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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Brasileiras esperam até um ano na fila para obter óvulos doados

Venda é proibida aqui; grupo tenta facilitar importação de material biológico para reduzir escassez

Casais brasileiros estão viajando ao exterior para fazer fertilização com óvulos comprados de mulheres mais jovens. Em 2011, ao menos 35 foram à Espanha e aos EUA com esse intuito. O Brasil proíbe o comércio de gametas.

O cenário revela uma realidade que aflige o mundo da reprodução: a escassez de óvulos em um momento no qual cada vez mais brasileiras tentam engravidar depois dos 35 anos, quando crescem as chances de infertilidade.

Elas representam hoje 50% do movimento das clínicas de reprodução no país. Dessas, 20% têm mais de 40 anos, faixa etária em que as chances de gravidez com óvulos próprios são inferiores a 5%.

Como solução, um grupo de médicos está tentando fazer com que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afrouxe as regras para importação de gametas (óvulos e espermatozoides). Hoje, só é permitida a importação individual e em casos comprovados de inexistência de doadores brasileiros.

Ao mesmo tempo, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina) discute uma norma para permitir que casais que necessitem de uma ovodoação paguem pelo tratamento de outros casais em troca de parte dos óvulos (doação compartilhada).

Algumas clínicas já adotam essa prática, mas sem amparo legal. Juízes e advogados entendem que isso configura comércio. No Brasil, a doação de gametas também deve ser anônima.

TÉCNICA INVASIVA

Até produzir óvulos suficientes para uma fertilização in vitro a mulher precisa usar hormônios e passar por um procedimento invasivo de retirada dos óvulos dos ovários.

Ou seja, uma doação por altruísmo é bem complicada, diferentemente do caso dos homens, que só precisam se masturbar para doar sêmen.

``Pouquíssimas mulheres se submeteriam ao tratamento hormonal, à punção [dos óvulos] e depois doariam os óvulos para outra paciente usar``, diz Artur Dzik, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.

Nas clínicas, a fila de espera por óvulos doados chega a um ano. ``Não temos óvulos disponíveis. São quase cem pacientes à espera. Algumas desistem``, conta o médico Ricardo Baruffi, do centro de reprodução Franco Júnior.

Na clínica do urologista Edson Borges, pelo menos 50 pacientes estão à espera de óvulos doados. A demora é de seis a oito meses.

Quando os casais têm pressa e dinheiro, uma alternativa é encaminhá-los a centros de reprodução no exterior. ``Tenho mandado para a Espanha. Preparo o útero aqui [hormônios que fazem crescer o endométrio] e elas passam lá uma semana. Mas é um absurdo ter que ir para a Espanha para um tratamento tão simples``, afirma Dzik.

A taxa de gravidez com óvulo doado, segundo ele, chega a 60%. Na Espanha, o tratamento fica em torno de € 10 mil (R$ 25 mil). Nos EUA, o procedimento custa o equivalente a R$ 28 mil.

Nesses países, a venda de óvulos é permitida. A maioria das doadoras na Espanha é de mulheres do Leste Europeu, que ganham mil euros por ciclo de tratamento. Nos EUA, muitas estudantes vendem óvulos a preços que vão de US$ 2.500 a US$ 4.000.

DISCUSSÃO

A ``legalização`` da doação compartilhada de óvulos vem sendo discutida em uma câmara técnica de reprodução assistida no Cremesp.

``Precisamos de amparo jurídico para criar regras muito específicas. A ideia é ajudar mulheres que têm óvulos, mas sem condições financeiras para o tratamento e outras que têm condições, mas não possuem óvulos``, explica o urologista Edson Borges, que integra a câmara técnica.

Já a importação de gametas é vista com ressalvas pelos médicos. ``Acho desproporcional. O ideal é termos um banco de óvulos brasileiro``, diz Eduardo Mota, professor da Unifesp.

`Só falta a decisão judicial para registrar a dupla maternidade`
Com um embrião seu e outro de Thaís, sua parceira, Luciana deu à luz um casal de gêmeos
DE SÃO PAULO

``Quando conheci a Thaís, já falei que sempre quis ser mãe. Depois de três anos juntas, disse: `é hora`. Estava com 36 anos, meu relógio biológico estava correndo``, diz a pediatra Luciana Avelar, 38.

