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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 17 de julho de 2018

CROSP tem parecer favorável da Justiça em relação a programa de TV

O CROSP, zelando pela ética e fiscalizando o exercício da Odontologia, informa resultado de decisão da Justiça sobre a veiculação do reality show “XSmileOficial – O Sorriso das Estrelas”, transmitido pela Record News:

“Nenhum direito é absoluto. Se um programa de televisão serve para o desatendimento de normas éticas de uma antiga e respeitável profissão (regulamentada no Brasil desde o Decreto-lei 7.718, de 9 de julho de 1945) e do inc. I do art. 221 da Constituição, não pode ser invocada a liberdade de imprensa ou de expressão para legitimar que tal programa vá ao ar.

Não há liberdade para desrespeitar preceitos éticos há muito sedimentados e aceitos como saudáveis para regular uma profissão que envolve a saúde dos brasileiros. É certo que a televisão no Brasil é, via de regra, comercial; mas para tudo há limites.

Pelo exposto, DEFIRO antecipação de tutela recursal para acolher integralmente o pedido do agravante para suspender a exibição dos próximos episódios do programa televisivo “XSmile Oficial – O Sorriso das Estrelas”, na emissora TV Record (especificamente no canal Record News) ou qualquer outra. O descumprimento acarretará desobediência e gerará astreintes que fixo, solidariamente, em cinquenta mil reais por dia de descumprimento, sem prejuízo de outras medidas capazes de dar eficácia a esta decisão.”

Foram essas as palavras que concluem o despacho em recurso interposto pelo CROSP, conforme informamos anteriormente, cuja finalidade era impedir a exibição do reality show “XSmileOficial – O Sorriso das Estrelas”.

Veja abaixo a íntegra da decisão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5015938-95.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO
AGRAVANTE: CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE SAO PAULO
AGRAVADO: RAFAEL PUGLISI SPADARO, INSTITUTO ODONTOLOGICO GUY PUGLISI S/S LTDA, SMARTCLEAR SERVICOS ODONTOLOGICOS LTDA., DMA MARKETING E CURSOS LTDA, RADIO E TELEVISAO RECORD S.A

D E C I S Ã O

Agravo de instrumento interposto por CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE SÃO PAULO – CROSP contra a decisão que, em sede de ação civil pública, indeferiu a liminar requerida para proibir a exibição do programa televisivo “XSmile Oficial – O Sorriso das Estrelas”, com primeiro episódio em 08/07/2018, na emissora TV Record (especificamente no canal Record News), por suposta violação ética.

