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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Laboratórios doaram 28 milhões de euros, profissionais de saúde só declararam oito milhões

PORTUGAL

Ordem vai divulgar parecer jurídico que esclarece que médicos têm de comunicar donativos, como diz a lei em vigor desde 2013

Em pouco mais de cinco meses, de Janeiro até 9 de Junho, a indústria farmacêutica concedeu apoios e subsídios no valor de mais de 28,6 milhões de euros a profissionais e organizações do sector da saúde, mas estes comunicaram que neste período receberam apenas 8,4 milhões de euros dos laboratórios. São mais de 20 milhões de euros de diferença, revela uma investigação efectuada por uma empresa especializada no processamento de dados provenientes da Internet.

No trabalho, a que o PÚBLICO teve acesso, são analisados os dados disponibilizados na plataforma informática da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), o chamado portal da “transparência”, criado para divulgar os apoios da indústria farmacêutica a profissionais e organizações do sector, associações de doentes e sociedades médicas incluídas.

No início desta semana, o sistema albergava quase 35 mil declarações de doações, mas apenas pouco mais de 5400 comunicações de recebimentos. E, neste conjunto, só havia um par que correspondia (entidades e valores), não sendo possível de resto encontrar “compatibilidades” entre o que foi doado e o que foi recebido.

Em vigor desde Fevereiro de 2013, a lei que tornou obrigatórias as declarações dos apoios superiores a 25 euros concedidos pelos laboratórios farmacêuticos a todos os intervenientes no circuito do medicamento parece, pois, estar a ser ignorada por uma parte substancial das entidades e profissionais de saúde. O principal objectivo da legislação era justamente o de tornar transparentes eventuais relações perigosas e conflitos de interesses neste sector tão sensível.

A Ordem dos Médicos prepara-se, a propósito, para publicar um parecer do seu departamento jurídico que esclarece que os clínicos têm que notificar ao Infarmed tudo aquilo que recebem acima dos 25 euros, segundo adiantou ao PÚBLICO o bastonário José Manuel Silva. “Isto não faz sentido, é uma burocracia”, defende, porém, o bastonário, para quem seria suficiente que apenas a indústria farmacêutica declarasse os donativos.

“A indústria tem um secretariado para tratar disto, agora os médicos por vezes esquecem-se, têm muito que fazer, não é por mal e muitos deixaram de notificar porque pensam que não faz sentido”, alega.

Álvaro Figueira, que coordenou este trabalho de investigação feito pela empresa Interrelate, concluiu que, entre Janeiro e o dia 9 deste mês, a discrepância entre os montantes declarados pela indústria farmacêutica e valores declarados pelos profissionais e entidades do sector da saúde no portal era já superior a 20 milhões de euros. Há um prazo de 30 dias para efectuar as declarações, mas, mesmo que não sejam exactamente coincidentes, os montantes deveriam pelo menos ser aproximados, o que não está a acontecer.

“Infarmed monitoriza”
A situação terá mesmo piorado de 2013 para 2014, porque, se se considerarem apenas os valores do ano passado, o desfasamento entre os montantes concedidos (cerca de 15 milhões) e os recebidos (13,4 milhões) era então muito inferior, 1,6 milhões de euros, no total.

O PÚBLICO perguntou ao Infarmed, que é responsável pela plataforma informática e pela sua monitorização, se tinha conhecimento do desfasamento dos valores concedidos e recebidos, qual a justificação para este diferencial e se tinha havido, entretanto, algum tipo de punição para os eventuais infractores, como está previsto na lei. Sem responder a esta questão em concreto, o Infarmed garantiu apenas que “tem vindo a monitorizar esta ferramenta, prosseguindo com as alterações necessárias com vista à melhoria do seu funcionamento”.

Como é possível então que um médico apareça como tendo recebido mais de 2,1 mil milhões de euros de um laboratório farmacêutico, mais de um quarto do orçamento anual do Ministério da Saúde, como acontecia em Maio?

“Ainda que as informações submetidas através das comunicações efectuadas sejam da exclusiva responsabilidade dos seus declarantes, o Infarmed monitoriza a referida plataforma, sendo que o exemplo que em concreto se apresenta foi já resolvido ainda no decurso do passado mês de Maio.”

Foi justamente em Maio que o PÚBLICO tentou perceber o que se tinha passado junto do médico em questão. Perplexo, este disse que aquele valor só podia ser um erro, e que se limitara a ir a um congresso patrocinado pelo tal laboratório, num valor da ordem dos 2100 euros. Tudo indica, portanto, que o Infarmed terá corrigido o erro depois de ter sido avisado da sua magnitude.

Segundo os investigadores, a plataforma é muito rudimentar e sofre de múltiplas insuficiências. Para se ter uma ideia, só para consultar os milhares de declarações de 2014, percorrendo as sucessivas páginas, seriam necessárias 36,5 horas de trabalho ininterrupto, exemplificam, sublinhando que é muito complicado para um leigo efectuar qualquer tipo de pesquisa nesta plataforma. Além disso, a memória é excessiva, impedindo o portal de ser usado na maior parte dos dispositivos portáteis. “Para que serve a plataforma, afinal”, perguntam.

Inquirido sobre a disponibilidade para alterar este portal, face às múltiplas insuficiências detectadas, o Infarmed respondeu que “tomará as medidas que se considerem necessárias ao cumprimento das obrigações previstas na lei”. Nada mais.

Fonte: www.publico.pt