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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Mulher vai fazer endoscopia e sai de hospital de SP sem braço direito

Ela sofreu trombose após injeção e teve membro amputado em 2009.
CRM apura se houve erro médico; vítima quer R$ 1 milhão de indenização.


Em 2009, uma vendedora do interior do estado de São Paulo entrou num hospital filantrópico da capital paulista para fazer um exame gastrointestinal, mas saiu de lá sem parte do braço depois de tomar uma injeção no pulso direito. A mulher se queixou de dores na região durante todo o dia 27 de abril daquele ano. Na manhã seguinte, seu membro não tinha mais circulação sanguínea. Foi constatada trombose no local e, após vários tratamentos sem solução, não restou outra alternativa aos médicos: eles amputaram o antebraço da paciente em 7 de maio.

Até sexta-feira (26) o Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, na Zona Leste, não sabia explicar a Rosely Viviani, de 48 anos, como foi possível ela ter se internado para uma endoscopia (exame que introduz cânula com câmera pela boca do paciente para se verificar doenças gastrointestinais) e dez dias depois ter um membro aparentemente saudável retirado.

Rosely só havia ido ao Santa Marcelina porque semanas antes teve diagnosticado câncer no útero e ovário e precisava fazer a endoscopia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para saber se tinha mais tumores em outros órgãos - o que não se comprovou. “Entrei no hospital com o meu braço e saí de lá sem ele. E até hoje ninguém me disse o que ocorreu”, disse a mulher, em entrevista ao G1 concedida em sua casa em Cerquilho, no interior de São Paulo. Ela é separada e mora com o filho André Luiz, de 11 anos. “Me disseram que tiveram de amputar do cotovelo para baixo senão eu ia morrer. Era meu braço ou minha vida.”

Em busca de respostas, uma comissão interna do próprio hospital e uma sindicância do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apuram o caso de Rosely para saber se houve erro médico. Existe a suspeita de que uma enfermeira tenha aplicado o sedativo para a realização da endoscopia na artéria em vez da veia. O remédio foi dado por meio de uma agulha, que já havia sido introduzida no pulso da paciente para ministrar outros medicamentos.

“Ela aplicou a injeção na artéria e não na veia. Fora isso, demoraram para ouvir meus pedidos de que eu estava com dor e havia algo errado. Passei mais de um dia com o braço dolorido”, lembrou Rosely.

Hospital e Cremesp também deverão verificar se ocorreu demora no atendimento de Rosely. A vítima se queixou que logo que tomou Diazepan no braço se queixou de dores, mas só foi socorrida 26 horas depois. “Eu chorava de dor, mas ninguém me atendia. Aí já era tarde. Não havia mais circulação sanguínea no braço. As pontinhas dos dedos começaram a ficar pretas, depois começou a escurecer na altura do pulso”, afirmou a mulher.

Caso haja comprovação de algum tipo de erro por parte do hospital, os médicos poderão ser punidos com suspensão administrativa pelo hospital ou até ter a licença para exercer a profissão cassada pelo Cremesp. Como o caso envolve uma enfermeira, o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) em São Paulo também foi procurado pelo G1 para comentar se apurava a denúncia. A assessoria de imprensa do conselho informou que não havia registro sobre o caso.

A outra hipótese que é apurada pelo Santa Marcelina e Conselho de Medicina é que o próprio organismo da mulher tenha reagido de forma inesperada a algum remédio. Se for constatada essa possibilidade, a equipe médica hospitalar é inocentada.

Punção arterial inadvertida e Fenômeno de Raynaud
Questionados sobre as apurações, hospital e Cremesp alegam que não podem dar detalhes antes das conclusões.

Procurada para comentar o assunto, a diretoria médica do Hospital Santa Marcelina informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “o caso referente à paciente Rosely Viviani está com a comissão de ética médica". "A comissão está apurando minuciosamente o ocorrido para verificar se houve erro médico ou não.”