``Queria usar meu próprio óvulo para implantar no meu útero. A Thaís sempre falou que para ela não interessava muito engravidar.``

A musicista Thaís Félix, 25, conta que respeitou essa vontade da parceira de ter um filho geneticamente dela. ``E o doador de sêmen anônimo é importante. Não queremos separação, óbvio, mas, imagine se acontece e temos que dividir a guarda com duas mães e um pai. Ainda nem conseguimos registrar nossos filhos com dupla maternidade, precisamos de decisão judicial para isso``, diz.

``No começo, a maior preocupação era dizer para o médico que eu queria ter um filho para ser criado e registrado por duas mães. Mas não imaginava que seria difícil conseguir óvulos meus. Só quando comecei o tratamento descobri que meus ovários não estavam produzindo quase nada``, lembra Luciana.

A pediatra passou por oito estimulações ovarianas. Na sétima, conseguiu um embrião, mas o médico sugeriu congelar e tentar mais um mês para ver se ela conseguia pelo menos mais um para aumentar a chance. `` Fiz a oitava vez e nada de óvulos.``

Thaís resolveu, então, participar e usar seus óvulos para implantar em Luciana. ``Na primeira tentativa conseguimos um embrião``, conta. Foi implantado no útero de Luciana um embrião de cada uma. ``O médico consultou o Conselho para saber se poderia ser assim e tudo bem. Não esperava engravidar dos dois. Não poderia ter sido mais perfeito: um de cada, um casal.``

Quando a Laura e o Lucca nasceram, Thaís tentou participar da amamentação. ``Tomei remédio e estimulei com bombinha. Mas eles confundiam os bicos: o meu, o da Luciana... não deu certo.``

Luciana esperava preconceito, mas diz que a reação das pessoas é de curiosidade. ``Quando nossos filhos crescerem podemos explicar que tinha um homem bom que deixou sua sementinha para um caso igual ao das mamães, que não podiam engravidar sozinhas.``

Fábrica de bebês
15 Perguntas e respostas sobre reprodução assistida
POR IARA BIDERMAN E JULIANA VINES

1- Quando um casal é considerado infértil e deve procurar ajuda?
Por mês, um casal fértil tem 20% de chance de engravidar, afirma o ginecologista Eduardo Schor, professor da Unifesp. Em um ano, mantendo relações sexuais regulares -duas vezes por semana em dias alternados- e sem contraceptivos, a maioria dos casais férteis de até 35 anos engravida. Se isso não acontecer, é preciso ir ao médico.

Com mais de 35 anos, o prazo para engravidar naturalmente é reduzido para seis meses. Cerca de 15% dos casais são inférteis, de acordo com Edward Carrilho, ginecologista da Clínica Engravida. As causas são 40% femininas, 30% masculinas e 30% do casal. Para as mulheres, alterações de ovulação, como ovário policístico e endometriose, são as principais causas. Para os homens, varicocele (varizes nos testículos) e deficiências na produção ou na qualidade do espermatozoide. A maioria dessas causas não tem sintomas. Para descobrir, só com exames: ultrassonografia, dosagem hormonal e espermograma.

2- Há uma idade limite para fazer um tratamento de fertilidade?
Se a mulher quer engravidar usando os próprios óvulos, sim. ``Não faço fertilização in vitro com óvulo próprio em mulheres com mais de 43 anos``, diz Adelino Amaral Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. ``A chance de sucesso é muito baixa.``

Até os 35, a fertilidade da mulher fica mais ou menos estável. ``Aos 40, ela já perdeu 80% da fertilidade``, diz o ginecologista Paulo Bianchi, da clínica Huntington. Quer dizer que, naturalmente, a chance de ela engravidar é de 5% por mês. Com fertilização in vitro, o número sobe para 15% se a mulher tem 40 e cai a menos de 5% se tem mais de 43.

Se ela aceitar usar óvulos doados, a chance aumenta muito: depende da idade da doadora, que geralmente tem até 35 anos.

Ainda não existe limite de idade para a mulher receber óvulos doados. ``Existe a ideia de fixar o limite em 55 anos. Por enquanto, isso depende da opinião do médico e da saúde da mulher``, diz Silva.

3- Qual a chance de ter gêmeos ou trigêmeos?
Na inseminação artificial, quando a ovulação é estimulada, a chance de gravidez múltipla é de 10%, segundo Edson Borges, especialista em reprodução humana da clínica Fertility. Na fertilização in vitro clássica ou com injeção de espermatozoide, a chance de ter gêmeos é de 20% a 25%, e de ter trigêmeos é de 5%, diz Paulo Bianchi, ginecologista da Huntington Medicina Reprodutiva.

