O cirurgião escolhido pelo paciente nem sempre é o que realiza a operação
Eles são velhos conhecidos nos hospitais, mas ignorados pelos pacientes que operam. São os ``cirurgiões dublês``, médicos que fazem cirurgias no lugar de outros colegas.
A Folha conversou com 14 médicos das áreas de oftalmologia, otorrinolaringologia, urologia, ginecologia, ortopedia, cardiologia, neurocirurgia, oncologia, anestesia e cirurgia plástica. Todos conhecem a prática e oito deles já atuaram como dublês.
Para o CFM (Conselho Federal de Medicina), desde que a pessoa seja informada de que outro médico vai operá-la, não há infração ética.
O usual, porém, é o paciente não saber. ``Ele vê seu médico na sala de cirurgia. Como vai imaginar que não será ele quem vai operá-lo?``, afirma um professor de oftalmologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O médico diz que, no início da carreira, atuou como dublê para outros médicos. ``Há oftalmos que operam para um monte de colegas que não dominam cirurgias de catarata e de miopia, por exemplo. Para o paciente, é até mais seguro ser operado por alguém mais experiente.``
Um otorrino que atua no Hospital das Clínicas e em vários hospitais privados também assume a condição de dublê. ``Normalmente, nem converso com o doente. Entro e saio do centro cirúrgico com ele sedado. O médico dele fica no campo cirúrgico, mas não põe a mão.``
Um neurocirurgião que atua nos principais hospitais privados de São Paulo conta que faz pelo menos quatro cirurgias de hérnia de disco por semana como dublê.
``Tenho colegas ortopedistas que não se sentem seguros com a técnica. Mas eles contam para o paciente que serei eu o cirurgião. A relação tem que ser transparente.``
Porém, em toda documentação relativa à cirurgia, o único nome que consta é do médico do paciente. O reembolso do plano de saúde também vai para ele -que depois divide o valor com o dublê.
EM NOME DO PAI
É o médico oficial que vai responder criminalmente e eticamente por eventuais problemas que ocorram na cirurgia feita pelo colega, segundo o secretário do CFM, o anestesista Desiré Callegari.
Há três anos, a enfermeira Sabrina Machado da Silva, 31, morreu após uma cirurgia plástica feita em São Simão (interior de SP) por uma médica filha do cirurgião contratado, segundo testemunhas.
À polícia, a médica confirmou a participação na cirurgia de Sabrina e de outros pacientes do pai.
A enfermeira morreu por hemorragia aguda. O caso tramita na Justiça e no Conselho Regional de Medicina.
ASSISTENTES
Outra prática corriqueira nos grandes hospitais são as cirurgias assumidas por médicos renomados, mas, na verdade, feitas quase que totalmente pelos assistentes.
``Por que a gente não fala sobre o Corinthians? É mais fácil ``, brincou Reinaldo Ayer de Oliveira, professor de bioética da USP, ao ser indagado sobre o assunto.
Para ele, do ponto de vista técnico, não há risco para o paciente. ``Existe pouca diferença entre um cirurgião com muita habilidade e seus assistentes. Eles têm que ter a mesma capacidade.``
Oliveira diz que, em algumas áreas, os assistentes operam melhor do que o chefe. Mas o paciente paga -e caro- por um médico de grife. É ético terceirizar o trabalho sem o conhecimento dele?
Callegari, do CFM, é enfático em dizer que isso não é ético. ``Se o médico é chefe de equipe, deve explicar ao paciente que só entrará no tempo nobre da cirurgia [por exemplo, na retirada de um tumor]. Tem que dizer ao paciente que não será ele quem vai abrir e fechar [o corpo].``
O que diz o Conselho Federal de Medicina
Desde que o médico informe ao paciente que um outro cirurgião vai operá-lo (totalmente ou parcialmente), não há infração ética
Como se prevenir contra dublês
Diga ao cirurgião que um parente seu, também médico, quer assistir à operação. Se houver recusa, pode ser um sinal de que há dublê na área
Fonte: Folha de S.Paulo / CLÁUDIA COLLUCCI
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.