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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Parecer CFM nº 41/2010 - Médico ser perito de paciente seu: conduta antiética

PROCESSO-CONSULTA CFM nº 1.992/10 – PARECER CFM nº 41/10

INTERESSADO:
Comissão de Ética Médica do INSS – Gerência Campo Grande/MS

ASSUNTO:
Médico atuar como perito de seu próprio paciente em demandas previdenciárias e judiciais

RELATOR:
Cons. Renato Moreira Fonseca

EMENTA: Comete infração ética o médico que, no exercício da função de perito, realiza perícia médica em seu próprio paciente.

DA CONSULTA
O consulente argúi relatando que é fato comum e vivenciado por vários peritos médicos do interior do Estado do Mato Grosso do Sul, em demandas previdenciárias ou judiciais, por serem os únicos médicos existentes nas localidades, se verem, por força das circunstâncias, atuando como peritos do seu próprio paciente.

Pergunta: como deve proceder o médico em tal situação, à luz dos princípios éticos, cumprindo o previsto no Código de Ética Médica?

DO PARECER
A dúvida suscitada pelo consulente, apesar das inúmeras orientações normativas nesse sentido, nos leva à recomendação da leitura do Parecer CFM n° 18/06, que atendendo consulta realizada pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 5° Região e sob a lavra do conselheiro federal José Hiran da Silva Gallo faz brilhante esclarecimento sob a matéria em foco.

Todavia, com o novo Código de Ética Médica, em vigor desde 13.4.2010, entendo que nova manifestação deve ser proferida por este Conselho.

Assim, de acordo com a referida norma (Resolução CFM nº 1.931/09), se extrai a seguinte determinação:

“É vedado ao médico: Art. 93. Ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.” (negrito e grifo nosso)

O texto não inclui nenhum tipo de exceção para a prática deste ato médico, modalidade da Medicina Legal.

Logo, o médico tem a responsabilidade de cumprir os termos do art.14 do CEM, que diz:

“É vedado ao médico: Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País”. (negrito e grifo nosso)

Atentando-se para o fato de que, mesmo de cunho meramente administrativo ou judicial, o ato praticado está incluso na esfera prática da Medicina Legal.

Lembrando, ainda, que ao cumprir as determinações emanadas por esta autarquia, com os poderes conferidos pela legislação, em especial a Lei n° 3.268/57 e o Decreto n° 44.045/58, cabe ao médico zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão. Tal determinação não coaduna com a prática da perícia em próprio paciente, mesmo que o médico seja o único da cidade. Esta demanda deve ser solucionada pelo Estado, e não pelo cidadão titulado como médico.

Desta forma, para corroborar entendimento, ilustramos o previsto no Código do Processo Civil, que prevê em seu artigo 423:

“O perito pode escusar-se (art. 146), ou ser recusado por impedimento ou suspeição (art. 138, III); ao aceitar a escusa ou julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo perito. (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 1992)”

O mesmo Código prevê o impedimento, inclusive para o próprio julgador, como determina seu art. 137:

“Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (art. 304).”

O médico, na condição de perito, está investido em função relevante no cumprimento do princípio do interesse público. Suas conclusões são subsídios técnicos para colaborar com decisões de mérito no âmbito administrativo ou judicial. Assim sendo, este agente, o perito, deve declinar de sua competência quando verificar que seu ato pode ser colocado em suspeição, por motivo de impedimento de qualquer ordem.

A medicina traz em seu corolário, desde os primórdios, o caráter de profissão liberal, o que lhe outorga o direito à autonomia. Contudo, mesmo que a profissão médica esteja sujeita aos modelos socioeconômicos contemporâneos, com o médico transformado em assalariado ou servidor público, ainda assim a profissão não perdeu esta prerrogativa.

Por sua vez, a Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso XIII, estabelece que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

CONCLUSÃO
Portanto, ao se encontrar em tal situação deve o médico, de imediato, dentro da forma da lei, declinar competência para o múnus, sob pena de prejudicar a relação médico-paciente, absolutamente necessária para o bom relacionamento com o enfermo e a comunidade.

Diante do exposto, entendo que em nenhuma circunstância o médico que exerce a função de perito deve atuar como perito do seu próprio paciente.

Este é o parecer, SMJ.

Brasília-DF, 8 de outubro de 2010

Renato Moreira Fonseca
Conselheiro relator

Fonte: CFM