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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Sentença - Condenação cirurgião-dentista

SENTENÇA
Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais, proposta por JULIA ALVES XAVIER, em face de GLÁUCIA RAMOS DE LIMA, ambas devidamente qualificadas e representadas.

Na exordial, a requerente alega que ?iniciou um tratamento ortodôntico com a requerida, extraindo alguns dentes?. Que ?após esse tratamento, (?) começou a sentir muitas dores na região (...)?. Aduz que ?(?) procurou algumas vezes a Drª. para esclarecer o que poderia estar acontecendo, e a resposta sempre a mesma: está tudo bem é assim mesmo?.

Afirma ainda que ?(?) procurou outro profissional para esclarecer algumas dúvidas, foi quando providenciou uma radiografia panorâmica e descobriu que tinha uma fratura devido a retirada de um dos dentes e que a requerente tinha que passar por uma cirurgia urgente (...)?.

Desse modo, alega ainda que ?procurou a profissional para que ela pudesse contribuir com a cirurgia na solução de um possível acordo, no entanto a resposta foi NÃO (...)?. Que ?conseguiu fazer a cirurgia (?), estava com infecção gravíssima nos ossos e deu origem, de cunho estético?.

Assim sendo, pleiteia para que ?seja julgada procedente a ação, condenando o requerido no pagamento de indenização do valor de R$ 50.000,00?.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 06-13.

Foi deferido os benefícios da assistência judiciária gratuita, no pertinente às custas processuais (fl. 15).

A parte ré foi citada à fl. 16.

Apresentada contestação, a parte ré sustentou que ?(?) a autora jamais teria feito tratamento ortodôntico com a requerida (?), eis que a mesma não atua nessa área (?).

Que ?(?) a conduta imputada à requerida não traz consigo a prova de que a mesma tenha agido pelo menos com culpa, ou ainda, a prova cabal (?) de que deixou de zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho de seu trabalho (...)? Que ?não há prova sequer de que a autora tenha realizados tratamento odontológico com a requerida, eis que, estranhadamente, a requerida não localizou nenhum prontuário e/ou ficha de paciente em nome da mesma?.

Desse modo, a parte ré refutou as alegações trazidas pela parte autora, e, conseguinte, pugnou pela improcedência dos pedidos contantes na inicial.

Réplica apresentada em fls. 31-34.

Em audiência de conciliação realizada, foi determinado por este Juízo a realização de prova pericial (fl. 46).

Laudo pericial apresentado às fls. 141-161.

Em audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas três testemunhas arroladas pela parte autora e, uma testemunha arrolada pela parte ré.

Ato contínuo, as partes ofereceram razões finais na forma de memoriais escritos, parte autora às fls. 220-23 e parte ré. 225-34.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório. Decido e fundamento.

De plano, tenho que a parte autora desincumbiu-se do ônus da prova (art. 373, I, do CPC) atinente à realização de extração de dentes pela parte ré, noticiando as testemunhas Sra. Luíza Maria, que conduziu a autora até o consultório da ré, e a Sra. Eva da Costa Pereira, que acompanhou a parte autora no caminho ao consultório, bem como pela própria manifestação da ré, à fl. 124, pela qual fez a ?[j]untada de prontuário odontológico contendo os procedimentos realizados pela Cirurgiã-Dentista? e pelo próprio prontuário colacionado (fl. 125), no qual consta o nome da autora e a referência ao procedimento de extração dentária, pela abreviatura ?exo?, que presume-se decorra da palavra ?exodentia?, relativa ao procedimento de extração de dentes.

Fixada tal premissa, registro que a relação submete-se à disciplina do CDC, prestando a parte ré serviços odontológicos no mercado de consumo.

Outrossim, desincumbiu-se a parte autora do encargo probatório (art. 373, I, do CPC) quanto ao nexo causal entre a extração levada a efeito pela ré e a fratura da mandíbula sofrida pela autora, constando do prontuário médico, à fl. 88, que a fratura decorreu da extração, conclusão corroborada pelo laudo pericial de fls. 142-61, que revela que pacientes que já se submeteram à radioterapia para tratamento de câncer na boca, como a autora, apresentam maior risco de sequelas decorrentes de extração dentes. Ademais, como bem destacado pela Sra. Perita, não há no prontuário odontológico apresentado pela requerida qualquer relato de trauma na mandíbula da paciente, a autorizar a conclusão quanto à sua prévia inexistência, tampouco existindo relato de trauma posterior às extrações, no prontuário médico de fls. 83-97.

Noutro giro, desonerou-se a parte autora do ônus da prova (art. 373, I, do CPC) quanto ao comprometimento da sua integridade física e aos danos estéticos, cumprindo-se reproduzir a conclusão da Sra. Perita, no pertinente:

?A fratura mandibular produziu outros efeitos lesivos no corpo da requerente, com evolução para osteomielite, presença de fístula persistente, posteriormente necessidade de retirada do material de síntese, e diagnóstico posterior de osteorradionecrose associada a osteomielite. A sequela existente é definitiva. A requerente teve prejuízo funcional parcial da mandíbula. Há também o prejuízo estético. Não é o caso que possa ter reversão, uma vez que as condições pregressas de saúde geral da requerente não permitiram a permanência de material de síntese, quando da cirurgia para reconstrução da fratura mandibular (fls 116,117 e 118). A fístula permanece até a data do exame pericial?.