Para se ter uma ideia, naturalmente, uma em 80 gestações resulta em gêmeos (1,25% de chance). O que faz a probabilidade ser muito maior na fertilização é o uso de dois ou mais embriões por tentativa. ``Queremos aumentar as chances de gravidez, mas hoje vemos a gestação múltipla como um problema. O sucesso é ter um bebê sadio``, diz Borges.

Para minimizar as chances de múltiplos, o Conselho Federal de Medicina recomenda introduzir no máximo dois embriões em mulheres com até 35 anos. De 35 a 40, pode-se introduzir três e acima de 40, quatro.

4- É possível saber o sexo do bebê ou se ele tem alguma doença?
O diagnóstico pré-implantacional é um teste nos cromossomos do embrião para identificar anomalias e doenças genéticas.

``Um subproduto do teste é saber o sexo, mas não pode ser a finalidade. O teste serve para ajudar pacientes que têm abortos repetidos, idade avançada ou doença genética familiar conhecida``, diz Artur Dzik, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.

O exame mais moderno, chamado CGH, é feito quando o embrião chega ao quinto dia. ``Nessa fase, podem ser retiradas cinco ou seis células, o que permite a análise de todos os pares de cromossomos``, explica Arnaldo Cambiaghi, do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia.

Segundo Cambiaghi, antes do CGH o diagnóstico genético era feito com embriões de três dias. ``Era menos confiável quanto ao resultado e menos seguro. Nessa fase, você só consegue retirar uma célula, não dá para saber se representa a totalidade do embrião``, diz o médico.

5- O que acontece com os embriões que não são usados?
No Brasil, os embriões produzidos em laboratórios e não usados não podem ser descartados. Devem ser congelados e preservados na clínica por tempo indeterminado ou doados para pesquisa.
Segundo a resolução do Conselho Federal de Medicina, os ``pais`` do embrião devem deixar por escrito o destino que será dado ao material congelado em caso de separação do casal, doenças graves ou morte.

``O princípio é que você pode escolher não usar um embrião porque não quer ter um filho com uma doença, mas você não pode descartar algo que é compatível com a vida. O embrião pode ser descongelado anos depois e ser implantado com sucesso``, diz Arnaldo Cambiaghi, do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia.

6- Como é feito o congelamento de óvulos?
A principal indicação é para preservar a fertilidade de pacientes com câncer. ``Quase 50% ficam estéreis após o tratamento``, diz Emerson Cordts, coordenador do Centro de Reprodução Humana da Faculdade de Medicina do ABC.

A técnica também é procurada por quem deseja adiar a maternidade e garantir a qualidade dos óvulos. A mulher precisa tomar hormônios que induzem a ovulação; os óvulos são ``aspirados`` da vagina e congelados a -196º C em segundos. O processo é chamado de vitrificação. Em mulheres com câncer, são usadas drogas específicas na hora de estimular o ovário, para evitar que os hormônios aumentem a progressão da doença, diz Solange Sanches, oncologista do hospital A.C. Camargo.

7- Como é que funciona um banco de sêmen?
O banco coleta, congela e mantém amostras de sêmen para uso próprio (homens que podem ficar inférteis por tratamentos médicos etc.) e de doadores anônimos (para fertilização in vitro de terceiros). No primeiro caso, paga-se uma taxa de congelamento e tarifas semestrais de manutenção. O sêmen pode ficar congelado por tempo indefinido, diz a médica Vera Beatriz Feher Brand, diretora do Pro-Seed, primeiro banco de sêmen do Brasil.

A doação deve ser anônima e gratuita. Quem doa recebe apenas os resultados dos exames prévios (espermograma e testes para DST). Quem compra as amostras recebe informações básicas do doador, como cor de pele, cabelos e olhos, tipo sanguíneo, altura, peso, profissão e hobby.

8- Quanta vezes posso tentar a fertilização?
Nada impede que a mulher faça o procedimento várias vezes, pulando um mês se houver alterações no organismo, diz o ginecologista Edward Carrilho.

Mas cada tentativa de fertilização exige o uso de hormônios injetáveis aplicados pela própria paciente. ``O tratamento causa um desgaste emocional e físico``, diz o ginecologista Paulo Bianchi.