O G1 não conseguiu localizar os médicos e enfermeiros que atenderam Rosely para comentar o assunto.

Apesar disso, a equipe de reportagem obteve documentos do Santa Marcelina que confirmam que o braço de Rosely só passou a apresentar problemas após a injeção que tomou. “(...) a paciente, após punção [aplicação da injeção], evoluiu com obstrução arterial aguda de MSD [membro superior direito]. Foi submetida à trombolectomia e heparinização plena, sem sucesso. Ontem foi submetida à amputação de antebraço direito”, escreveu uma ginecologista do hospital no parecer médico de 2009.

Outro relatório do Santa Marcelina daquele mesmo ano sugere duas causas possíveis para explicar essa “obstrução arterial” que originou a amputação do membro: a injeção ou um fato surpreendente. “Sugeriu a solicitação de parecer para cirurgia vascular aventando a hipótese de Fenômeno de Raynaud ou punção arterial inadvertida”, escreveu um médico.

Especialista e Associação das Vítimas de Erros Médicos
Segundo o médico Marcos Arêas Marques, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), uma “punção arterial inadvertida” pode causar isquemia (falta de circulação sanguínea) e até necrose dos membros do paciente, sendo necessária a amputação.

“A punção arterial é qualquer tentativa de pegar a artéria em vez da veia. Teoricamente é um erro que não deve acontecer”, disse o angiologista Arêas Marques, que estuda as doenças das veias e artérias.

Segundo o especialista, o Fenômeno de Raynaud é um espasmo involuntário das artérias das mãos e pode ter origem no próprio organismo humano ou ser causado por um fator externo, como uma injeção aplicada de forma errada.

“Esse vaso espasmo exagerado é percebido quando alguém coloca a mão na água fria e ela fica roxa. As extremidades ficam azuladas. Mas ele pode ser secundário a um trauma também. Por exemplo, uma punção inadvertida com medicação na artéria que era para ser feita na veia. A artéria leva sangue para a extremidade e caso seja aplicado algo nela, pode causar isquemia, falta de sangue, dor na mão e até a perda do membro”, disse Arêas Marques.

Ainda de acordo com o angiologista é comum a aplicação de Diazepan em pacientes antes de endoscopias. “Esse remédio tem o efeito de sedativo porque deixa a pessoa calma para que o procedimento seja mais confortável para o paciente. Mas ele tem de ser aplicado na veia e não na artéria”, afirmou Arêas Marques. “Se injetar remédio endovenoso em artéria pode ter problema, como a Iatrogenia, que é uma complicação adversa de um procedimento.”

“No meu entender ocorreu uma série de equívocos, que caracteriza má prestação de serviço, onde através de uma ação ordinária indenizatória, a vítima deverá ser ressarcida por danos morais, danos estéticos, pensão alimentícia pela incapacidade parcial etc. Houve uma grande demora para que houvesse socorro, 26 horas”, diz Célia Destri, presidente da Associação das Vítimas de Erros Médicos (Averme).

Ação indenizatória
Quase um ano depois da amputação, Rosely registrou queixa na Polícia Civil contra o Hospital Santa Marcelina, mas nenhuma investigação foi feita para apurar o que ocorreu com ela. “A declarante foi orientada a instruir ação civil, já que o prazo decadencial de seis meses para oferecer representação pela lesão corporal que sofreu expirou-se”, escreveu uma delegada num boletim feito na capital.

Sem dinheiro para pagar um advogado, Rosely procurou a Defensoria Pública, que entrou na Justiça com uma ação indenizatória por danos morais e materiais em favor da vítima cobrando R$ 1,2 milhão do hospital e do Governo de São Paulo. A Defensoria entende que ocorreram falhas no procedimento médico e demora no atendimento à paciente.