Noutro giro, no que se refere à suposta imperícia e/ou negligência da parte ré, pressuposto da responsabilidade subjeita do profissional liberal, na forma do art. 14, § 4 , do o CDC, informou a Sra. Perita, em depoimento, que, considerando o histórico clínico da autora e a doença (câncer) preexistente, cujo tratamento, mediante radioterapia, havia debilitado a estrutura óssea da mandíbula, havia ?melhor opção? de intervenção odontológica para a paciente, sendo recomendado, precipuamente, no seu caso, o ?sepultamento da raiz? e apenas, subsidiariamente, a extração dos dentes, mediante, no entanto, ?profilaxia antibiótica, com antibióticos de terceira e quarta gerações? e submissão da paciente às ?câmaras hiperbáricas? para fortalecimento da estrutura óssea da mandíbula. Nesse contexto, tenho que o tratamento não fora ministrado de conformidade com os protocolos técnicos e com as condições pessoais da paciente, primeiro, porque não há sinal, no prontuário odontológico de fl. 125, da adoção de tratamento alternativo à extração dos dentes, constando do documento apenas a extração de cinco dentes, espécie de intervenção não recomendada para a autora, diante do seu histórico clínico de radioterapia, segundo, porque tenho por comprovada a não realização dos procedimentos de profilaxia e tratamento hiperbárico recomendado pela Sra. Perita, pois, do referido prontuário de fl. 125, consta, além da extração dos dentes, a realização de exame de Raio-X e prescrição de antibióticos apenas na última consulta, ou seja, após todas as extrações, a revelar que a ré ou deixou de analisar o histórico médico da paciente, abstendo-se de ponderar, à luz das condições pessoais da autora, os riscos inerentes ao procedimento, ou os desconsiderou completamente, descortinando-se, assim, de um ou de outro modo, falhas passíveis de serem qualificadas como imperícia e/ou negligência do profissional.

Nesse sentido, impõe-se a responsabilização da parte ré pelos danos causados à parte autora, em decorrência do fato do serviço, diante do dispõem os arts. 14, ?caput? e § 4 , do CDC o e 927 do CCB.

No ponto, postula a parte autora ?o pagamento de indenização do valor de R$ 50.000,00?, narrando como causa de pedir, além da fratura da mandíbula e ?infecção gravíssima nos ossos?, a existência de ?deformação física no rosto?, a demandar o exame da ocorrência não apenas do dano moral, mas também do estético.

Quanto ao dano moral, violada a integridade física da autora, direito da personalidade (arts. 11 e 13 do CCB), pela fratura mandibular, com ?diagnóstico posterior de osteorradionecrose associada a osteomelite?, como comprovado pela prova pericial, a teor do laudo acima transcrito, sendo necessária inclusive a realização de procedimento cirúrgico para a reparação da fratura mandibular, faz jus, a teor dos arts. 5 , X e V, da CR e 927 e 949 do CCB, à o compensação por danos morais. Quanto ao montante, caberá ao juiz fixar o valor da indenização, pela extensão do dano (art. 944 do CCB), em consonância com natureza compensatória e pedagógica da medida, observadas as condições econômicas do ofensor e da ofendida, bem como a natureza bem jurídico lesado, sem, porém, convertê-la em fonte de enriquecimento sem causa. No pertinente, restou comprovado (art. 373, I, do CPC) pela prova pericial que ?a sequela existente é definitiva? (fl. 161), que a ?requerente teve prejuízo funcional parcial da mandíbula? (fl. 161) e que apresenta ?disfluência na fala? (fl. 153), a revelar que, não bastasse a fratura da mandíbula, os danos consequentes foram graves e extensos. Concluo, então, que deve ser fixada a indenização na proporção de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), a título de compensação pelos danos morais suportados pela reclamante.

Quanto aos danos estéticos, comprometida permanentemente a harmonia dos traços faciais da autora, como demonstrado pelo laudo pericial, concluindo a Sra. Perita que ?[n]ão é caso que possa ter reversão? (fl. 161) e que ?há prejuízo estético? (fl. 161), com ?assimetria facial, dificuldade de selamento labial? (fl. 153), o que ademais resta evidenciado pelas fotografias colacionadas às fls. 09-11, impõe-se a sua compensação, conforme arts. 5 , X e V, da CR e 11, o 13, 927 e 949 do CCB. No que se refere ao montante, cabe novamente ao Juiz fixá-lo de acordo com a extensão do dano (art. 944 do CCB), observando ainda os critérios acima expostos. No caso, considerando que os danos foram na face da autora, a comprometer inclusive a sua autoidentificação e a identificação por terceiros, são facil e imediatamente perceptíveis, além de se mostrarem aptos a gerar intensa repulsa, tenho por razoável a indenização no valor de R$ 25.000,00.

Ante o exposto, julgo, com resolução de mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, procedente o pedido, para condenar a parte ré no pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), pelos danos morais e estético causados, com correção monetária, pelo INPC, desde a publicação desta decisão, e juros de mora de 1% a.m., desde o evento danoso (13.02.2012), consoante entendimento cristalizado na Súmula 54/STJ.

Observada a sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré no pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.
P.R.I
Alexânia-GO, 08 de março de 2018.
LEONARDO LOPES DOS SANTOS BORDINI
Juiz Substituto