Minha foto
Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 23 de abril de 2013

SUS reduz de 21 para 18 anos idade para troca de sexo

Portaria do Ministério da Saúde que será publicada nesta semana também libera aos 16 anos início do tratamento hormonal e psicológico

O Ministério da Saúde vai reduzir de 21 para 18 anos a idade mínima para que um transexual possa fazer cirurgia de mudança de sexo na rede pública e de 18 para 16 a idade para início do tratamento hormonal e psicológico. Também passará a pagar a operação de troca de sexo feminino para masculino - o que ainda não era contemplado. Antes mesmo de ser publicada, a nova norma já causa polêmica.

A portaria, que será publicada nesta semana no Diário Oficial da União, vai incluir o pagamento de cirurgias para retirada de mamas, útero e ovários, além da terapia hormonal para crescimento do clitóris. O investimento inicial será de R$ 390 mil por ano. A cirurgia para construção do pênis (neofaloplastia) não será paga, pois a técnica ainda é considerada experimental pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

“Desde 2008, somos um dos únicos países do mundo a ofertar o tratamento para transexuais de maneira universal e pública. O salto agora é aumentar o acesso e ampliar a oferta de serviços que fazem a cirurgia, além de autorizar o acompanhamento em unidades ambulatoriais”, diz José Eduardo Fogolin Passos, coordenador-geral de média a alta complexidade do Ministério da Saúde.

O grupo técnico que cuidou da revisão da portaria chegou à conclusão de que a idade mínima para a realização da cirurgia de mudança de sexo é de 18 anos. Como o pré-requisito é ter feito ao menos dois anos de acompanhamento psicológico, foi necessário diminuir para 16 a idade para início do processo. E é exatamente essa redução que dividiu opiniões.

Para a médica Elaine Costa, do Ambulatório de Transexualismo do Hospital das Clínicas de São Paulo, a medida é correta. “O paciente que é trans aos 18 anos vai continuar trans aos 21. Exigir que a cirurgia só possa ser feita aos 21 vai aumentar em três anos o sofrimento dele. É totalmente desnecessário.”

A pesquisadora Regina Facchini, do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp, segue o mesmo raciocínio. “Quanto mais cedo esse paciente tiver acesso ao tratamento hormonal, melhor será para ele. A maioria se reconhece transexual muito cedo, ainda na adolescência. E, se ele não for acolhido e receber orientação e acompanhamento adequados, vai comprar hormônio clandestinamente.”

Cautela. Já Diaulas Ribeiro, promotor de Justiça de Defesa dos Usuários da Saúde do Distrito Federal e pioneiro na luta pelos direitos dos transexuais, critica a redução da idade para início do tratamento e da cirurgia. Para ele, o governo deveria ser mais prudente.

“O jovem de 16 anos pode ser emancipado para fins civis. Meu medo é o índice de arrependimento que pode surgir, já que o diagnóstico, em geral, é fechado com mais idade. Sou contra iniciar a terapia hormonal aos 16, pois se trata de um procedimento definitivo. Se a pessoa quiser desistir, não tem mais como voltar atrás”, avalia.

Ribeiro também pede cautela com relação à redução da idade para a cirurgia. “Juridicamente, não há problema nenhum em operar aos 18 anos, mas essa é uma via de mão única. Quanto mais tarde a cirurgia for feita, menor o risco de arrependimento”, pondera, defendendo que a intervenção só ocorra aos 25.

O tema ainda promete dar o que falar. “Com 18 anos, a gente vota, pode ser responsabilizado criminalmente, pode casar e dirigir. Por que não podemos fazer uma cirurgia?”, pergunta Leonardo Tenório, de 23 anos, presidente da Associação Brasileira de Homens Trans. “Acho que 16 anos é até pouco. Deveria ser 14. Quanto mais cedo começarmos, mais rápido nosso corpo ficará como gostaríamos que fosse.”

Demanda. Como a cirurgia de mudança do sexo feminino para masculino ainda não é remunerada pelo SUS, o Ministério da Saúde não sabe informar qual a atual fila de espera. Passos calcula que a demanda seja de pelo menos 100 pacientes por ano, considerando dados dos quatro únicos hospitais que fazem esse procedimento atualmente, com recursos próprios.

Uma das críticas em relação às novas regras do SUS é a falta de pagamento para a metoidioplastia - cirurgia de masculinização. A técnica consiste no fechamento da vagina, transformação dos grandes lábios em sacos escrotais (com implante de próteses) e na mudança da uretra para a ponta do clitóris, que é transformado em micropênis - e permite urinar de pé.

O Ministério da Saúde diz que a técnica não foi incluída porque ela nem sequer é citada na resolução do CFM. Em nota, porém, o conselho diz que “a possibilidade de cirurgia de transgenitalização para mulheres é considerada prática válida e segura, com exceção para a neofaloplastia”.
Para Tenório, as novas regras são um avanço, mas ainda não estão completas. “As mudanças são significativas, pois até então éramos invisíveis. Mas ainda não serão 100%.”

