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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Parecer CFM nº 34/2010 - Obrigatoriedade de aceitação da nomeação como perito judicial

PROCESSO-CONSULTA CFM nº 2.210/09 – PARECER CFM nº 34/10
INTERESSADO:
CRM-PA

ASSUNTO:
Pagamento de honorários para emissão de laudos periciais para fins de apresentação junto a repartições públicas da União, Estado e/ou municípios

RELATOR:
Cons. Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti

EMENTA: O ato pericial em medicina é privativo e exclusivo do médico que, quando designado por autoridade judiciária, tem direito a ser remunerado quando, sem impedimentos, aceitar sua feitura.

Adoto, na íntegra, o parecer da Câmara Técnica de Psiquiatria deste Conselho Federal de Medicina, abaixo transcrito:

“O Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará encaminha a este Conselho Federal de Medicina consulta formulada pela Associação Paraense de Psiquiatria, que, em síntese, deseja “esclarecer dúvida acerca da forma de pagamento de honorários profissionais pela emissão de laudos periciais”. Os ilustres colegas consulentes tecem considerações, também, sobre as diferenças entre a relação médico-paciente e perito-periciando, bem como entre atestado médico e laudo pericial. Com razão em suas ponderações. Para bem responder a consulta, mister se faz, inicialmente, deixar bem claras as diferenças aventadas.

O primeiro ponto a ser discutido diz respeito ao tipo de relação que se estabelece entre médico-paciente e entre perito-periciando.

A relação médico-paciente é uma relação bilateral estabelecida em prol da atenção à saúde de uma pessoa (o paciente), que busca o auxílio profissional de outra (o médico). Tradicionalmente, está submetida a diversos princípios éticos, dentre os quais se deve ressaltar, visando o presente parecer, o da confidencialidade. Por esse princípio, as comunicações do paciente ao seu médico estão cobertas pelo sigilo profissional, com as exceções previstas em lei.

A relação perito-periciando, embora possa se estabelecer entre um médico e uma pessoa que, presumivelmente, padeça de alguma enfermidade, é de outra natureza. Trata-se de relação triangular, visto que sempre existe uma autoridade (judicial ou administrativa) que determina a perícia, a qual tanto o perito como o periciando estão igualmente vinculados. Além disso, o objetivo dessa relação não diz respeito a atenção à saúde do periciando (embora a ela possa se referir), mas sim a proporcionar informações para um processo judicial ou administrativo. Por essa razão, a regra da confidencialidade, tal como estabelecida na relação médico-paciente, não se aplica à relação perito-periciando.

Entende-se, assim, a norma do art. 93 do CEM, que corretamente veda ao médico “ser perito (...) do próprio paciente (...)”.

O segundo ponto a ser examinado diz respeito ao conceito de documento médico-legal. De acordo com Flamínio Fávero, em sua magnífica obra Medicina Legal, os documentos médico-legais são o atestado médico, o relatório médico-legal e o parecer médico-legal.

A doutrina médica brasileira, desde a centenária lição de Souza Lima, é unânime em definir atestado médico como “a afirmação simples e por escrito de um fato médico e suas consequências”. De tal singeleza, advém a norma prevista no atual Código de Ética Médica, no art. 91, que determina ao médico a obrigação de atestar atos executados no exercício da profissão, quando solicitado pelo paciente. Da mesma forma, o atestado é parte integrante da consulta, não podendo ser objeto de majoração de honorários para sua emissão.

Como se depreende, o atestado deve sempre se referir a questões não complexas, como, por exemplo, afirmar que determinado paciente goza de boa saúde ou padece de tal patologia, que deve manter resguardo por determinado período, que deverá se submeter ou já se submeteu a procedimento específico e/ou manifestações afins.

Em outro extremo, encontra-se o relatório médico-legal, o mais importante e completo dos documentos médico-legais, que pode se revestir da forma de laudo (quando redigido pelo próprio médico) ou de auto (quando ditado a um escrivão) ─ esta última costuma ocorrer nas perícias criminais realizadas por peritos oficiais. O relatório médico-legal é, pois, “a narração escrita e minuciosa de todas as operações de uma perícia médica determinada por uma autoridade policial ou judiciária”, e deve ser realizado por médicos peritos oficiais ou designados pela autoridade.

Assim, depreende-se que um médico possa emitir um laudo pericial quando designado perito pela autoridade, e somente após a realização dos procedimentos periciais. Fora isso, estaremos frente a um simulacro de relatório médico-legal.