A decisão agravada foi lançada nestes termos:
“Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DE SÃO PAULO – CROSP em face de RAFAEL PUGLISI SPADARO, INSTITUTO ODONTOLÓGICO GUY PUGLISI S/S LTDA, SMART CLEAR SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS LTDA, DMA MARKETING E CURSOS LTDA e RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S/A, visando, em sede liminar, a obtenção de provimento jurisdicional “para que os Réus sejam proibidos de apresentar o programa “XSmile Oficial – O Sorriso das Estrelas”, no dia 08/07/2018, às 13h30, até o julgamento final, sem a necessária adequação aos preceitos éticos odontológicos e à segurança da saúde bucal;”.
Narra o autor, em síntese, que o primeiro réu protagonizará um reality show a ser veiculado pelo quinto réu, com início em 08/07/2018, “com a intenção de mostrar a vida de clínicas odontológicas, e o ‘antes’ e ‘depois’ dos tratamos (sic) odontológicos que ele, 1º Réu (Dr. Rafael), desenvolve:”.
Afirma o autor que, longe de popularizar a profissão, o referido programa está, na verdade, expondo técnicas e conceitos que acabarão por induzir os telespectadores em falsos resultados, partindo do pressuposto de que para cada pessoa deve ser verificado um tratamento específico.
Defende o autor que “Esse estabelecimento da concorrência desleal, sob o manto de inovação tecnológica e popularização do conceito, configura-se em evidente afronta à segurança da qualidade de vida e saúde dos pacientes, bem como ao livre exercício profissional em condições de igualdade.”
Assevera, outrossim, a existência de possíveis violações éticas pelos réus, conforme dispõem o Código de Ética Odontológica e o Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária – CONAR.
Esclarece, ainda, que os dois primeiros réus figuram como requeridos em procedimentos disciplinares, a comprovar que as questões éticas e seus limites não são por eles desconhecidos, “embora não respeitados”.
Por esses motivos, ajuíza a presente ação.
Com a inicial vieram documentos.
Emenda à petição inicial, conforme ID 9184457.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório, DECIDO.
ID nº 9184457: recebo a emenda à petição inicial.
A Lei nº 7.347/85, ao disciplinar o instituto da ação civil pública, estabelece que:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(...)
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
A ação civil pública é meio processual idôneo para a defesa dos direitos coletivos stricto sensu, classificados como direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determináveis enquanto grupo, categoria ou classe) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base.[1]
Além disso, por ostentarem a natureza de autarquias, os Conselhos Profissionais possuem legitimidade para a propositura da ação coletiva, nos termos do art. 5º, IV, da mesma norma supratranscrita.
Por sua vez, a Lei nº 4.324/64, que instituiu o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Odontologia, dispõe que:
Art. 2º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Odontologia ora instituídos constituem em seu conjunto uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira, e têm por finalidade a supervisão da ética profissional em toda a República, cabendo-lhes zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da odontologia e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente. (destaquei)
Com efeito, dessume-se que a lei conferiu aos conselhos a atribuição de zelar e trabalhar pelo desempenho ético da odontologia e pelo prestígio e bom conceito da profissão.
Pois bem.
No caso concreto, objetiva o autor, em ultima ratio, a não exibição do programa denominado “XSmile Oficial – O Sorriso das Estrelas”, com data de estreia prevista para 08/07/2018.
Pois bem.
Para fundamentar sua pretensão, invoca o demandante a incidência de dispositivos constantes do Código de Ética Odontológica (especialmente, art. 9º, XIII e XV; art. 11, II e XIV; art. 14, I e III; art. 32, V e art. 44, I e V), assim como do Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária – CONAR (Anexo G).
Entretanto, eventual infração às normas do Código de Ética Odontológica sujeita o profissional da odontologia à incidência das penalidades nele previstas, quais sejam:
Art. 51. Os preceitos deste Código são de observância obrigatória e sua violação sujeitará o infrator e quem, de qualquer modo, com ele concorrer para a infração, ainda que de forma indireta ou omissa, às seguintes penas previstas no artigo 18 da Lei nº. 4.324, de 14 de abril de 1964:
I - advertência confidencial, em aviso reservado;
II - censura confidencial, em aviso reservado;
III - censura pública, em publicação oficial;
IV - suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias; e,
V - cassação do exercício profissional ad referendum do Conselho Federal. (destaquei)
Por sua vez, a inobservância do Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária – CONAR expõe o profissional da publicidade às seguintes sanções:
Artigo 50 - Os infratores das normas estabelecidas neste Código e seus anexos estarão sujeitos às seguintes penalidades:
a) advertência;
b) recomendação de alteração ou correção do Anúncio;
c) recomendação aos Veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio;
d) divulgação da posição do CONAR com relação ao Anunciante, à Agência e ao Veículo, através de Veículos de comunicação, em face do não acatamento das medidas e providências preconizadas. (sem destaques no original)
E, despiciendo ressaltar, a aplicação de quaisquer dessas penalidades deve ser precedida da instauração de processo administrativo no qual assegurado ao interessado a observância do devido processo legal.
Dessarte, tal como posta a pretensão, inexiste fundamento jurídico que ampare o pedido para que os réus sejam proibidos de apresentar o programa “XSmile Oficial – O Sorriso das Estrelas”.
Não bastasse isso, impende anotar que, de um lado, a Constituição da República assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII). De outro, a mesma Carta Magna salvaguarda a livre manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IV e IX).
Por constituírem garantias constitucionais de mesma magnitude, não se pode, aprioristicamente, pretender a prevalência de uma sobre a outra. Inexiste hierarquia entre as normas constitucionais.
Até mesmo porque, como é sabido, os direitos e garantias fundamentais não possuem caráter absoluto, podendo sofrer limitações quando em cotejo com outros valores constitucionalmente contemplados.
Tornou-se voz corrente na nossa família do Direito admitir que os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos. Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusive outros direitos fundamentais. (...)
A leitura da Constituição brasileira mostra que essas limitações são, às vezes, expressamente previstas no Texto. Até o elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada.
Não há, portanto, em princípio, que falar, entre nós, em direitos absolutos. Tanto outros direitos fundamentais como outros valores com sede constitucional podem limitá-los.[2]
Constatada a ocorrência de colisão de direitos, a solução ou vem discriminada no próprio ordenamento jurídico (ex: XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial) ou caberá ao magistrado decidir, no caso concreto, qual direito deve preponderar, mediante a ponderação dos bens envolvidos.
Uma tentativa de sistematização da jurisprudência mostra que ela se orienta pelo estabelecimento de uma “ponderação de bens tendo em vista o caso concreto” (Guterabwägung im konkreten Fall), isto é, de uma ponderação que leve em conta todas as circunstâncias do caso em apreço.)[3]
In casu, considerando que o programa televisivo sequer estreou, motivo pelo qual não se tem maiores informações sobre o conteúdo a ser veiculado (consta da petição inicial apenas a postagem em uma rede social a respeito do programa), tenho que a proibição de sua exibição sem a vinda de elementos mais concretos resvala na censura prévia, o que não é admitido pela Constituição Federal.
Ausente, pois, o necessário fumus bonis iuris para o deferimento da medida liminar.
Isso posto, INDEFIRO o pedido de liminar.
Decreto o sigilo dos documentos de ID nº 9160931; 9160934 e 9161454. Anote-se.
Citem-se os réus.
[1] DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes, Curso de Direito Processual Civl, Processo Coletivo, 3ª edição, Editora Podivm, pág. 76
[2] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet, Curso de Direito Constitucional, 5ª edição, Editora Saraiva, págs. 316 e 317
[3] Op. cit. p. 425

