Flávia Drago, especial para o JC
Quando o sonho da maternidade não é possível devido a impedimentos de saúde, surge uma alternativa que é cada vez mais procurada. A substituição temporária de útero, conhecida como barriga de aluguel, é um procedimento prático simples, mas que exige uma extensa preparação psicológica, além de atender aos critérios do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Como no Brasil não há uma legislação específica para a atividade, as exigências ficam sob responsabilidade da Resolução CFM nº 1.957/2010. A resolução diz que, em primeiro lugar, a atividade só é permitida quando a mulher é fisicamente incapaz de gerar uma criança, seja pela remoção do útero ou a deformação deste, ou ainda por alguma doença que contraindique a gravidez. A “mãe substituta”, então, deve ser parente de até segundo grau (mãe, irmã ou tia) da mãe biológica, passar por exames clínicos e, de preferência, já ter filhos. Caso estiver em união estável, é necessário o consentimento do parceiro, por escrito.
Segundo Fernando Prado, especialista em Reprodução Humana e coordenador da unidade do Grupo Huntington no Hospital Santa Joana, outra opção é viável. “Caso a mãe biológica não possua os parentes, a doadora temporária do útero escolhida deve ser aprovada e documentada por escrito pelo Conselho Regional de Medicina do estado referente”, diz Prado. A resolução também não permite a geração de lucro no processo. No caso, a doadora do útero não poderá receber dinheiro pela gestação. Já nos Estados Unidos, por exemplo, é permitido pagamento à mãe que recepcionará o feto.
O procedimento em si é simples, de acordo com Mariângela Badalotti, diretora do Fertilitat - Centro de Medicina Reprodutiva. “Fazemos uma fertilização in vitro (conhecido como proveta) dos óvulos, mais os espermatozoides, e depois da fecundação, transferimos para o útero hospedeiro”, explica Mariângela. A diretora alerta que a maior preparação está antes.
“A preparação psicológica é o ponto de partida para iniciar o processo e vem de alguns meses antes, com análises psicológicas até que a barriga de aluguel seja aprovada para receber o embrião. Exaustivamente a preparamos de que aquele filho não será dela. Ela também é informada dos riscos de uma gravidez”, explica.
A preparação psicológica é feita para que se evitem problemas entre as duas mulheres posteriormente, no que se refere aos direitos sobre a criança. “Deve ficar claro que a gestante não tem direito sobre a criança como a herança ou a custódia. O direito é total da mãe biológica. A barriga de aluguel terá, no entanto, direito a acompanhamento médico e psicológico antes e após o parto”, afirma o advogado Marcos Coltri, especialista em Direito Médico. A preparação é feita também com a mãe biológica, pois, segundo Prado, ela pode se sentir em segundo plano na gestação, visto que quem está recepcionando o bebê receberá mais atenção por ser a gestante. A barriga de aluguel deve entregar o filho em dois ou três dias para a mãe biológica. Se a própria “mãe substituta” for amamentar a criança, o bebê deverá ser levado ao encontro dela para a amamentação, durante seis meses no máximo.
Quanto aos pedidos de casais de mulheres, o procedimento deve ser analisado caso a caso. Segundo Coltri, há entraves pelo que a CFM regulamenta. “Se ambas são saudáveis, não há motivo de existir uma terceira mulher para recepcionar o embrião. Iria contra a resolução, que só permite a barriga de aluguel quando a mulher não é saudável para gerar um filho”, explica o advogado.
Além desta resolução, há o Projeto de Lei Substitutivo ao nº 90/99 (PL nº 1.184/03), que antes estava parado, mas retomaram este ano, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. “É um projeto retrógrado, pois proíbe o congelamento de embriões, além de permitir apenas três embriões por fertilização. Esse número pequeno diminui a taxa de sucesso da fertilização, além de ter de submeter a mãe a mais de uma estimulação, o que torna o processo bastante cansativo. O projeto também autoriza a identificação do doador de gametas. Quer dizer, o filho tem a permissão de conhecer o doador do espermatozoide depois que ele completar a maioridade. Isso pode resultar na diminuição de doações dos gametas, pois a maioria dos doadores não quer ser informado do filho que gerou”, explica Amaral.
No entanto, Prado encara a atividade como realizadora. “A substituição temporária do útero permite que as mulheres incapazes de gerar uma criança realizem o sonho de ser mãe com um filho que possua sua cara genética, o que seria impossível sem as clínicas especializadas”, comemora.
Fonte: Jornal do Comércio
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.