O ginecologista Newton Busso diz que é normal tentar de seis a nove vezes. Em alguns casos, os médicos percebem que não vai dar certo (principalmente se a mulher tiver mais de 40) e indicam a doação de óvulos. Não há indícios de que o tratamento traga risco para a mulher. ``Foram feitos trabalhos exaustivos e nenhum comprovou um risco maior``, diz Karam Aboou Saab, ginecologista e professor da Universidade Federal do Paraná.

9- Bebê de proveta tem mais risco de ter doenças?
Bebês nascidos por técnicas de reprodução assistida têm até quatro vezes mais riscos de malformações congênitas, afirma o urologista Jorge Hallak, coordenador da Unidade de Toxicologia Reprodutiva e Andrologia do HC de São Paulo. A taxa aparece na maior pesquisa da área, feita na França com mais de 15 mil crianças geradas por fertilização in vitro e inseminação artificial.

Parte dos especialistas diz que o risco está associado ao maior número de gestações duplas ou tríplices.

Segundo o ginecologista Emerson Cordts, da Faculdade de Medicina do ABC e do Hospital São Luís, embora o risco não seja contraindicação à técnica, é dever do médico informar os pacientes sobre ele.

10- Quais são os efeitos colaterais dA inseminação?
Em quase todos os tratamentos a mulher toma hormônios para estimular a ovulação. Varia a dose: na inseminação artificial ela é até um terço menor do que na fertilização in vitro clássica.

Esses hormônios agem no ovário e podem provocar uma `super TPM`: ``O inchaço e a sensação de desconforto pré-menstrual são intensificados``, diz o ginecologista Edward Carrilho.

As altas doses de medicação também podem causar hiperestímulo ovariano em cerca de 2% das mulheres. ``Além de inchaço, o tratamento pode causar formação de cistos e levar a derrames no abdome e no pulmão e à coagulação de sangue nas artérias. É uma situação grave``, diz o especialista em reprodução humana Karam Abou Saab. As mulheres mais propensas a ter hiperestímulo são as que têm ovários policísticos.

11- Toda mulher pode fazer tratamento para engravidar?
Os procedimentos são contraindicados para quem não pode tomar hormônio, como pessoas com doenças do fígado ou que já tiveram algum tipo de câncer hormonodependente (tumor na mama, por exemplo).

Além disso, o tratamento não deve ser feito, é óbvio, em casos nos quais a gestação é contraindicada: portadoras de doença cardíaca grave, hipertensão grave, tromboses recorrentes ou diabetes, segundo o ginecologista Newton Busso, diretor do Projeto ALFA (Aliança de Laboratórios de Fertilização Assistida).

12- SUS ou plano de Saúde cobrem esses procedimentos?
A fertilização in vitro não faz parte da tabela do SUS. Há um pequeno número de hospitais estaduais que oferecem o tratamento gratuitamente, diz o urologista Rodrigo Pagani, do Centro de Reprodução Humana do HC de São Paulo, que tem atendimento gratuito. No Estado, além do HC, a fertilização in vitro grátis é oferecida no Hospital Pérola Byington. Nos dois locais, a fila de espera é grande.

Planos de saúde não cobrem o tratamento, mas já há pelo menos um caso de paciente que conseguiu ser pago pelo convênio médico por meio de decisão judicial. ``Há uma lei sobre o direito ao planejamento familiar que inclui só vasectomia e laqueadura. Pacientes entram na Justiça com o argumento de que poder ter filho também faz parte desse direito``, diz Pagani.

13- O médico pode doar seu sêmen para a fertilização?
Nas normas éticas sobre reprodução assistida, o Conselho Federal de Medicina proíbe que médicos ou membros das equipes das clínicas doem material biológico para a fertilização in vitro. ``Fazer isso é falta gravíssima``, diz José Hiran Gallo, coordenador da Comissão Nacional de Reprodução Assistida. Os envolvidos são processados e podem ser impedidos de exercer a profissão.

Infelizmente, não há nenhum teste que possa ser feito antes da fertilização que garanta a origem do material. ``Para comprovar que foi usado sêmen de outro doador que não o escolhido, só fazendo um teste de DNA depois que o bebê nascer``, diz Rodrigo Pagani, do Centro de Reprodução Humana do HC de São Paulo.