Nas razões recursais a parte agravante reitera a ocorrência de violação do “arcabouço legal-ético” por parte dos agravados, especialmente do primeiro (RAFAEL PUGLISI SPADARO).

Afirma que um dos fundamentos da decisão agravada para o indeferimento da medida liminar foi o fato de que o programa televisivo não havia ainda estreado; todavia, com a exibição do primeiro episódio restou comprovada a plausibilidade do direito invocado na inicial, conforme se pode constatar do vídeo disponível na internet (link: https://www.youtube.com/watch?v=IwqPBrZJWyI).

Refere, por exemplo: 1) a prática de infração ética por atuação fora do âmbito da Odontologia, nos termos do artigo 11, inciso XIV, do Código de Ética Odontológica (2min e 25s); 2) referência ao suposto despreparo de outros profissionais da Odontologia, o que incorre no descumprimento ético de zelar e trabalhar pelo prestígio e bom conceito da profissão (artigo 9º, inciso III), de exercer a profissão mantendo comportamento digno (artigo 9º, inciso V), todos do Código de Ética Odontológica (8min e 10s).

Ao final do vídeo (19min e 40s) evidencia-se a prática de inúmeras outras infrações como exposição pública e com artifícios de propaganda para granjear clientela, mercantilização, exposição da privacidade do paciente, obtenção de vantagem mediante aproveitamento de relação profissional/paciente, indução da opinião pública a acreditar que somente determinado profissional possua domínio desta ou daquela atuação clínica, dentre outras violações.

Diante disso, agora com a materialidade emergida do episódio de estreia, reafirma-se a necessidade de liminar para proibir a exibição dos episódios que formam o “reality show”, em vista da comprovação do fumus boni iuris.

De outra parte, alega que o periculum in mora está configurado no “próximo episódio”, que já é gravado e será exibido no dia 15/07/2018, domingo, às 13h, na emissora Record, também agravada.

Requer a concessão da “tutela de urgência” reformar a decisão que não concedeu a liminar, “proibindo-se, assim, a exibição do próximo episódio do reality show “XSmile Oficial – O Sorriso das Estrelas”.

