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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

O direito a estar triste

*Por Mário Cordeiro

Por vezes acho que há muito boa gente que desejaria que vivêssemos num mundo de "patetas alegres", onde as pessoas andassem sempre de sorriso rasgado de orelha a orelha, a dizer larachas e graças de terceira categoria, mesmo que não lhes apetecesse, mesmo que essa expressão fosse contra os seus sentimentos.

E porquê? Porquê estar sempre "alegre"? Com medo da depressão, é? Como se alegria fosse sinónimo de felicidade ou condição para se atingir esta última, ou como se a tristeza desembocasse sempre na depressão ou no suicídio.

Estar triste é um direito. Um direito tão natural e tão desejável como estar alegre. Os sentimentos são isso mesmo – sentir. E sentir é ver o mundo e os outros umas vezes de um modo mais optimista, outras mais pessimista, umas vezes de forma mais positiva, outras menos. Estar triste é muitas vezes estar. Simplesmente estar. Sem se saber porquê e sem se querer saber porquê... Até porque muitos sentimentos não se explicam, apenas existem enquanto tal.

A confusão entre alegria e felicidade
Toda, ou pelo menos quase toda a gente deseja a felicidade. Para si e para os outros. Só nos ficam bem esses sentimentos. No entanto, não podemos cair no erro de confundir felicidade com alegria. Pode ser-se extremamente feliz estando triste. Mais, há muitas ocasiões em que nos sentimos bastante melhor connosco e com os outros estando tristes. Por vezes muito tristes. E uma coisa é a tristeza e outra a infelicidade ou a depressão, essas sim, a evitar a todo o custo.

Tristeza e alegria pertencem à escala de sentimentos e de estados de alma, não havendo propriamente uma divisão radical entre ambas. Quantas vezes a maior das alegrias não é tão grande que roça a tristeza, tantas as vezes a tristeza se insinua nas nossas almas tornando-se bem-estar e tranquilidade. Tudo depende das alturas, dos momentos, das razões. O humor é isso mesmo. A vida é isso mesmo.

Tristeza como sinónimo de criatividade
É bem sabido que os grandes criativos, no domínio da literatura, das artes, da ciência, tiveram e têm as suas fases de maior produtividade nos dias em que se sentiam ou sentem tristes. Muito mais, seguramente, do que quando andavam bem dispostos – a tristeza traz consigo a reflexão, a interiorização, o estar-se tranquilamente consigo próprio. A alegria é mais expansiva, mais comunicativa, mas também mais partilhada, menos pessoal. Estar triste é algo de bom, de "gostoso", um estado de alma que saboreamos a cada momento, devagarinho, com prazer, como um momento nosso e só nosso, enigmático, ao qual os outros não têm acesso.

A alternância de estados de espírito
Evidentemente que não será desejável estar sempre triste. A tristeza temperada com a alegria (e também, embora menos, com situações de perfeita "neutralidade" de sentimentos) constrói o equilíbrio interno e externo de que tanto precisamos e que nos permite gerir de forma adequada a adversidade e o stress, bem como os estímulos positivos e o contentamento. Uma boa balança é a que pode pender para um lado ou para o outro e não apenas a que se verga para a esquerda ou para a direita.

Alternar os estados de espírito é, assim, fundamental. E há que reconhecer esse direito como um dos direitos fundamentais da pessoa. Poderá corresponder à maior boa vontade dos outros tentarem animar-nos e consolar-nos – é o seu papel –, mas terão que compreender que às vezes apetece-nos estar tristes e que forçar a alegria só nos irá provocar sofrimento e desconforto. Repito, não somos "patetas alegres", para andar sempre com um sorriso debaixo do braço ou escondido no bolso.

Quantos de nós não teremos escrito poemas ou ensaios, geralmente como resposta à mais profunda das tristezas? Ou pintado quadros e telas, feito desenhos ou esboçado esculturas... ou tão simplesmente passeado num dia de chuva, ou ao sol da Primavera junto a um riacho, através de um bosque, de uma avenida, ou estarmos simplesmente deitados em cima da cama deixando-nos embalar por uma infinita tristeza de que gostamos e que nos conforta, que nos acaricia da mesma maneira que as mãos da mãe ou as palavras generosas de um amigo? Quantos de nós não nos conhecemos melhor por termos tido esses momentos?

É claro que não é bom a depressão. Mas depressão e tristeza são coisas diferentes. Estar triste é vulgar, normal e desejável. Tão vulgar, normal e desejável como estar alegre. A vida não tem apenas uma faceta e a complementaridade dos diversos matizes de sentimentos é que nos faz e refaz a cada momento. Estar triste é assim um direito sagrado!

E se estar triste não fosse tão bom, o maior júbilo não nos deixaria um travo tão saboroso de nostalgia, ou se sentiria bem quando melancólico? Quem nunca chorou de alegria?

Fonte: www.publico.pt