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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Receita do SUS paga até salgadinho terapêutico

Em meio a ações de pacientes que realmente precisam de remédios não disponíveis na rede pública, processos considerados abusivos levam saúde a custear produtos caríssimos, muitos sem eficácia comprovada, e até dieta especial à base de coxinhas e empadinhas.

De um lado, pacientes com doenças muitas vezes gravíssimas, esperançosos de que a última inovação tecnológica da indústria farmacêutica, vendida a peso de ouro, seja uma resposta para o seu sofrimento; de outro, o Sistema Único de Saúde (SUS), obrigado por lei a garantir tratamento a todos os brasileiros, mas atrelado a um orçamento limitado e à necessidade de só financiar medicamentos de fato necessários e eficazes.

Entre esses dois extremos se move uma engrenagem multimilionária, movimentada por médicos que prescrevem fármacos ainda não fornecidos pelo SUS e por escritórios de advocacia que recorrem ao Judiciário para conseguir os medicamentos de última geração.

Em meio a profissionais sérios e a doentes que realmente dependem dessas receitas para continuar respirando se escondem esquemas que usam as decisões judiciais para beneficiar laboratórios e solicitações no mínimo curiosas, como a que vem obrigando os cofres da saúde em Minas Gerais a bancar dietas à base de coxinhas e empadinhas especiais. Ou a ação que pedia a compra de marca de leite vendida a R$ 400, que poderia ser substituída por similar a menos de um quarto do preço.

O fenômeno conhecido como judicialização da saúde se baseia em uma enxurrada de processos que obriga estados, municípios ou o governo federal a custear medicamentos e tratamentos não cobertos pelo SUS e por planos privados. Devido a ele, o Ministério da Saúde gastou, apenas em 2011, nada menos que R$ 266,1 milhões para oferecer os remédios prescritos por médicos e exigidos por advogados. Um crescimento de 10.544% se comparado com a situação de seis anos atrás. A questão é que nem sempre a prescrição atende ao interesse exclusivo do paciente. Muitas vezes há um novo medicamento que nem sequer tem registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas o juiz concede a liminar para seu fornecimento, comenta o consultor jurídico do Ministério da Saúde Jean Keiji Uema.

Em Minas, os cofres da saúde enfrentam o mesmo desafio. E, entre gêneros de primeira necessidade, acabam pagando não só por salgadinhos terapêuticos, mas por outros itens como massa de pão de queijo especial ou medicamentos que na bula são indicados para aborto e, por isso, não estão sequer liberados no país, mas são prescritos por médicos e nutricionistas. Mesmo entendendo que recorrer à Justiça é uma forma de sanar falhas do sistema e um direito do cidadão previsto em lei, autoridades reclamam que, entre os milhares de ações, muitas são abusivas e prejudicam aqueles que realmente necessitam de medicações de alto custo, transformando o SUS em uma espécie de cobaia da indústria farmacêutica e o déficit do setor em uma bomba-relógio prestes a explodir.

No país, já foram descobertas associações entre médicos e advogados para forçar a saúde pública a custear determinados medicamentos. Em território mineiro, dissertação de mestrado apresentada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) levanta questionamentos sobre essas parcerias. A pesquisa em saúde pública feita pelo farmacêutico Orozimbo Henriques Campos mostra que, entre 1999 e 2009, foram movidas 6.112 ações contra o SUS em Minas, sendo que 75% se referiam a pedidos de medicamentos.

Nesse universo, 81% dos advogados que defenderam clientes exigindo medicações eram particulares e 66,7% dos médicos que prescreveram os remédios, originários da rede privada. A maior representividade de médicos do setor privado e advogados particulares demonstra um prejuízo à equidade de acesso à saúde, já que muitos pacientes que acessam o Judiciário e, consequentemente, recebem medicamentos financiados pelos SUS têm melhores condições socioeconômicas, escreveu.

As medicações mais pedidas foram para reumatismo. E, analisando apenas esse tipo de drogas, um único escritório de advocacia de Belo Horizonte foi responsável por 45% das ações e um só médico prescreveu as substâncias para 72 demandas, o que corresponde a 45% dos processos. Os dados, segundo Orozimbo Campos, podem indicar a influência da indústria farmacêutica no comportamento de médicos e advogados. O trabalho não especifica que haja irregularidade nos números, mas, associado a vários outros indicadores, acende o sinal de alerta. Se existe essa avalanche de ações, que em Minas cresceram nos últimos 10 anos 56.000%, é porque tem alguém prescrevendo e não descarto que possa haver aí uma máquina de dinheiro, afirma a assessora chefe da Assessoria Técnica em Judicialização da Secretaria de Estado da Saúde (SES), Vânia Rabelo.

A dissertação da UFMG mostrou também que no Brasil, entre 2000 e 2004, 109 medicamentos foram registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sendo que 40% deles não traziam nenhuma inovação em relação àqueles que já estavam no mercado. Nos Estados Unidos, entre 1998 e 2002 foram aprovados 415 novos fármacos. Desses, 133 (32%) foram classificados como entidades moleculares inovadoras, mas, nesse universo, apenas 58 representavam realmente uma melhora significativa se comparada com os demais remédios, de acordo com a avaliação da Food and Drug Administration (FDA), o órgão governamental responsável pelo controle dos alimentos, suplementos alimentares e medicamentos.

O presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes Ferreira, diz saber da existência de possíveis desvios profissionais nos pedidos judiciais de medicamentos. Em relação à ação de um médico e de um único escritório de advocacia na maioria dos pedidos de um mesmo fármaco, ele observa: São dados no mínimo curiosos, a menos que esse profissional, responsável por grande parte das ações em Minas, seja um hiperespecialista da área, diz. Para ele, quando alguém usa de má-fé na área não pode ser chamado de médico. Condenamos tudo aquilo que não seja em benefício do paciente, frisa.

O outro lado da bula

O funcionário público estadual Antônio Alves da Silva conhece bem a dor de ver a caminhada pela sobrevivência travada pela burocracia, desenvolvida pela saúde entre outras razões para tentar se proteger de abusos. Em 2010, quando descobriu que seu filho Anthony Cristhian, hoje com 33 anos, tinha um tumor glioblastoma multiforme no cérebro, Antônio disse que sofreu dois golpes: a descoberta da doença e o preço do medicamento. O remédio custava R$ 8 mil a caixa, sendo necessárias cinco por mês. Foi quando começou sua luta. Como a substância não estava disponível na lista de medicamentos especiais do SUS, Antônio entrou na Justiça contra a Secretaria de Estado de Saúde e conseguiu, a duras penas, que a medicação fosse fornecida. Mas, depois de cinco meses, decisão de um desembargador cortou o remédio, considerando que não era necessário. Foi terrível, porque é uma medicação que salva a vida do meu filho. Agora conseguimos, mas sei de muitas pessoas que estão na mesma situação e não conseguem, conta, dizendo que em nome dessa batalha criou a Associação dos Amigos e Usuários de Medicamento Excepcional. Mas Antônio reconhece que há muitos abusos nesses processos e diz, que, inclusive, foi procurado por muitos advogados. Profissionais da advocacia me procuravam e cobravam preços altos, em torno de R$ 5 mil. Qualquer irregularidade tem que ser denunciada e investigada. Quem precisa do remédio tem pressa e quer fazer valer seus direitos. (UAI)

Fonte: Jus Brasil