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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Ser discreto, ser ético

PORTUGAL
*Por Rosalvo Almeida

Ouvimos a telefonia sem fios e percebemos que ser discreto e prudente não está na moda.

1. Andamos na rua. Fora de portas. Vemos cartazes nas paragens dos transportes públicos e não queremos acreditar. Médicos em fotografias grandes que fazem propaganda a um hospital. Uma é do tempo em que o mundo era cinzento e a outra é colorida. A segunda aponta um conjunto numeroso (milhares) de atos médicos depois da primeira (cirurgias, partos, exames).

Os fotografados mostram sinais do tempo que passou mas a propaganda não é deles – é do hospital onde trabalham. Certamente que o uso das suas imagens só é possível porque os fotografados consentiram. Mas alguém está a esquecer que o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, que a todos obriga, estabelece (no artigo 11.º) que !na divulgação da sua atividade o médico deve abster-se de propaganda e de autopromoção" e proíbe (no artigo 12.º), por ser «particularmente grave [,] a divulgação de informação suscetível de ser considerada como garantia de resultados ou que possa ser considerada publicidade enganosa».

Podemos, é verdade, presumir que tal quantidade traduz igual qualidade e até é possível que essa correspondência seja real na maioria dos casos. Quando uma pessoa sente necessidade de recorrer a cuidados de saúde é natural que procure saber o melhor serviço que está ao seu alcance. No momento de aceitar a realização de uma intervenção, ser-lhe-á pedido que comprove, com a sua assinatura, que consente o ato na condição de ser devidamente esclarecido sobre o que esse ato significa: riscos que corre e resultados que pode legitimamente esperar. É nesse momento que é justo que lhe sejam facultadas estatísticas do desempenho – quantos atos feitos, quantos tiveram êxito e quantos falharam. Não há, é certo, essa tradição entre nós mas, é sabido, as tradições começam em qualquer altura.

2. De qualquer modo, o referido código de conduta dos médicos portugueses alude (no artigo 12.º) a uma "publicação de anúncios (…) [que] tem de revestir forma discreta e prudente".

Ouvimos a telefonia sem fios e percebemos que ser discreto e prudente não está na moda. Alerta cancro! É uma rubrica radiodifundida que nos diz que há tratamentos novos que são entusiasmantes. Parece ser uma boa notícia! A imunoterapia oncológica, dizem-nos todas as ondas das manhãs, é muito melhor do que a quimioterapia e talvez seja verdade. Também dizem que ainda decorrem ensaios clínicos que comprovem as vantagens mas que doentes e médicos estão entusiasmados. Note-se que, por um lado, os médicos anunciam os resultados dos ensaios clínicos em curso antes do seu termo e sublinham saber que, com o novo tratamento, a sobrevida das pessoas com cancro do pulmão aumenta alguns meses e, por outro lado, alertam para os custos desses novos tratamentos. Ouve-se, em paralelo, um doente afirmar que está muito grato por estar a participar no ensaio clínico pois está a sentir-se melhor (disse também que tinha interrompido, por uns dias, o tratamento por ter tido uma “pequena” pneumonia) sem mostrar que tivesse sido informado sobre a dimensão da sobrevida. Seria, aliás, importante saber quais as diferenças de sobrevida e de qualidade de vida em três grupos: com a “velha” quimioterapia, com a “nova” imunoterapia e sem qualquer terapia.

Seja como for, os ensaios clínicos com novos tratamentos devem, em princípio, comparar grupos de doentes sob tratamentos supostamente eficazes e não deixar doentes sem tratamento. O desenho e execução destes ensaios são (devem ser) controlados por uma autoridade reguladora (INFARMED) e sujeitos a apreciação por uma comissão de ética, nacional, única, independente da autoridade, dos investigadores e dos promotores (CEIC). Ora, o anúncio público de resultados, com a colaboração dos investigadores e dos promotores, antes do final dos ensaios, tem de ser liminarmente condenado ou, em alternativa, tem de levar à interrupção do ensaio e à publicação imediata dos achados.

3. Pode ser verdade mas parece cedo. Se e quando se demonstrar a eficácia de um novo tratamento, então, importa que seja anunciada e se autorize a sua comercialização e se definam os preços. Antes do final das investigações, porque precisamos de saber se a eficácia se refere à sobrevida adicional, aos efeitos secundários ou à cura, configura um caso de publicidade perigosa e imprudente ou uma manobra comercial de contornos duvidosos.

Criar expectativas é perverso ainda que elas venham a confirmar-se, sobretudo se não são declarados potenciais conflitos de interesses. Não é, manifestamente, um caso de liberdade de informação – é uma questão de seriedade. Ambos os casos mostram quanto ser discreto é ser ético!

Neurologista aposentado (rosalvo@netcabo.pt)

Fonte: www.publico.pt