“Houve erro médico porque há indicativos nas provas obtidas de que houve falha e demora no atendimento e procedimento de aplicação. Essa ação de indenização proposta pela Defensoria visa ressarcir a vítima pelos prejuízos sofridos. Ela teve danos materiais e morais”, disse a defensora Renata Flores Tibyriçá, coordenadora da unidade da Fazenda Pública na capital paulista.

De acordo com a defensora, a ação também é contra o Estado porque, segundo ela, todo paciente com câncer atendido pelo SUS precisa de atendimento médico de alta complexidade e isso é responsabilidade do governo.

“Uma pessoa entra para fazer tratamento de câncer e sai sem braço? Isso é um absurdo”, disse Renata Tibyriçá, que pede uma prótese de mão e antebraço, além de um carro adaptado e uma pensão para o filho dela, caso Rosely venha a morrer. A mulher ainda realiza quimioterapia para conter o avanço do câncer. Ela já passou por cirurgia para retirar útero e ovários.

“Continuo fazendo quimioterapia, mas tenho certeza de que o que ocorreu com o meu braço não teve a ver com a doença. Eu não tive câncer no braço, era no útero e ovários”, disse Rosely, que deixou de trabalhar por conta da deficiência. Ela usava o carro, um Gol ano 1995, para comercializar roupas, mas, sem poder dirigir, vendeu o veículo por R$ 7 mil em dezembro de 2010. O dinheiro está servindo para pagar algumas parcelas das mensalidades da faculdade de pedagogia, que decidiu fazer após a amputação. Antes, ela cursava letras, mas desistiu ao entrar em depressão por conta da perda do membro.

Atualmente, ela recebe um salário mínimo por mês de um plano do Governo federal. “É um auxílio doença”, disse a mulher, que improvisou uma tipoia azul, daquelas usadas para apoiar um braço quebrado, no membro amputado. “Eu uso para esconder o dano que me causaram. Tenho vergonha de mim. Tenho vergonha de sair na rua. Ainda não superei o trauma.”

Rosely não usa mais maquiagem nem deixa o cabelo crescer acima da altura dos ombros.
“Perdi a vaidade”, afirmou a mulher, enquanto mostrava uma foto produzida dela tirada em Campinas. “Eu tinha 27 anos. Usava batom. Namorava e pensava em casar. Não tinha esse cotoco e essa cicatriz feia no cotovelo. Você acredita que às vezes acordo pensando que ainda tenho a mão direita. Eu consigo ter a sensação de mexer os dedos, os nervos estão aqui, mas os dedos não estão.”

O filho André Luiz ajuda a mãe nas atividades domésticas e a incentiva a escrever. “Eu era destra, agora tive de aprender a escrever com a mão esquerda. A letra ainda sai um pouco feia, tremida, mas estou melhorando a caligrafia”, disse a mulher, que torce por uma decisão judicial favorável.

“Eu quero a indenização. Lógico. É o meu direito. Não sei quanto tempo isso vai levar, mas espero que a Justiça seja feita. Só espero que não seja depois de eu morrer porque ainda tenho essa luta contra o câncer. Quero uma prótese mecânica para poder voltar a abraçar meu filho e amarrar meus tênis sozinha novamente. Quero ter um carro adaptado para voltar a trabalhar vendendo roupas como antes. Quero o que tiraram de mim de volta. Quero minha vida pacata e simples.”

A Justiça ainda analisa o pedido da indenização. De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, “a ação, que deu entrada em 11 de fevereiro deste ano, está em andamento na 4ª Vara da Fazenda Pública da capital". "Não há decisão a respeito do caso.”

O que dizem hospital e governo de SP
Procurado para comentar a ação de indenização que a paciente move contra o Santa Marcelina, o hospital respondeu que “o departamento jurídico também está acompanhando o caso, pois a paciente entrou com uma ação contra o hospital”.

O governo do Estado de São Paulo também foi procurado para falar sobre a ação, mas não respondeu aos questionamentos do G1.

Fonte: Globo.com