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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Sentença: Improcedência diante da culpa de terceiro, estranho ao processo judicial

Vistos.
O ESPÓLIO DE ABA, representado por AAS, propôs a presente ação de indenização contra HOSPITAL BC e U, alegando, em síntese que em 03/02/2005, a ré U deixou de prestar o atendimento adequado ao autor, que era titular de plano de saúde, mantido por ela. Diz que depois de atingido por disparos de arma de fogo, foi encaminhado ao Hospital PB, juntamente com outro paciente, também ferido, mas que, como a unidade hospitalar não tinha condições de atender simultaneamente os dois pacientes, precisou ser removido para outro local para atendimento. Aduz que houve demora da ré U em disponibilizar ambulância para transferência e em confirmar o hospital para o qual o autor deveria ser transferido. Afirma que o paciente foi encaminhado para o réu HOSPITAL BC, e lá permaneceu no corredor, até que o médico responsável aparecesse para realizar a cirurgia de retirada do projétil, que culminou com a morte do autor. Pleiteia a condenação das rés no pagamento de indenização por danos materiais no importe de R$ 3.000,00 correspondentes às despesas processuais (cópias e transporte) e honorários advocatícios contratados e indenização por danos morais no importe de 1.776 salários mínimos, calculados com base na expectativa de vida do falecido. Requereu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a inversão do ônus da prova. Com a petição inicial vieram os documentos de fls. 15/130.

A ré U foi citada (fls. 135v) e contestou a ação (fls. 205/212), alegando, em síntese que não houve demora na transferência do paciente e que ele foi atendido pelo corréu HOSPITAL BC, mesmo que o nosocômio não tenha concordado com a remoção. Disse ainda que os hospitais têm número limitado de atendimento e que se as salas cirúrgicas estão em uso, o hospital não pode receber mais pacientes, daí a indispensabilidade de solicitação e autorização antes da remoção. Aduziu que se houve demora no atendimento, a responsabilidade é do Hospital PB, que não teve condições para atender ao autor. Argumentou que o paciente recebeu quatro “tiros” e que a medicina é profissão de meios e não de fim, daí não ser possível imputar culpa ao plano de saúde ou ao hospital. Impugnou o pedido de indenização por danos materiais, aduzindo que as verbas sucumbenciais destinam-se a pagar as custas do processo e os honorários advocatícios da parte vencida, e o pedido de indenização por dano moral e sustentou não ser possível a inversão do ônus probatório na forma pretendida na petição inicial.

Citado (fls. 135v), o réu HOSPITAL BC ofertou contestação às fls. 217/233, requerendo o chamamento ao processo de S SEGURADORA S/A. No mérito sustentou que a responsabilidade do contestante é subjetiva e que a transferência de pacientes graves, como era o caso, são solicitadas com antecedência e com a anuência do hospital que aceita a transferência, o que não ocorreu. Disse que o paciente chegou ao hospital sem que o nosocômio tenha sido avisado da transferência, mas que, ainda assim, os médicos ao constatarem a gravidade do caso providenciaram a internação e que, após ser submetido a procedimento cirúrgico, veio a óbito. Negou ter contribuído para a piora ou falecimento do paciente e que não houve imperícia, imprudência ou negligência, daí não estar presente o nexo causal entre o fato e a conduta do hospital. Impugnou os pedidos indenizatórios, aduzindo que não restou provada a dependência econômica para com o falecido e alegou não ter ocorrido dano moral. Requereu a improcedência da ação e, alternativamente, a fixação da indenização em patamares mínimos.

Houve réplica às fls. 247/260.

Da decisão que indeferiu o chamamento ao processo de S SEGURADORA S/A houve a interposição do Agravo de Instrumento n. 4..., tendo o Tribunal reformado a decisão e deferido o chamamento ao processo da seguradora. A seguradora foi citada (fls.325) e não contestou a ação (fls. 326), sendo a revelia decretada às fls. 346/349.

Foi realizada a perícia indireta, com laudo juntado as fls. 362/378 e manifestação das partes às fls. 374/376 (autor), 379/380 (HOSPITAL) e fls. 381/381 (U).

Os réus informaram não ter interesse na realização de audiência de tentativa de conciliação (fls. 266 e 267).

Às fls. 387 foi determinada a apresentação, pelos requeridos, de documentação comprobatória dos exatos horários de requerimento e expedição de ambulância para remoção do “de cujus”, especificando os horários de requisição do veículo, liberação e chegada, com manifestação do réu HOSPITAL BC às fls. 389/390 e a ré U às fls. 394/398.

Houve deferimento às fls. 413 do pedido feito pela ré U (fls. 395) de expedição de ofício à empresa responsável pela remoção do paciente, do Hospital PB para o réu HOSPITAL BC: Empresa Remoções ZN, para que apresente os documentos e informações que possua sobre o caso, com resposta fornecida às fls. 416/417.

A produção de prova oral foi indeferida às fls. 457.

As partes apresentaram alegações finais na forma de memoriais, o autor às fls. 465/468, o réu HOSPITAL BC às fls. 469/474 e a ré U às fls. 475/483.

É o relatório. Fundamento e decido.