14- Qual a herança deixada por Abdelmassih?
Roger Abdelmassih, que foi o mais famoso especialista em fertilização do país, está foragido desde janeiro de 2011, após ser condenado a 278 anos de prisão pelo estupro de 39 pacientes em sua clínica, em São Paulo. Há suspeitas de que ele usava sêmen ou embriões de outros que não os pais biológicos. O escândalo ``maculou a imagem da especialidade``, disse José Hiran Gallo, coordenador da Comissão Nacional de Reprodução Assistida. Mas não diminuiu a procura por tratamentos: há mais de 200 serviços de reprodução assistida no país, segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.

Parte do espólio do ex-médico foi parar em uma clínica que fica na mesma avenida na zona sul de São Paulo onde funcionava a de Abdelmassih. Seus filhos trabalham para a Embryo Fetus, que herdou equipamentos e material laboratorial da antiga clínica de Abdelmassih.

15- E as discussões sobre valores morais envolvidos?
A última resolução do Conselho Federal de Medicina a estabelecer normas éticas para a reprodução assistida é de 2010. Foram definidos o número de embriões a serem implantados, a anonimidade da doação e seu caráter não comercial e as regras para uso de útero de outra pessoa, de congelamento de material e de reprodução assistida pós-morte.

Segundo José Hiran Gallo, da Comissão Nacional de Reprodução Assistida, as próximas questões a serem analisadas pela comissão são a definição de um limite de idade para fazer a fertilização in vitro e o que fazer com os embriões congelados. ``A lei proíbe o descarte, mas daqui a pouco teremos um problema de espaço para estocá-los``, diz Gallo.

`Escolhi o pai do meu filho em uma lista`
DE SÃO PAULO

``Namorei bastante, mas não casei, assim, de morar junto. A ideia de ter filho sempre foi uma coisa mais distante. Hoje sei a razão: tive síndrome do pânico com 20 e poucos anos e não conseguia me imaginar cuidando de uma criança. Não tinha condição. Aí eu me tratei, fiz análise e fiquei bem.

Com 41 anos, em uma consulta de rotina, fui diagnosticada com endometriose. O médico perguntou: `Você pretende ter filho ainda?`. Na hora, eu falei: `Não sei...`. Mas aquilo ficou na minha cabeça: `Ter filho, ter filho...`.

Falei para o meu terapeuta que queria adotar. Ele perguntou por que eu não tentava engravidar. `Como assim?` Estava com 42 anos e achava que não dava mais. Procurei um médico e ele disse que dava para fazer. Decidi tentar.

Lembrei de um amigo meu, gay, que vivia me dizendo que queria ter filho comigo. Fui falar com ele toda bem resolvida e ele reagiu muito mal, não quis. Foi horrível. Não perguntei para mais ninguém. Comprei o sêmen num laboratório e pronto.

Minha família me apoiou, não se importaram de a criança não ter pai, mas se preocuparam com a minha idade.

Peguei uma lista de doadores de sêmen. Tinha negro, oriental, branco e mulato. E uma lista com características: peso, altura, cor de pele, cor de cabelo, cor do olho, religião, hobby. Como tenho olho claro, escolhi um que tinha olho claro também e que fosse alto, não fosse gordo.

Na primeira tentativa não deu certo. Saiu o resultado, foi horrível. Na segunda também não funcionou. Mas na terceira deu certo. Fiz a fertilização em setembro de 2010. O Rafael nasceu em junho de 2011, eu estava com 46 anos. Foi uma gravidez fantástica.

O sêmen que deu certo tem alguma coisa com música, ele é arranjador, acho. Achei isso legal. Não sei se pode influenciar os hobbies do meu filho, mas o Rafael tem uma coisa com música muito forte. Eu brinco que puxou o pai.

Falo para as pessoas que ele é produção independente. Não tenho medo de criar o Rafael sozinha. Foi a melhor coisa que fiz, seria uma roubada [ter filho com alguém conhecido]. Minha família é unida, me sinto amparada.

Não vai ter problema ele não ter pai. Nas festinhas que eu vou com ele, os pais não vão, só as mães. Claro que o pai faz falta, mas acho que não é indispensável.``

Lilian DE FREITAS GOUVÊA, 47, designer


`Paramos de dar notícia ruim para a família`
JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Arthur foi esperado por cinco anos. A saga, que consumiu R$ 120 mil, começou em 2003, um ano depois do casamento, quando Ana Paula Ribeiro, 36, descobriu que tinha endometriose: ``As trompas não estavam bem, havia muitos cistos nos ovários``, conta.