Decido.

Anoto inicialmente a desnecessidade de decretação de sigilo nestes autos, conforme requerido no ID 3507011, tendo em vista que os documentos sigilosos (procedimentos ético-disciplinares) constantes do processo originário não foram colacionados neste recurso.

Prossigo.

A legitimatio ad causam dos conselhos para ações como a presente dimana das normas já referidas na decisão monocrática e também da jurisprudência (REsp 879.840/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/06/2008, DJe 26/06/2008 - REsp 1012692/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 16/05/2011 - REsp 1388792/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2014, DJe 18/06/2014 - TRF3, Ap 00021753720074036002, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/11/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO - TRF3, Ap 00021878620144036105, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/04/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO).

De outro lado, em se tratando de ajuizamento de ação civil pública para, em tese, fazer observar disciplina e fiscalização do exercício profissional, não há que se exigir formalidades autorizadoras desse agir, oriundas de "associados" ou diretores. A finalidade da autarquia é o quantum satis para emergir a legitimidade no caso concreto.

Observo, ainda, que não se trata de intento da autarquia em conseguir censurar um órgão de mídia televisiva. É evidente que o programa questionado não tem natureza de isento formador de opinião e nem objetiva transmitir notícias e informações que interessam a toda a sociedade; deveras, ao que tudo indica trata-se de um reality show cujo assunto é limitado ao cotidiano de uma determinada clínica odontológica, expondo as técnicas de desempenho da Odontologia praticados pelo odontólogo RAFAEL PUGLISI SPADARO no âmbito do Instituto Guy Puglisi (outro corréu), onde são tratadas as arcadas dentárias de pessoas ditas "famosas" e membros do chamado "high society".

Em manifestação que se colhe na internet, o sr. Matheus Baldi, condutor do programa, esclareceu publicamente que o programa terá 13 capítulos e vai mostrar as transformações nos "sorrisos" de pessoas ricas e famosas ocorridas com o implante de lentes de contato (laminados cerâmicos) nos dentes por meio de microscopia; vai, ainda, mostrar o dia-a-dia do dentista RAFAEL PUGLISI SPADARO, considerado competente na técnica que será exibida, e o sucesso profissional do mesmo, exibindo-lhe o lado empreendedor, o estilo de vida e as conquistas pessoais desse dentista.

É óbvio que que o programa trará publicidade para a clínica e o profissional já referidos, sendo que o Código de Ética da profissão prescreve "Art. 32. Os anúncios, a propaganda e a publicidade poderão ser feitos através dos veículos de comunicação, obedecidos os preceitos deste Código como da veracidade, da decência, da respeitabilidade e da honestidade".

Entretanto, o mesmo Código (art. 34) enuncia algumas infrações éticas que podem ocorrer no âmbito da publicidade: (1) anunciar técnicas de tratamento, equipamentos e instalações; (2) criticar técnicas utilizadas por outros profissionais como sendo inadequadas ou ultrapassadas; (3) dar consulta, diagnóstico ou prescrição de tratamento por meio de qualquer veículo de comunicação de massa, bem como permitir que sua participação na divulgação de assuntos odontológicos deixe de ter caráter exclusivo de esclarecimento e educação da coletividade. Com relação a entrevistas, diz o art. 37: "O profissional inscrito pode utilizar-se de veículos de comunicação para conceder entrevistas ou divulgar palestras públicas sobre assuntos odontológicos de sua atribuição, com finalidade educativa e interesse social" (destaquei). E entre os deveres fundamentais do odontólogo reside "abster-se da prática de atos que impliquem mercantilização da Odontologia ou sua má conceituação" (art. 5º, XI - destaquei).

Tenho para mim que, tal como foi concebido (e isso pode ser constatado no sítio https://natelinha.uol.com.br/televisao/2018/07/07/record-news-estreia-o-primeiro-reality-show-de-odontologia-da-tv-118192.php, com o subtítulo "Formato vai revelar bastidores de clínica badalada", e onde o apresentador Matheus e o dentista Rafael se deixam retratar um apontando os dedos para o outro), o programa X-Smile Brasil, segundo o que dele disse o próprio apresentador, desatende a todos os preceitos acima apontados, prestando um desserviço à Odontologia em geral.

