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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Conselho de medicina vê irregularidades em consultórios de terapia ortomolecular

No início deste mês, entraram em vigor novas regras do Conselho Federal de Medicina para a especialidade ortomolecular.

A reportagem do Fantástico visitou quatro clínicas para verificar como é a conduta dos profissonais da especialidade que está "na moda".

As promessas de combate ao envelhecimento, de mais disposição física e até de emagrecer atraíram muita gente. “Está na moda. Estou fazendo dieta ortomolecular. Já fiz 80 vezes. Você bota lá e eles dizem que você está com deficiência disso ou daquilo”, diz a cantora Preta Gil.

“Eu já utilizei a medicina ortomolecular, inclusive quando isso virou uma febre. Até hoje eu tomo vitamina C, tomo ferro”, comenta a cantora Ivete Sangalo.

'Sintomas'

Nas quatro clínicas visitadas, a produtora do Fantástico contou histórias parecidas: desânimo, queda de cabelo, problemas de memória, noites mal dormidas, depressão. Para sintomas iguais, houve diagnósticos diferentes.

“Isso pode ser ou deficiência de vitamina C ou de taurina, que é um aminoácido que está presente na carne”, disse um profissional. “Isso daí é deficiência de iodo”, atestou outro.

“Provável processo degenerativo crônico em andamento”, comentou um médico. “Isto indica uma leve sobrecargazinha nos rins e no fígado”, disse uma terapeuta.

Sangue

Para chegar a essas conclusões, um mesmo exame: o da gota de sangue. O teste não tem comprovação científica e é vetado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). “Isso aqui é um cristal de colesterol com uma cândida em cima”, aponta um terapeuta.

O Fantástico mostrou as imagens para um especialista em doenças do sangue. “Ele pode chamar aquilo do que ele quiser, mas não corresponde a uma infestação por cândida. Isso não é visualizado dessa maneira através de um exame como esse, muito menos em cima de um cristal de colesterol. As pessoas que têm cândida circulante no sangue estão gravemente doentes”, explica o hematologista Daniel Tabak.

“Está vendo que tem umas bolinhas aqui dentro das hemácias? Chama micoplasma. É um fungo bem comum de aparecer. Ele aumenta muito a vontade de comer doce”, diz a terapeuta.

O hematologista rebate: “Micoplasma, na verdade, não é um fungo, é uma bactéria. E ela não pode ser visualizada dessa maneira. Sem dúvida nenhuma, não existe nenhuma associação entre o aparecimento de micoplasma e o desejo de comer doce."

Radicais livres

Em outro consultório, surge uma expressão comum no mundo ortomolecular: radicais livres. “Radical livre são esses buracos brancos”, diz a terapeuta, formada em Administração de Empresas.

O Fantástico mostrou as imagens para o cardiologista Francisco Laurindo, que estuda radicais livres no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo.

“Posso dizer que os pontos brancos muito provavelmente correspondem a reflexos. A luz reflete na superfície da célula, e aquilo tem uma certa luminosidade, como se fosse um espelho, e ele reflete e promove esses reflexos brancos”, explica o cardiologista.

Radicais livres são partes invisíveis de moléculas. Eles são produzidos na respiração e circulam naturalmente pelo corpo. São muito instáveis. Precisam reagir com alguma coisa.

"[Ao reagir] causam danos às células, desencadeando doenças, causando o próprio envelhecimento e a morte das células”, explica o professor de bioquímica da USP e da Unifesp, Etelvino Bechara.

Origem

Estima-se que existam, no Brasil, seis mil médicos adeptos da medicina ortomolecular ou biomolecular, como ela também é conhecida. Essa medicina, que tem como foco o combate aos radicais livres, foi criada por um químico.

“Ortomolecular foi fundada por um grande pesquisador, duas vezes prêmio Nobel, doutor Linus Pauling”, conta José de Felippe Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Biomolecular.

O surgimento dessa especialidade ocorreu nos anos 1960. A medicina ortomolecular só chegaria com força ao Brasil quase duas décadas depois, defendendo que um organismo saudável é um organismo quimicamente equilibrado e que esse equilíbrio poderia ser atingido usando-se altas doses de vitaminas.

As vitaminas, também chamadas de antioxidantes, atacam os radicais livres e, portanto, poderiam retardar o envelhecimento.

“Existe muita controvérsia sobre o fato de se a ingestão de doses altas desses antioxidantes vai, de fato, prevenir uma doença e ajudar você a controlar seu envelhecimento ou seu estado de saúde”, afirma Etelvino Bechara.

Novas regras

O Conselho Federal de Medicina reconhece a medicina ortomolecular, mas faz ressalvas.

“É uma prática que tem uma ação terapêutica muito eficaz e com valor cientifico em determinadas circunstâncias em parâmetros estabelecidos, mas não dentro dessa busca de envelhecimento, de antienvelhecimento, como hoje é proposto de maneira muito ampla dentro da sociedade brasileira”, afirma Carlos Vital Correa Lima, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.

No início deste mês, entraram em vigor novas regras do Conselho Federal de Medicina para a medicina ortomolecular. Além de proibir o exame da gota de sangue, elas limitam o uso de um outro teste típico dessa modalidade: o exame do fio de cabelo.

“A gente pega um pouquinho de fio de cabelo e manda para os Estados Unidos. Eles mostram todos os minerais que estão deficientes, todos”, disse uma terapeuta.

