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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Prontuário familiar infringe o Código de Ética Médica?

A exigência de prontuário familiar no Programa Saúde da Família e as normas que regem o registro de dados nesse documento foram alvos de dúvida de médico, encaminhada ao Cremesp. A Câmara Técnica de Medicina da Família e Comunidade responde com o parecer nº 83.916/10, com relatoria da conselheira Ieda Verreschi, aprovado pela Câmara Técnica de Bioética e de Consultas, e homologado em plenária de conselheiros em 12 de abril de 2011.

João Ladislau (ao centro), coordenador da Câmara Técnica de Medicina da Família: debate sobre dúvida encaminhada ao Cremesp

Os prontuários médicos são de extrema importância para os debates atuais da bioética e levantam questões novas relacionadas aos desafios contemporâneos para o cuidado das pessoas, famílias e comunidades.

A dúvida proposta poderia ser assim interpretada: “o prontuário familiar contém informações de todas as pessoas que moram no mesmo domicílio, entretanto, uma vez que o paciente deveria ter livre acesso às anotações do seu prontuário, não poderia também acessar as informações dos outros familiares, o que infringiria o artigo 73? Ou se lhe fosse negado acesso direto ao prontuário, estaríamos desrespeitando o artigo 88?”(ver texto sobre o Código de Ética nesta página)

Novo CEM
Numa primeira avaliação, poderíamos realmente interpretar o prontuário familiar e sua livre disponibilidade aos membros do domicílio como infração ao Código de Ética Médica, em seu artigo 73. Entretanto, devemos aprofundar alguns aspectos do Prontuário Familiar e do próprio objeto do ato médico.

O prontuário familiar surge no contexto da Estratégia de Saúde da Família, que se propõe a modificar a concepção de saúde e o modelo assis¬tencial vigente. O objetivo central desta estratégia é a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas Unidades Básicas de Saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população. Tal transformação só seria possível se também fossem modificados o objeto de atenção e a forma de atuação dos serviços.

A proposta mais sensível nesse contexto é a mudança do objeto de intervenção da Estratégia de Saúde da Família, que deixa de ser apenas o indivíduo (a quem pertenceria o prontuário individual) e passa a ser a pessoa, a família e a comunidade, num equilíbrio dinâmico e sem uma hierarquia estabelecida entre esses níveis.

Ferramenta integrativa
O prontuário familiar é apenas um reflexo de mudanças mais profundas na atenção à saúde. Ele surge como uma ferramenta que integra informações dos sujeitos e de como eles se relacionam, permitindo um melhor cuidado das pessoas e da família, e está de acordo com os artigos 32 e 87, parágrafo 1º, do Código de Ética Medica (ver abaixo), bem como com a Resolução 1.638, de 10/07/2002, do Conselho Federal de Medicina.


Código de Ética

Capítulo V - Relação com pacientes e familiares
É vedado ao médico:
Art. 32 - Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Capítulo IX - Sigilo profissional
É vedado ao médico:
Artigo 73 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exer¬cício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Capítulo X - Documentos médicos
É vedado ao médico:
Artigo 87 - Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
§ 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.
Artigo 88 - Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros.

Resolução

O Cremesp prepara resolução para regulamentar a questão do prontuário familiar, visando à orientação dos diferentes membros de um mesmo domicílio, a fim de definir os dados que são de acesso particular aos familiares, os de livre acesso e aqueles que são exclusivos da equipe de saúde, considerando o melhor cuidado das pessoas e dos grupos.

Agregar grupos facilita atendimento

O modelo exato do prontuário familiar pode variar de acordo com o serviço, mas as informações podem ser agregadas em três grupos:

1) Conhecimento comum a todos os membros (condições de habitação, número de pessoas no domicílio, endereço etc);
2) Individual (informações clínicas das consultas individuais, uso de medicações, planos terapêuticos individuais etc);
3) Familiar (que conteria impressões da equipe de saúde relacionadas à dinâmica e planos terapêuticos familiares, além das informações individuais que poderiam auxiliar nesse diagnóstico e terapêutica coletivos).

Enquanto no conhecimento comum os dados são abertos aos membros do domicílio, na parte individual deve-se disponibilizar cópias isoladas apenas ao respectivo paciente, porque estão sujeitas aos sigilos pessoal e profissional.

Assim, o prontuário familiar é mais uma ferramenta da equipe de saúde, compromissada com um grupo, do que propriedade de alguém. Em última instância, vislumbra o cuidado integral dos pacientes, famílias e comunidades.

Fonte: CREMESP