Não discuto a ciência e a respeitabilidade dos dentistas que integram o corpo de profissionais do réu INSTITUTO ODONTOLÓGICO GUY PUGLISI S/S LTDA. Aceito-as, mas isso é irrelevante, na verdade.

O relevante é que o formato do programa televisivo tal como concebido e propalado pelo seu apresentar Matheus Baldi, de modo a "revelar bastidores de clínica badalada" e exibir o sucesso profissional e pessoal do dr. Rafael, não atende o Código de Ética da Odontologia, especialmente porque o cerne do programa não é "finalidade educativa e interesse social", e sim revelar os "segredos" dos belos sorrisos dos pacientes "vip" tratados na clínica pelo odontólogo Rafael, que é apresentado como dotado de carisma para ser "a grande estrela desse projeto". Nesse cenário, pouco crédito se pode dar a uma promessa de também tratar-se da "importância da saúde bucal", pois o tal projeto é centralizado nas arcadas dentárias de pessoas famosas que tiveram seus sorrisos moldados pela técnica que o programa "vende" como muito bem realizada pelo dr. Rafael.

Além disso, como acentuado pelo agravante, o primeiro programa da série também permite entrever a infração de "referência ao suposto despreparo de outros profissionais da Odontologia" para a técnica celebrada e sinais de "mercantilização" da profissão.

Não é tarefa da mídia televisiva proceder dessa forma, que escapa do interesse social indicado no inc. I do art. 221 da Constituição Federal.

Conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD realizada pelo IBGE em 2013 dos então 62,9 milhões de lares brasileiros, 96,88% da população possuía em suas residências televisores. Por isso que é smepre tempo de cuidar para que o objetivo maior das produções televisivas atenda o interesse social atrelado à educação. Aliás, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, firmada em São José da Costa Rica e ratificada pelo Brasil em 1992 - tantas vezes invocada por gente que reclama de "censura" - é expressa ao afirmar que "O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas”.
Nenhum direito é absoluto. Se um programa de televisão serve para o desatendimento de normas éticas de uma antiga e respeitável profissão (regulamentada no Brasil desde o Decreto-lei 7.718, de 9 de julho de 1945) e do inc. I do art. 221 da Constituição, não pode ser invocada a liberdade de imprensa ou de expressão para legitimar que tal programa vá ao ar.

Não há liberdade para desrespeitar preceitos éticos há muito sedimentados e aceitos como saudáveis para regular uma profissão que envolve a saúde dos brasileiros. É certo que a televisão no Brasil é, via de regra, comercial; mas para tudo há limites.
Pelo exposto, DEFIRO antecipação de tutela recursal para acolher integralmente o pedido do agravante para suspender a exibição dos próximos episódios do programa televisivo “XSmile Oficial – O Sorriso das Estrelas”, na emissora TV Record (especificamente no canal Record News) ou qualquer outra. O descumprimento acarretará desobediência e gerará astreintes que fixo, solidariamente, em cinquenta mil reais por dia de descumprimento, sem prejuízo de outras medidas capazes de dar eficácia a esta decisão.

Intime-se incontinenti todos os agravados - inclusive para apresentação de contraminuta - e comunique-se ao Juízo de 1º grau.

Após, vista ao MPF.

Tudo cumprido, cls. para voto.

Int.
mato vai revelar bastidores de clínica badalada Veja mais em: https://natelinha.uol.com.br/televisao/2018/07/07/record-news-estreia-o-primeiro-reality-show-de-odontologia-da-tv-118192.php “O formato do ‘X Smile Brasil’ começou a ser elaborado desde o ano passado. Meu desejo era trazer para o público algo inédito na TV brasileira e com um conteúdo que despertasse o interesse do telespectador. A escolha foi desenvolver um reality para a... Veja mais em: https://natelinha.uol.com.br/televisao/2018/07/07/record-news-estreia-o-primeiro-reality-show-de-odontologia-da-tv-118192.php

São Paulo, 16 de julho de 2018.