A C Ó R D Ã O (obs.: pendente julgamento de embargos)
(SDI-2)
BL/gbs
RECURSO ORDINÁRIO - AÇÃO RESCISÓRIA - DISPENSA POR JUSTA CAUSA - PROVA FALSA - NÃO CONFIGURAÇÃO. I - Ensina Sérgio Rizzi que três são os requisitos para a sua configuração: a arguição deve ter por objeto um dos meios de prova no qual há desconformidade entre o ocorrido e o que foi provado; a demonstração da falsidade deve ser feita mediante sentença criminal ou civil transitada em julgado ou no próprio processo da ação rescisória e, por fim, que o fato demonstrado pela prova falsa haja sido causa da conclusão da decisão rescindenda. II - Nesse passo, infere-se das razões recursais que a irresignação ali veiculada ficou circunscrita à suposta falsidade dos depoimentos prestados no processo administrativo disciplinar, instaurado para apurar falta grave praticada pelo recorrente, materializada na cobrança de honorários médicos em procedimento cirúrgico realizado pelo SUS. III - Reportando-se à decisão rescindenda, percebe-se que o Regional, ao considerar caracterizada a justa causa, não o fez com fundamento nas declarações por ele inquinadas de falsas, mas amparado no contexto fático-probatório da reclamação trabalhista, sendo intuitivo ter-se louvado no princípio da persuasão racional do art. 131 do CPC. IV - A alegação de que a decisão rescindenda contraria a prova dos autos, quanto à comprovação do suposto falso testemunho prestado no processo administrativo disciplinar, é emblemática do intuito de reparar eventual erro de julgamento, mediante o reexame do conjunto fático-probatório da reclamatória, sabidamente refratário à ação rescisória, na esteira da Súmula nº 410 desta Corte, segundo a qual -A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda-. V - Desse modo, ausente o terceiro requisito para a configuração da prova falsa, consistente em ser ela a causa da conclusão da decisão rescindenda, resulta inviável a desconstituição do julgado com base no inciso VI do art. 485 do CPC. ERRO DE FATO - INOCORRÊNCIA. I - É sabido ser imprescindível para a configuração de erro de fato a constatação de ele ter sido a causa determinante da decisão, que admitira um fato que inexistiu ou considerara inexistente um fato que se verificou, e que sobre ele não tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial. II - Da decisão rescindenda, é fácil inferir que houve controvérsia e pronunciamento judicial sobre os depoimentos prestados no processo administrativo disciplinar e na reclamação trabalhista, tendo o Tribunal local concluído que o recorrente efetivamente -agiu de má-fé para obter vantagem ilícita, atraindo a hipótese de improbidade a que se refere a alínea -a- do art. 482 da CLT-. III - A circunstância de ter havido uma possível má-interpretação dos elementos dos autos ou erronia na conclusão adotada sugere, no máximo, a ocorrência de erro de julgamento e não de erro de fato, na esteira da Orientação Jurisprudencial nº 136 da SBDI-2. IV - Recurso a que se nega provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-102400-47.2009.5.04.0000, em que é Recorrente ILÍDIO JOSÉ THEISEN e Recorrido HOSPITAL CRISTO REDENTOR S.A.
Trata-se de ação rescisória ajuizada com fundamento nos incisos V, VI e IX do art. 485 do CPC, objetivando desconstituir o acórdão proferido no Processo nº RO-913/2004-013-04-00-2, o qual confirmou a falta grave praticada pelo reclamante, nos termos do art. 482, -a-, da CLT, ensejadora da sua dispensa por justa causa.
Julgado improcedente o pedido, o autor interpõe recurso ordinário, no qual renova apenas as causas de rescindibilidade dos incisos VI e IX do art. 485 do CPC.
Insiste o recorrente na alegação de que o Regional se baseou em falsa prova testemunhal para manter a dispensa por justa causa, produzida no processo administrativo disciplinar, instaurado para apurar falta grave, consistente na cobrança de honorários médicos em procedimento cirúrgico realizado pelo SUS.
Afirma que logrou comprovar tanto na reclamação trabalhista quanto na instrução da rescisória que as testemunhas ouvidas no processo administrativo disciplinar, entre elas a denunciante Mara Regina, receberam oferta de vantagem econômica do recorrido para que faltasse com a verdade.
Contrarrazões às fls. 817/879.
Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria Geral do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
Observa-se das razões recursais que a irresignação ali veiculada ficou circunscrita à suposta falsidade dos depoimentos prestados no processo administrativo disciplinar, instaurado para apurar falta grave praticada pelo recorrente, materializada na cobrança de honorários médicos em procedimento cirúrgico realizado pelo SUS.
Pois bem, no tocante à prova falsa do inciso VI do art. 485 do CPC, ensina Sérgio Rizzi que três são os requisitos para a sua configuração: a arguição deve ter por objeto um dos meios de prova no qual há desconformidade entre o ocorrido e o que foi provado; a demonstração da falsidade deve ser feita mediante sentença criminal ou civil transitada em julgado ou no próprio processo da ação rescisória e, por fim, que o fato demonstrado pela prova falsa haja sido causa da conclusão da decisão rescindenda.