`Oficialmente, eu não existo nas estatísticas`
Fernanda Bassette - O Estado de S.Paulo

Quando criança, nunca tive uma percepção muito clara do que acontecia comigo. Sentia um desconforto e percebia que as pessoas esperavam que eu fizesse uma coisa, mas eu fazia outra. Na escola, ficava isolado: não gostava das meninas nem elas de mim e só brigava com os meninos. Mas sempre fui bom aluno.

Quando tinha 8 ou 9 anos, vesti roupas do meu pai e fui ao shopping. Queria saber se as pessoas me reconheceriam como menino. Usei o banheiro masculino e ninguém falou nada. Foi um alívio.

Minha primeira menstruação foi aos 12 anos. Como fui criado pelo meu pai, sem a minha mãe, não fazia a menor ideia do que se tratava. Foi uma experiência aterrorizante, achei que estava morrendo. Escondi o fato do meu pai por três meses, até que a minha avó me explicou.

Nunca usei maquiagem, esmaltes ou brincos. Gostava de alargadores na orelha. Me vestia sempre de maneira masculinizada: bermudão, calça jeans, camisetas largas. Na adolescência, parei de cortar o cabelo e ele ficou abaixo da cintura. Foi uma tentativa desesperada de me encaixar, um esforço imenso para tentar fazer parte do grupo de meninas.

Desde os 7 anos, me interessava por mulheres, mas nunca me senti lésbica. Sou absolutamente heterossexual - um homem em um corpo biológico de mulher. O desconhecimento sobre isso é tão grande que falta até vocabulário para explicar o que eu sinto.

Eu só fui entender plenamente o que acontecia comigo aos 18 anos, quando estava na faculdade. Eu cursava Direito e, na aula, a professora citou um caso de pedido judicial para mudança de nome civil para o nome social. Na hora me deu um ``clique``.

Pesquisei durante um mês e descobri a cirurgia para mudança de sexo. Tomei a decisão e liguei para o meu pai. Desde então, ele e a minha família não falam mais comigo. Achei chato, mas não posso passar o resto da minha vida vivendo o que os outros acham que é o melhor para mim, ainda que esse outro seja o meu próprio pai.

Procurei endocrinologistas na rede pública para iniciar o tratamento hormonal, mas nenhum aceitou. Então comprei hormônio (testosterona) clandestinamente e voltei ao médico. Só assim ele aceitou me tratar dentro de uma política de redução de danos. Faço tratamento psicológico pelo SUS, mas por conta própria, não no contexto do atendimento especializado. Oficialmente eu não existo nas estatísticas do SUS entre as pessoas que esperam a cirurgia.

Meus seios são o que mais me incomodam, por isso uso faixas apertadas para escondê-los. Não vou à praia nem à piscina pois me sinto constrangido. A cirurgia para tirar as mamas custa R$ 10 mil. Se tivesse dinheiro, já teria feito. / F.B.

Hospital das Clínicas de SP faz uma cirurgia por semana

Considerado referência nacional no tratamento de transexuais, o Ambulatório de Transexualismo do Hospital das Clínicas de São Paulo tem hoje 158 pacientes, incluindo homens e mulheres, recebendo tratamento hormonal e fazendo psicoterapia - os dois pré-requisitos para a realização da cirurgia de mudança de sexo.

Desses 158 pacientes, 48 já cumpriram os dois anos de exigência para a realização da cirurgia e estão na fila de espera para conseguir realizar a operação. O problema é que a agenda do HC está completamente tomada até abril de 2014 - o que significa que cada paciente deve esperar no mínimo três anos para conseguir ser operado. ``Vamos demorar uns 10 anos para conseguir operar todos esses pacientes, fora os novos que surgirem. Infelizmente, não temos como absorver toda essa demanda``, diz a médica Elaine Cosa, coordenadora do ambulatório do hospital.

Exclusiva

Com recursos próprios, o HC realiza uma cirurgia de mudança de sexo por semana - todas as segundas-feiras. O hospital destina uma sala cirúrgica exclusivamente para atender esses pacientes. Só em 2012, por exemplo, foram realizadas 44 operações: 14 foram retoques (cirurgias que são refeitas em decorrência de alguma complicação no primeiro procedimento), 10 foram de mulher para homem e 20 de homem para mulher.

``Operamos transexuais desde 1998 e o índice de desistência é praticamente zero. Quem resolve sair da fila é porque decidiu pagar pela cirurgia``, afirma Elaine. Apesar de o SUS não cobrir metoidioplastia (masculinização), ela diz que o HC seguirá fazendo o procedimento.

Fonte: O Estado de S.Paulo/Fernanda Bassette