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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

É ético promover sorologia de doador antes do diagnóstico de morte encefálica?

Apesar do critério da morte encefálica estar estabelecido em lei, tema continua suscitando dúvidas técnicas, éticas e bioéticas

O critério de morte encefálica é adotado no Brasil há quase duas décadas, em lei que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. O mesmo texto concedeu ao Conselho Federal de Medicina (CFM) a prerrogativa de determinar parâmetros clínicos para o diagnóstico nesses casos. Apesar de bem estabelecido no País, um tema tão delicado continua suscitando dúvidas de ordem técnica, ética e bioética, por conta de novas situações surgidas no dia a dia de profissionais envolvidos nesse universo.

Em consulta encaminhada ao Cremesp, em 2009, médicos da área questionavam a eticidade e legalidade de se coletarem amostras de sangue para exames sorológicos de pacientes “que apresentam primeiro exame clínico compatível com morte encefálica” – o CFM exige duas avaliações clínicas e com exames complementares, com períodos que vão de 6 a 48 horas, dependendo da faixa etária (veja box).

À época, parecer da Câmara Técnica de Bioética do Cremesp, aprovado em plenária, concluiu que essa antecipação só seria “ética” mediante autorização expressa de responsáveis legais claramente informados.

O parecer foi revisto recentemente pela Câmara de Bioética, motivada pela reflexão, de parte de seus membros, sobre eventual maleficência ao doador, causada pela realização de hemograma e sorologia antes dos segundos exames compatíveis com morte encefálica. Ou seja, se âmbitos como os do sigilo e da autonomia das famílias seriam afetados.

Abordagem ética

Após análise detalhada, o parecer sugerido pelo relator da Câmara, Marco Aurélio Guimarães, docente de Patologia e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da USP/Ribeirão Preto – submetido à plenária do Cremesp – concorda com o original. Ele enfatiza que a coleta de exames deveria ser feita somente após a realização do segundo teste comprobatório do diagnóstico definitivo de morte encefálica.

Porém, acrescenta que não deve ser entendida como violação ética a abordagem dos familiares para que, em exercício pleno de autonomia, autorizem a coleta mediante consentimento livre e esclarecido, “para o benefício tanto quantitativo como qualitativo dos potenciais receptores”. Tal raciocínio parte do pressuposto de que o objetivo maior de se obter as amostras é promover exames diversos, com vistas a agilizar a doação de órgãos ou tecidos.

Reforça que, sem o necessário consentimento, a antecipação “pode, a priori, ser mal interpretada” pelas famílias e representantes legais, gerando desconfiança, insegurança e, “possivelmente, aumento de recusa de autorização para doação”.

Momento ideal?

Como informa Reginaldo Carlos Boni, diretor da Organização de Procura de Órgãos da Santa Casa de São Paulo e ex-coordenador de Transplantes do Hospital Clínic de Barcelona (Espanha), o momento ideal para a sorologia não está previsto na normativa legal que disciplina o assunto e, por isso, não há ilegalidade em procedê-la. Contudo, para manter as condutas dentro da conformidade ético-legal, “o que se está discutindo em nível nacional é a possibilidade de se aproximar as primeiras das segundas avaliações sobre morte encefálica”.

Boni afirma que grande parte da sua preocupação atual se direciona ao sofrimento das famílias dos doadores, isto é, em possibilitar a devolução condigna do corpo em períodos menores de tempo. “Após estabelecido o diagnóstico de morte e consentimento familiar à doação, o doador demora, em média, 12 horas para chegar ao Centro Cirúrgico, e até 18h ou 20 horas para a devolução do corpo aos familiares”. Assim, salienta, “todos saem beneficiados pela adequação do processo. Além das famílias, o paciente, pela garantia do direito de diagnóstico; quem necessita de transplantes; e a sociedade, que terá disponíveis os leitos ocupados por pessoas falecidas”.

Curiosidades sobre morte encefálica

- Os japoneses contam com uma visão mais holística da morte que os ocidentais, não aceitando como “natural” a violação do corpo de um doador. Por isso, a grande maioria dos transplantes acontece intervivos;

- No Reino Unido a perda das funções do tronco cerebral é suficiente para a comprovação de morte encefálica, diferente de outros países, em que a prova demanda o comprometimento da função de todo o encéfalo;

- O judaísmo, o catolicismo e o islamismo não se opõem ao conceito de morte encefálica ou à retirada de órgãos. Já o budismo tibetano relaciona morte ao processo de decomposição. Alguns grupos de ciganos mantêm o cadáver intacto por um ano, para que “a alma refaça seus passos”;

- Segundo a American Academy of Neurology (AAN), desde que foram definidos os critérios sobre morte encefálica, nunca foi demonstrado ou relatado um único caso de recuperação de função cortical e/ou do tronco cerebral após o diagnóstico de morte encefálica.

Intervalos entre avaliações

Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte encefálica são definidos por faixa etária:
- de 7 dias a 2 meses incompletos – 48 horas
- de 2 meses a 1 ano incompleto – 24 horas
- de 1 ano a 2 anos incompletos – 12 horas
- acima de 2 anos – 6 horas

Exames complementares para constatação de morte encefálica deverão demonstrar, de forma inequívoca, a ausência de atividade elétrica cerebral, de atividade metabólica cerebral ou de perfusão sanguínea cerebral.

Fonte: CREMESP