Em que pese a argumentação constante da petição inicial, o ônus da prova quanto à existência de nexo de causalidade entre as ações dos réus e a morte de ABA é do autor, pois representa o fato constitutivo do seu direito, consoante regra do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. De fato, “segundo a regra estatuída por Paulo, compilada por Justiniano, a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega a existência de um fato (Dig. XXII, 3,2). O autor precisa demonstrar em Juízo a existência do ato ou fato por ele descrito na inicial como ensejador do seu direito” (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante em vigor - 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1.996, pg. 758 e 759). Como vimos, porém, nenhuma prova se produziu a respeito da alegada conduta culposa dos réus, e principalmente com relação ao nexo de causalidade entre a morte do paciente e eventual morosidade na remoção do paciente e no início do procedimento cirúrgico.

Quanto a conduta do réu HOSPITAL BC, restou evidenciado que este, embora atendesse ao plano de saúde do paciente não concordou com a remoção. No entanto, ainda que não tenha autorizado a remoção, quando esta foi concretizada, prestou a assistência necessária, tanto é que o paciente faleceu quando estava sob os cuidados daquele hospital. Aliás, o perito ao responder aos quesitos afirma que “a conduta médica da equipe médica do Hospital BC foi adequada” (fls. 370). Conforme entendimento jurisprudencial, a obrigação contraída pelos médicos não é de resultado, mas de meio, ou de prudência e diligência, de sorte que ao mesmo só se pode atribuir responsabilidade se demonstrada a existência de culpa e de nexo de causalidade entre o fato imputado e o alegado dano. Nesse sentido: “A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, constituindo espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em medicina em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas regulamentares.” (RT 558/178) Esse também o ensinamento da doutrina. É de MARIA HELENA DINIZ (Tratado Teórico e Prático dos Contratos - vol. 02, ed. Saraiva, pag. 457), a lição de que “não haverá presunção de culpa para haver condenação do médico; o cliente é que deverá provar a inexecução culposa da obrigação pelo profissional, demonstrando que o dano resultou de imperícia, negligência ou imprudência do médico (RT 407/174, 357/196)”.

Lado outro, quanto a conduta atribuída à ré U, não restou evidenciado nos autos que houve demora demasiada em providenciar a ambulância para a remoção do paciente de um hospital a outro e que essa demora retirou as chances de procedimento curativo oportuno. Negligência que deveria ter sido comprovada a fim de embasar a pretensão indenizatória. Ademais, é necessário se buscar o nexo de causalidade entre a conduta omissiva imputada a ré U em não providenciar o imediato transporte do paciente e o resultado morte, isso porque, da omissão não se pode extrair o efeito finalístico, já que a omissão deve guardar um nexo com a imputação, mesmo porque seria humanamente impossível suscitar virtual nexo causal de qualquer tipo de inação médica com o resultado, se não estiver provado que a ausência dos cuidados objetivos em relação aos procedimentos tecnicamente exigidos acaba por contribuir sobremaneira, se não determinar o resultado pela existência de procedimento técnico à tempo e à hora capaz de modificar completamente o resultado, evidenciando a perda da chance curativa. Enquanto a ação comissiva é detectável no plano naturalístico, tal não ocorre quando a conduta é de omissão, caracterizada pelo não agir ou, no caso da alegação constante da petição inicial, não agir imediatamente. Assim, impróprio, nestas hipóteses, buscar se há entre o resultado e a omissão nexo de causalidade, mas, sim, se há nexo entre a omissão e a imputação que envolveria a perda da chance ao correto procedimento a ser adotado.

Sob esse aspecto, elucidativo é o laudo pericial, ainda que realizado de forma indireta, pois o perito não deixa dúvidas ao imputar ao primeiro hospital responsável pelo atendimento do paciente “COMPLEXO HOSPITALAR PB” conduta inadequada nos procedimentos básicos de emergência ao atender o “de cujus” (fls. 370), nestes termos “...não houve adequada avaliação da gravidade do caso do Sr. ABA; não houve avaliação dos riscos envolvidos em sua transferência; não houve a necessária aceitação do Hospital de destino para o recebimento do Sr. ABA; a morte do Sr. ABA deveu-se ao sangramento interno somado à demora na realização da cirurgia que poderia ter salvo sua vida...”. Assim, da análise do laudo, verifica-se que não foi a eventual demora na transferência do paciente que causou ou contribuiu para reduzir as chances de recuperação do paciente, mas sim a avaliação do quadro emergencial feito no “COMPLEXO HOSPITALAR PB”, bem como dos riscos que envolviam a remoção.

Não provada, portanto, a culpa dos réus ou de seus prepostos, nem o nexo de causalidade, não nos resta outra solução, no caso, senão negar acolhimento à pretensão da autora.

Do exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, condenando o autor no pagamento das custas e despesas processuais, inclusive honorários advocatícios, que arbitro em R$ 800,00, com fulcro no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Como o requerente é beneficiário da assistência judiciária, a execução da sucumbência fica condicionada à cessação de seu estado de miserabilidade, nos termos do artigo 12 da Lei n. 1060/50. P.R.I.C. Guarulhos, 20 de janeiro de 2012.