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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Opinião: Meu corpo, meus direitos

*Por MAURÍCIO SANTORO - Assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil

Como você se sentiria se não pudesse receber anticoncepcionais por não ter filhos? Se os profissionais de saúde de seu país não falassem seu idioma e não conseguissem se comunicar com você? Se você tivesse que dar à luz na margem de um rio, por falta de transporte até o hospital mais próximo? O ano de 2013 é chave para os direitos das mulheres, marcado pela negociação do Tratado de Comércio de Armas em março e pelo prosseguimento do processo Cairo+20, que, em setembro, será assinado pela revisão na ONU do Programa de Ação estabelecido pela Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em 1994. Há riscos de retrocesso. Na Rio+20, em 2012, forças refratárias à emancipação feminina conseguiram retirar do docu mento final a expressão “direitos sexuais e reprodutivos”, em forte indicação de como o assunto incomoda a muitos grupos.

Mulheres — especialmente jovens e adolescentes — devem ter garantido o acesso a serviços médicos e de saúde reprodutiva assegurados na negociação Cairo+20. Esse é o tema da campanha Meu Corpo, Meus Direitos, que a Anistia Internacional lançou neste mês. O objetivo é fazer valer as garantias estipuladas nos acordos globais, tais como impedir casamentos ou relações sexuais forçadas, combater discriminações na busca por atendimento, efetivar o acesso a tratamentos anticoncepcionais e planejamento familiar. As mulheres devem ser parte destacada dos processos decisórios das políticas públicas que lidam com o corpo e precisam ter disponíveis as informações e possibilidades de educação para que possam determinar o que é melhor para a própria vida.

No Brasil, o tema ganha dimensão particularmente importante com o peso das desigualdades no acesso à saúde. As mulheres negras e pobres são as principais vítimas da discriminação e da negligência do Estado. O Ministério da Saúde afirmou que “o recorte racial-étnico é fundamental para a análise dos indicadores de saúde e para o planejamento das ações”. De fato, desde a década de 1990, essa instituição recolhe dados quantitativos desagregados por etnia, por pressão dos movimentos sociais. Em 2006, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que em 2011 foi incorporada ao Estatuto da Igualdade Racial. Ela estipula como objetivo “qualificação e humanização da a tenção à saúde da mulher negra”.

Dados do IBGE mostram que a expectativa de vida é de 74,9 anos para brancas e 71,7 para negras. E 22,9% das mulheres brancas não fizeram exames médicos durante a gravidez, contra 33,9% das negras. A mortalidade infantil entre crianças filhas de mães negras é 40% maior do que de brancas. Entre as indígenas, o percentual é de 138%. O caso de Alyne Silva Pimentel teve repercussão internacional por ilustrar os impactos desses problemas em uma história pessoal. Alyne era uma jovem negra, moradora da Baixada Fluminense, que morreu em hospital público, durante uma gravidez de alto risco, por falta de tratamento médico adequado. O Brasil foi condenado pelo Comitê da ONU para Eliminação da Discriminação contra Mulheres (Cedaw) por violar os direitos humanos de Alyne.

As negociações do Tratado de Comércio de Armas também são ocasião para afirmar os direitos das mulheres. O texto em discussão prevê uma “regra de ouro”, que proibirá venda e transferência de armamento e munição para países engajados em graves violações de direitos humanos. A Anistia Internacional está empenhada para que o tratado inclua artigos específicos sobre o combate à violência de gênero, tais como o recurso ao estupro para aterrorizar populações civis em conflitos armados. Os acordos diplomáticos recentes, como os Estatutos de Roma — que criaram o Tribunal Penal Internacional — consideram que a violência sexual contra as mulheres pode ser classificada como crime contra a humanidade, sem possibilidade de prescrição ou a nistia, quando ocorre no contexto de repressão política sistemática contra determinado grupo.

Em setembro, é fundamental que a conferência Cairo+20 assegure os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres diante dos que os consideram tão ameaçadores que querem tirá-los até dos textos dos acordos internacionais. A força do tema é manifesta na importância que ganhou, por exemplo, nas revoltas da Primavera Árabe, com o papel destacado das mulheres na mobilização por direitos humanos.

Fonte: Correio Braziliense