O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina diz que esse exame não é válido. “O exame do fio capilar e o exame do dedo, da gota, não devem ser feitos. Não têm valor científico”, afirma

Legumes, frutas e verduras

A nova resolução do Conselho Federal de Medicina também determina: altas doses de vitaminas e minerais, só se o paciente tiver falta dessas substâncias no organismo. Fora isso, basta se alimentar direito.

“Essa é a mensagem que, na verdade, tem sido transmitida pela comunidade médica e pela comunidade de químicos e bioquímicos que trabalham com radicais livres: consumam legumes, frutas e verduras”, diz o professor Etelvino Bechara.

Anestésico e soro

A produtora do Fantástico não saiu dos consultórios só com receitas de vitaminas e minerais. Recebeu também a indicação de procaína, um anestésico.

“Se você quiser a procaína, que no seu caso é indicado, isso é bem rápido, porque a proteína é bem antioxidante”, diz a terapeuta.

O Fantástico procurou o dono do consultório onde uma bióloga indicou a procaína. Ele é dono de cinco clínicas.

"A procaína nós usamos para tudo aquilo que se é permitido. Por exemplo, a procaína inibe uma enzima que provoca aquelas depressões leves. Essa é uma das funções que nós usamos aqui a procainoterapia. E também como antioxidante", diz o médico Eduardo Gomes de Azevedo.

“Aplicação de procaína como uma medicação antioxidante e de rejuvenescimento não está permitida. Não tem valor científico”, rebate o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.

Em uma clínica no Rio, outra indicação: soro com água oxigenada na veia para desentupir veias e artérias. “A gente faz o gotejamento do soro na veia. O peróxido de hidrogênio vai entrando e vai limpando tudo. Traduzindo, água oxigenada. Aí você pode reparar que, quando acabar a primeira, você olha no espelho e verá que você ficou mais branca”, diz o atendente.

“É para uso externo, não é para uso interno. (...) Isso só na imaginação desse indivíduo”, afirmou o hematologista Daniel Tabak.

Problemas espirituais

Foi nessa mesma que o médico, dono de quatro clínicas em dois estados, atribuiu os sintomas de nossa produtora a problemas espirituais.

"A sua mãe ou a sua avó materna frequentaram espiritismo", perguntou o médico. "O senhor está vendo no meu sangue que eu tive contato com espiritismo ou a minha família?", questiona a produtora.

"Isso eu não descobri em livro, não. Isso é uma descoberta minha", ele respondeu. "Mas o que o espiritismo tem a ver com meu sangue e com o processo degenerativo?", insistiu a jornalista.

"Só dá isso nesses casos. Essas coisas só dão nesse caso. Tem duas cores que você não pode usar: nem marrom nem preto. Você vai dizer: ‘Pô, além de médico, o cara é maluco!’. Mas preto e marrom são a cor do ocultismo", concluiu.

A produtora recebeu uma receita para vários remédios - todos vendidos na própria clínica. O tratamento custava R$ 3,1 mil por mês.

De acordo com o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, a prática é ilegal. “Não pode oferecer, não pode comercializar produtos, medicamentos em seu consultório. Configura-se como prática de farmácia e isso é vedado pelo código de ética e por lei”, afirmou Carlos Vital Correa Lima

A reportagem voltou a procurar o médico Carlos Carvalho. Ele disse que vai mudar a conduta. “Ou eu cumpro o que o conselho manda, ou eu vou perder o meu diploma. Então, eu vou cumprir. Mesmo discordando, eu vou cumprir”, afirmou.

A venda de remédios no consultório também é praticada pela terapeuta de São Paulo. “Não sou médica. Eu sou terapeuta ortomolecular. Estudei cinco anos, sou professora de ortomolecular. O médico de ortomolecular ele só tem CRM. (...) A sua terapia em quatro meses fica em R$ 1,9 mil. Você pode pagar em quatro vezes. Aí eu vou fornecer o que você precisa. Não vende em farmácia”, disse a terapeuta.

Testes em laboratório

O Fantástico levou esses remédios para um laboratório credenciado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para testar se os produtos, de fato, continham aquilo que o rótulo informa.

Alguns produtos tinham uma descrição tão genérica no rótulo que nem foi possível testá-los. Já um complexo de vitaminas foi examinado. Ele continha o que o rótulo dizia: milionésimos de gramas de vitaminas, que é a dose diária recomendada dessas substâncias.

“Se a pessoa se alimenta bem, de acordo, não haveria necessidade. Não há nenhuma evidência que este tipo de prescrição cause benefício terapêutico”, afirma o médico responsável pelo laboratório, Gilberto de Nucci.

Procurada pelo Fantástico, a terapeuta Maria Pieroni disse apenas o seguinte: “Eu estou fazendo uma coisa totalmente legal, não estou fazendo nada ilegal. Não tem por que eu ficar dando entrevista”.

Para José de Felippe Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Biomolecular, a terapia ortomolecular chegou no Brasil "um pouco com o pé quebrado".

"Fizeram propagandas indevidas. Por isso, eu uso biomolecular. Agora, eu respeito a ortomolecular do início, do Linus Pauling, uma molécula certa no lugar certo”, diz Júnior.

“Como em qualquer comunidade, existem indivíduos sérios que têm uma vontade de ajudar o paciente e que acreditam profundamente naquilo que estão fazendo, mesmo no caso da medicina ortomolecular. E há o outro extremo, que são casos praticamente criminais de indivíduos que eventualmente nem médicos são, que estão aplicando procedimentos sem a menor base”, afirma o cardiologista Francisco Laurindo, que estuda radicais livres no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo.

Fonte: www.globo.com