Nesse passo, constata-se da decisão rescindenda que o Colegiado de origem manteve a improcedência do pedido de nulidade da dispensa por justa causa aos seguintes fundamentos, in verbis:
O conjunto probatório dos autos, em especial a prova testemunhal (v. fls. 891, 892, 901/904), revela claramente que a Sra. Mara Regina Nunes Honório submeteu-se a uma cirurgia no Hospital S.A., onde foi atendida pelo reclamante, que era médico empregado desse hospital público, o qual cobrou por seus serviços, apesar da internação e procedimentos hospitalares terem sido feitos pelo Sistema Único de Saúde - SUS.
Os depoimentos da testemunha Marcolina Lopes dos Santos Bornancini e da paciente Mara Regina Nunes Honório confirmam que esta, apesar de ter-se submetido a uma cirurgia no Hospital Cristo Redentor, notoriamente entidade que presta serviços públicos de saúde, pagou ao reclamante por tais serviços. Mara Regina informou que todo o tratamento que antecedeu e sucedeu a cirurgia foi pago ao autor, resultando num total de R$ 1.250,00 (v. fl. 891). No Processo Administrativo processado pelo reclamado, constata-se que a paciente Mara havia admitido a cobrança de R$ 1.250,00, por parte do reclamante, durante a consulta a fim de realizar a cirurgia, valor que foi angariado em Araranguá por meio de rifas (v. fl. 606).
Tais fatos foram confirmados pela testemunha Marcolina, acrescentando que o valor cobrado da paciente Mara, a fim de pagar o reclamante pela cirurgia, foi arrecadado por meio de uma rifa de um videocassete (v. fl. 903).
O reclamante admite efetivamente ter recebido valores da paciente Mara (v. depoimento da fl. 901), ao passo que os documentos das fls. 498 revelam que foi depositado na conta do reclamante o valor de R$ 1.250,00 no dia 06.04.1999, e que a internação para a referida cirurgia deu-se no dia seguinte, 07.04.1999.
Resta evidente o nexo causal entre o depósito bancário e a cirurgia procedida pelo reclamante, o que é inaceitável em face do incontroverso serviço público prestado no Hospital-reclamado e da condição de reclamante de médico que atende pelo Sistema Único de Saúde neste estabelecimento. Tal fato demonstra que o reclamante agiu de má-fé para obter vantagem ilícita, atraindo a hipótese de improbidade a que se refere a alínea -a- do art. 482 da CLT.
Em face desses elementos probatórios não há como se acolher a tese recursal de que não houve a -alegada falta grave-.
Dessa fundamentação, percebe-se que o Regional, ao considerar caracterizada a justa causa, não o fez com fundamento nas declarações por ele inquinadas de falsas, mas amparado no contexto fático-probatório da reclamação trabalhista, sendo intuitivo ter-se louvado no princípio da persuasão racional do art. 131 do CPC.
A alegação de que a decisão rescindenda contraria a prova dos autos, quanto à comprovação do suposto falso testemunho prestado no processo administrativo disciplinar, é emblemática do intuito de reparar eventual erro de julgamento, mediante o reexame do conjunto fático-probatório da reclamatória, sabidamente refratário à ação rescisória, na esteira da Súmula nº 410 desta Corte, segundo a qual -A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda-.
Desse modo, ausente o terceiro requisito para a configuração da prova falsa, consistente em ser ela a causa da conclusão da decisão rescindenda, resulta inviável a desconstituição do julgado com base no inciso VI do art. 485 do CPC.
Tampouco o corte rescisório se viabiliza pela causa de rescindibilidade do inciso IX do art. 485 do CPC, invocada ao argumento de o Regional não ter atentado para o fato de que a alteração do depoimento na esfera judicial decorreu do falso testemunho prestado na esfera administrativa.
Com efeito, é sabido ser imprescindível para a configuração de erro de fato a comprovação de ele ter sido a causa determinante da decisão, que admitira um fato que inexistiu ou considerara inexistente um fato que se verificou, e que sobre ele não tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial.
Da decisão rescindenda, é fácil inferir que houve controvérsia e pronunciamento judicial sobre os depoimentos prestados no processo administrativo disciplinar e na reclamação trabalhista, tendo o Tribunal local concluído que o recorrente efetivamente -agiu de má-fé para obter vantagem ilícita, atraindo a hipótese de improbidade a que se refere a alínea -a- do art. 482 da CLT-.
A circunstância de ter havido uma possível má-interpretação dos elementos dos autos ou erronia na conclusão adotada sugere, no máximo, a ocorrência de erro de julgamento e não de erro de fato, na esteira da Orientação Jurisprudencial nº 136 da SBDI-2, segundo a qual:
A caracterização do erro de fato como causa de rescindibilidade de decisão judicial transitada em julgado supõe a afirmação categórica e indiscutida de um fato, na decisão rescindenda, que não corresponde à realidade dos autos. O fato afirmado pelo julgador, que pode ensejar ação rescisória calcada no inciso IX do art. 485 do CPC, é apenas aquele que se coloca como premissa fática indiscutida de um silogismo argumentativo, não aquele que se apresenta ao final desse mesmo silogismo, como conclusão decorrente das premissas que especificaram as provas oferecidas, para se concluir pela existência do fato. Esta última hipótese é afastada pelo § 2º do art. 485 do CPC, ao exigir que não tenha havido controvérsia sobre o fato e pronunciamento judicial esmiuçando as provas.
Do exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Brasília, 15 de fevereiro de 2011.
Ministro BARROS LEVENHAGEN
Relator
Fonte: TST
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.