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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Reclusos em greve de fome não devem ser sujeitos a alimentação forçada

Parecer do Conselho Nacional de Ética defende que os reclusos mantêm o direito de recusar o tratamento médico e a autonomia nas decisões.

A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais solicitou um parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNEV) sobre a alimentação compulsiva em casos de greve de fome nas prisões. O CNEV concluiu que “não é eticamente aceitável a alimentação forçada por via de coacção física ou violência, nomeadamente por imobilização do recluso” e que estes “mantêm o direito de recusar o tratamento médico, mesmo tratando-se de recusa de suporte de vida, desde que se verifique que têm capacidade de decidir e que têm total consciência das consequências da recusa”.

Em declarações ao PÚBLICO, Rui Sá Gomes, director-geral dos Serviços Prisionais, sublinha que não há registo de nenhum caso de alimentação forçada de um recluso em greve de fome nas prisões portuguesas mas que o parecer foi solicitado ao CNEV com um carácter preventivo. “Para ter uma opinião sobre as melhores práticas a adoptar numa situação deste género, caso venha a ocorrer”, justifica. “Nunca foi necessário recorrer a alimentação “coactiva” nem nunca ninguém morreu por uma greve de fome. Ninguém quer morrer quando faz uma greve de fome, querem protestar. Os reclusos que fazem greve de fome acabam sempre por deixar esta forma de protesto, antes que seja necessário intervir”, nota.

Sem ter tido ainda conhecimento do conteúdo do parecer, Rui Sá Gomes adianta que discorda de uma posição que rejeite uma intervenção nestes casos defendendo que estes cidadãos “estão à guarda do Estado”, existindo assim um “dever acrescido do Estado” que implica assegurar o cumprimento da pena e restituí-los à liberdade. “Nos casos em que os cidadãos estão privados de liberdade, o Estado assume uma posição de garante. Julgo que numa situação de greve de fome de um recluso que coloque em risco a sua vida devemos intervir. Assim como um guarda deve intervir se deparar com uma tentativa de suicídio de um recluso”, argumenta.

Segundo o parecer do CNEV, nos casos registados os reclusos abandonaram a greve de fome “depois da sua transferência para um hospital prisional, o que ocorre, de acordo com os procedimentos recomendados, uma semana depois do início da greve”. Dos registos, conclui-se que os principais motivos invocados para esta forma de pressão são “a mudança de estabelecimento prisional, a liberdade condicional, a satisfação de exigências relativas à alimentação ou ao alojamento, ou o afastamento de determinado guarda”. “A finalidade do recluso é fazer pressão e manifestar-se; não é, em primeira linha, deixar-se morrer”, sublinha o CNEV.

Porém, a questão central parece ser a autonomia que o recluso tem em decidir sobre a sua vida em comparação com um cidadão livre. O CNEV entende que esta autonomia não pode ser violada em nennhum dos casos. “A alimentação “artificial” para salvar a vida de um recluso, cuja última afirmação de autonomia seja a opção por uma greve de fome, com perfeita consciência de que esta poderá implicar a perda da sua vida, poderá constituir uma grave violação da sua dignidade pessoal”. Mas o CNEV avisa: “Há que usar todo o cuidado na verificação de que a assunção desse risco último constitui realmente a manifestação de uma vontade esclarecida e livremente informada”. E em caso de dúvida: “a alimentação artificial, com o mínimo de sofrimento para o recluso e o respeito pela sua dignidade, impõe-se".

Existe actualmente a possibilidade de uma eventual ordem do director do estabelecimento prisional que determine a “alimentação coactiva” sob direcção médica – um recurso que nunca terá sido usado. A lei sobre o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais contempla algumas normas a cumprir para os casos de greve de fome. Entre outras, determina-se que todos os dias e a horas certas a refeição deve ser oferecida ao recluso. Há ainda linhas orientadoras a nível internacional – a Declaração de Malta – que defendem que a alimentação forçada é inaceitável perante uma recusa informada e voluntária. O CNEV realça ainda a importância que deve ser dada a uma avaliação médica constante e à existência de uma Directiva Antecipada de Vontade, prevista na lei, ainda que expressa já depois do início do protesto.

No entanto, o CNEV admite situações em que o recurso a uma alimentação artificial - através de sonda nasogástrica, por exemplo -, é éticamente aceitável. “Não havendo uma recusa expressa, não é possível concluir que o recluso esteja disposto a fazer greve de fome até à morte “ e, por isso, o CNEV sublinha: “A greve de fome não deve ser lida como uma recusa do recluso em ser alimentado de forma ‘artificial’ em situação-limite."

Por outro lado, refere o documento, deve ainda ter-se em consideração os casos em que se alteram as circunstâncias que levaram aquele recluso à decisão de uma greve de fome. “Figure-se, por exemplo, a hipótese de entretanto ser satisfeita, ainda que parcialmente, uma reivindicação do recluso, mesmo que não em consequência da greve desencadeada. Neste caso, estando ele já impossibilitado de se pronunciar, a alimentação artificial é eticamente aconselhável, e não alimentar o recluso pode até constituir uma grave falta de ética aos deveres de cuidado que inpendem sobre a autoridade prisional."

Fonte: www.publico.pt