Do exposto, alguns pontos podem ser estabelecidos:

1) O médico assistente (atual ou passado) de um determinado paciente não pode, sob qualquer hipótese, atuar como perito em caso que envolva aquela pessoa;
2) O médico poderá emitir atestado sobre a condição de saúde de seu paciente (ou ex-paciente), desde que devidamente autorizado, por escrito, pelo mesmo, como exige o art. 73 do CEM;
3) Requisição judicial ou ordem judicial, por si sós, não configuram dever legal ou justa causa para quebra de sigilo médico;
4) Um atestado médico é um documento singelo que não substitui a realização de perícia quando a autoridade judiciária ou administrativa entender que tal procedimento se faz necessário;
5) A perícia médica é um ato médico de alta complexidade, que demanda grande dedicação do profissional que a realiza e a adequada remuneração pecuniária.

Com os esclarecimentos acima se pode, então, examinar a questão em consulta, que diz respeito a honorários periciais, diretamente, e, indiretamente, à obrigatoriedade que um médico teria de aceitar sua designação como perito judicial.

No Brasil, em face das carências dos serviços públicos em geral, que não disponibilizam peritos oficiais em todos os rincões do país, não é raro que os magistrados designem médicos como peritos sob duas formas distintas: a) através da determinação de que a autoridade sanitária designe um médico subordinado para que exerça essa função; e b) através da nomeação direta de um médico da localidade como perito.

Na primeira hipótese, entende-se que o médico servidor público somente estará obrigado a realizar a perícia se, dentre suas atribuições funcionais, estiver prevista essa atribuição. Entretanto, esse é um caso para ser resolvido no âmbito da administração pública, e estranho a este CFM.

Na segunda hipótese, devem-se observar dois preceitos distintos que regulamentam o tema: a obrigatoriedade de aceitação do encargo, posto que múnus público, e a necessidade de adequada remuneração do profissional.

Ao ser designado perito, o médico terá, em princípio, o dever de aceitar a determinação judicial. A lei dispõe sobre as razões de recusa da função pericial, dentre as quais se encontram o “motivo legítimo” (na expressão do art. 146 do Código de Processo Civil) e a “escusa atendível” (na terminologia do art. 277 do Código de Processo Penal), as quais, se presentes, eximiriam o profissional desse dever. Dentre essas, uma tem especial interesse para este parecer: o dever de aceitar a elevada designação de perito não é sinônimo de aceitar trabalhar de graça ou por honorários vis ou simbólicos, como costuma acontecer nos processos de assistência judiciária gratuita (AJG). Nesse tipo de processos chega a acontecer frequentemente um grande absurdo: todos os seus protagonistas trabalham condignamente remunerados (juiz, promotor e escrivão percebem dos cofres públicos; e os advogados das partes com AJG fazem contratos de risco com seus constituintes) e o único a trabalhar de graça é o perito. Assim, depreende-se que o médico nomeado perito deve aceitar essa indicação se impedimentos ou suspeições não se fizerem presentes, porém a estipulação dos honorários é prerrogativa exclusivamente sua. Tal inteligência está de acordo com o disposto no Capítulo II, inciso X, do CEM, que declara como um dos direitos do médico o de “estabelecer seus honorários de forma justa e digna”.

Para que um médico exonere-se da função de perito em determinado processo, configura, também, “motivo legítimo” ou “escusa atendível”, na opinião deste CFM, o fato de estar atuando como perito em outro processo, posto que não se trata de funcionário público que tenha o dever de manter o serviço “em dia” (no caso, a demanda pericial de determinada jurisdição), mas tão somente de uma pessoa que, além de suas atribuições e responsabilidades habituais, está realizando uma atividade extraordinária e de colaboração com o Poder Judiciário.

Com isso, estabelecem-se parâmetros acordes com o espírito do sistema econômico nacional, baseado na livre iniciativa, no empreendedorismo e na autonomia das pessoas.

O parecer é, pois, no sentido de que, ao ser designado perito judicial em processo de assistência judiciária gratuita ou custeado pelas partes, o médico aceite o encargo desde que obedeça aos seguintes parâmetros:

1) A perícia médica é ato médico exclusivo;
2) O objeto da perícia esteja de acordo com sua capacitação técnica;
3) Não ser perito do seu próprio paciente ou se fizerem presentes outros impedimentos ou suspeições;
4) Que encaminhe ofício ao magistrado estabelecendo seus honorários periciais – que deverão levar em consideração o tempo despendido para o ato, a complexidade da matéria discutida e seu currículo profissional – e solicitando o prévio depósito.

Caso as partes não desejem arcar com esse custo ou o magistrado estabeleça parâmetros diversos, entende-se que se fará presente o “motivo legítimo” para recusa do encargo pericial.

É o parecer, SMJ.
28 de junho de 2010

José G. V. Taborda
Relator da Câmara Técnica de Psiquiatria do CFM”

Salvador-BA, 30 de setembro de 2010

Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti
Conselheiro relator

Fonte: CFM