamentos impróprios e/ou desnecessários, além de influenciar em diagnósticos. Em alguns casos, os erros laboratoriais resultaram na realização de investigação adicional dispensável, internação em unidade de terapia intensiva e óbitos. Os resultados mostram que grande parte dos incidentes laboratoriais que causaram danos aos pacientes poderiam ter sido evitados.
Metodologias para a identificação e monitoramento dos eventos adversos
Segundo Shcolnik, os artigos selecionados para o estudo fornecem uma gama de métodos que podem ser empregados no Brasil, a fim de identificar e monitorar os eventos adversos em laboratórios nacionais. Um deles é o estudo prospectivo – que acompanha os casos à medida que ocorrem – de resultados de exames de laboratório com suspeita de erros, seguido de discussão com o clínico e revisão por patologista clinico para avaliar a frequência e os tipos de erros e identificar etapas críticas. “Essa metodologia exige cooperação de equipes médicas e de enfermagem para avaliação de resultados de exames suspeitos”, ressalta Shcolnik.
Outras medidas que poderiam ser adotadas em laboratórios clínicos nacionais, segundo ele, seriam as análises de questionários sobre falhas na qualidade da assistência, respondidos por profissionais de laboratório, seguidas de investigação sobre o impacto provocado na assistência ao paciente. Shcolnik também sugere a adoção de notificação voluntária para identificação de eventos adversos e a aplicação de estudos retrospectivos de relatórios de incidentes para avaliação do sistema de classificação de relatórios de erros laboratoriais. “Essa metodologia exige uma cultura de notificação e elaboração de relatórios de incidentes, que permitirá a classificação de eventos adversos”, explica.
E o Brasil já dispõe de uma ferramenta que auxiliaria nessa tecnovigilância: as Notificações em Vigilância Sanitária (Notivisa), um sistema de informação online criado para receber notificações de eventos adversos e queixas técnicas de produtos sob regime de vigilância sanitária. “É preciso inserir no país a cultura de notificação, os profissionais da área de saúde precisam conhecer a Notivisa”, alerta.
Fonte: Agência Fiocruz
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.