A descoberta de que não poderia ter filhos naturalmente acelerou a decisão de tê-los. Desde então, foram oito fertilizações in vitro.

``O primeiro negativo é o mais sofrido``, relembra Ana. ``Saí da clínica me achando grávida. Tinha 29 anos, via o procedimento com fantasia``.

Depois da terceira tentativa, pararam de contar para a família: ``Todo mundo sabia que a gente estava tentando, mas paramos de ficar passando relatório. É chato vir com notícia ruim a cada dois meses``, explica José Carlos, 42.

Nesse período Ana começou a pesquisar o assunto por conta própria, em livros e redes sociais: ``O médico ficava louco comigo. Eu lia sobre uma técnica e ia perguntar, ver se podia tentar``, diz Ana.

Os fóruns também serviam como companhia, o que era motivo de riso para o marido: ``Ela estava na segunda tentativa e tinha uma tal Dona Odete que estava na oitava. Aquilo para a gente soava surreal. Eu dizia para ela: `Bem, você vai virar a Dona Odete```, brinca José Carlos.

Dinheiro não chegava a ser um problema, mas o custo do tratamento incomodava Ana: ``Sentia que não era justo porque a maior parte do dinheiro vinha dele e o problema era comigo. Ficava sensível com tanto hormônio``.

Ela passou a comparar o preço de tudo com o da caixa de um remédio usado no tratamento. Planos de ter um negócio foram adiados, era difícil mensurar o investimento em caixas de drogas.

Ana fez duas operações e perdeu as trompas por conta da endometriose, ganhou dez quilos pelo uso de hormônios, teve trombofilia (distúrbio que afeta a irrigação da placenta) e um aborto espontâneo. Passou por duas clínicas de fertilização.

Quando Arthur finalmente veio, a tensão só foi embora no quinto mês de gestação. Ele nasceu no sétimo: ``Tive muito medo de perdê-lo e ter que começar o tratamento inteiro de novo. Parei de trabalhar logo, não queria arriscar. Digo que o barato da minha gravidez durou dois meses, mas fez valer os outros cinco anos de tentativa``, diz.

Análise
Sobram dúvidas éticas sobre o mercado da vida
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Com 34 anos e ``mãe`` de mais de 4 milhões de bebês pelo mundo, a fertilização in vitro ainda é alvo de polêmicas médicas, éticas e jurídicas. A começar pela sua indicação indiscriminada.

A técnica foi criada para casos complexos de infertilidade. Antes dela, deveriam ser investigadas as causas da dificuldade de gravidez e, quando possível, se tentar métodos simples, como relações sexuais programadas.

No entanto, a FIV e suas variações são as mais usadas nas clínicas de reprodução.

O acesso ao tratamento pela população, porém, é limitado no país. São feitos aqui em torno de 50 ciclos para cada milhão de habitantes. Em países da Europa, a média é de 1.250 ciclos por milhão.

A técnica também envolve riscos, como a síndrome da hiperestimulação ovariana e a perfuração de órgão na retirada dos óvulos, que nem sempre são informados.

O grande filão -e o principal desafio-das clínicas são mulheres que decidem engravidar depois dos 35 anos.

Mulheres jovens que não têm planos de gravidez têm sido estimuladas a congelar seus óvulos para o futuro, quando a fertilidade decair.

Acontece que não é possível garantir a gravidez. Não se sabe se depois de anos congelado o óvulo manterá a qualidade original. Seria ético vender esse serviço?

Às mães tardias, com riscos de gerar bebês com malformações, é sugerida a biopsia dos embriões antes da transferência para o útero. Mas faltam evidências de que a relação custo e benefício seja compensatória à paciente.

Na área da bioética, os dilemas persistem. É ético uma mulher usar óvulos de outra mais jovem para engravidar aos 70 anos? Ou uma mulher engravidar com esperma congelado do marido morto?

No vácuo de uma legislação brasileira que regule a área, prevalece nas clínicas o provérbio português ``cada cabeça, cada sentença``.

Ainda que haja o perigo de retrocesso e manipulações deixar a cargo dos legisladores a decisão de criar normas, é imperativo que o Brasil discuta o tema, como já o fizeram a Europa e os EUA. Do contrário, o mercado continuará ditando as regras do jogo da vida.

Fonte: Folha de S.Paulo / Cláudia Collucci