Minha foto
Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Testamento Vital e Procurador de Cuidados de Saúde

*Por André Dias Pereira e João Maia Rodrigues

O Testamento Vital e o Procurador de Cuidados de Saúde como instrumentos de planeamento da Velhice e da Doença

Com o envelhecimento da sociedade e a medicalização da ancianidade, o número de pessoas que podem prever vir a necessitar de uma intervenção médica numa altura em que já estejam incapazes de decidir tem tendência a aumentar, designadamente no âmbito das chamadas doenças neurodegenerativas, como é exemplo típico o Alzheimer.

Em vista disso, no seguimento de uma tendência já existente noutros países, foi publicada em Portugal a Lei n.º 25/2012, de 16 de julho que regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital (TV), e a nomeação de procurador de cuidados de saúde.

Ao testamento do paciente costumam ser apontadas certas vantagens. Primeiramente, têm por base a vontade do paciente e permitem a realização do direito à autodeterminação preventiva. Por outro lado, o testamento vital reduz o impacto emocional de tomar decisões aos familiares e aos médicos. Estes documentos configuram uma expressão do princípio constitucional da liberdade de expressão do pensamento e de culto e apresentam-se como uma barreira à obstinação terapêutica ou “encarniçamento terapêutico”, visando com isso a preservação da dignidade humana no fim da vida.

Neste sentido, a Lei afirma que a vontade anteriormente expressa pelo paciente deve ser respeitada, desde que se verifiquem os requisitos aí previstos. Com efeito, a referida Lei apesar de ainda não se encontrar regulamentada e de não ter sido criado o Registo Nacional de Testamento Vital (RENTEV) já se encontra em vigor desde o passado mês de agosto, podendo qualquer interessado dirigir-se a um cartório notarial para manifestar as suas vontades em matéria de cuidados de saúde.

Com efeito, as diretivas antecipadas de vontade (DAV), quer na forma de testamento vital, quer para a instituição de procurador de cuidados de saúde, têm de ser reduzidas a escrito. Este documento tem ainda de ser assinado presencialmente perante um notário, seja através de instrumento público ou de um mero reconhecimento de assinatura, ou, em alternativa, perante um funcionário devidamente habilitado do Registo Nacional do Testamento Vital.

A redação de um testamento vital e a nomeação de um procurador de cuidados de saúde assume-se de especial interesse para as pessoas com doenças neurodegenerativas; estes doentes dispõem agora deste instrumento fundamental para planear a sua velhice e o período de doença, podendo para além de declarar os tratamentos que deseja ou não receber, designar a pessoa próxima ou de confiança que gostariam que tomasse as decisões clínicas em diálogo com a equipa médica.

A exigência de que a manifestação da vontade seja feita perante um notário, nesta matéria tão específica, pessoal e delicada, justifica-se, desde logo, porque a plena validade jurídica destes documentos depende da verificação idónea, segura e autêntica dos seguintes requisitos: a) que a pessoa é maior de idade; b) que é capaz para o pleno exercício dos seus direitos; c) que manifesta a sua vontade estando consciente, livre de qualquer pressão ou imposição de outrem; d) que está esclarecida relativamente aos efeitos práticos e jurídicos daquilo que pretende; e e) que o expressa de uma forma clara e inequívoca.

Só a intervenção do notário garante o cumprimento daqueles requisitos porque se trata de um profissional do direito, independente, quer em relação ao Estado, quer a quaisquer interesses particulares, imparcial e investido por este com poderes públicos de autoridade, nomeadamente conferindo autenticidade aos documentos – fé pública.

Para além disso, tendo em conta as suas habilitações e a sua formação específica, saberá interpretar a vontade dos interessados e aconselhá-los devidamente para que não sejam feitas diretivas antecipadas de vontade contrárias à lei, à ordem pública ou determinem uma atuação contrária às boas práticas.

Chamamos a atenção que estas diretivas de vontade são para produzir os seus efeitos numa data em que o interessado já se encontra incapaz de expressar os seus desejos e as suas intenções de uma maneira autónoma, isto é, por si próprio, sem ser necessário que alguém o faça por si.

Isso também acontece com os testamentos e as chamadas procurações ditas irrevogáveis, não obstante serem assuntos distintos. É que os testamentos servem para que uma pessoa declare o que pretende depois da sua morte. E o mesmo se diga das procurações que são “irrevogáveis” porque também estas podem vigorar após a morte ou a incapacidade posterior de quem as faz.

Ou seja, em todos estes casos os outorgantes já não poderão confirmar se fizeram ou não o que consta dos documentos e em que termos o fizeram. Por isso, a Lei determina a obrigatoriedade de recorrer a um notário.

Para além do exposto, e não obstante a Lei se bastar com o reconhecimento presencial da assinatura do interessado, entendemos que a formalidade adequada para estes documentos é o instrumento público lavrado pelo próprio notário.

Mediante este documento, ele reduz a escrito os cuidados de saúde que a pessoa deseja ou não receber, assegurando desta forma uma formulação jurídica mais precisa e completa para garantir a certeza sobre os termos utilizados e o seu preciso significado.

O original deve ficar arquivado no cartório notarial para que não se perca ou se duvide da sua autenticidade entregando-se ao procurador de cuidados de saúde, caso tenha sido nomeado, ou à equipa médica do paciente, caso este o deseje, uma certidão do documento convenientemente arquivado.

O paciente pode (e deve) designar um “procurador de cuidados de saúde”, o qual tomará as decisões por ele quando o paciente estiver num estado de incapacidade. O bom funcionamento deste instituto dependerá de o paciente e o procurador terem previamente conversado sobre as opiniões do primeiro relativamente aos seus valores e às opções que tomaria numa determinada situação se estivesse capaz.

Teria sido ideal impor um sistema em que um médico fosse envolvido no processo de aconselhamento de um testamento do paciente. Esse profissional permitiria assegurar o esclarecimento do interessado. Todavia, as dificuldades de acesso à consulta médica em algumas regiões do país e a confiança no discernimento do cidadão adulto e capaz fizeram com que a Lei não tornasse a consulta médica prévia obrigatória, embora nós a consideremos aconselhável.

Ambos os instrumentos estão sujeitos a um período de validade de 5 anos. Contudo, a Lei acautela que se o outorgante se tornar incapaz no decorrer desse prazo, as diretivas mantêm a sua validade e eficácia. Assim, os doentes de Alzheimer podem realizar estes documentos sem receio de que quando eles venham a ser mais precisos (no momento da incapacidade) a sua eficácia já ter caducado.

Em conclusão, perante doenças prolongadas e com períodos de incapacidade para tomar decisões, as declarações antecipadas de vontade constituem um instrumento da maior utilidade para salvaguardar a autonomia dos cidadãos nesta fase da sua vida.

André Dias Pereira
Investigador do Centro de Direito Biomédico
Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

João Maia Rodrigues
Bastonário da Ordem dos Notários
Notário

Fonte: Alzheimer Portugal