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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sábado, 1 de julho de 2017

MPF requer revogação do Parecer CFM 3/2017

RECOMENDAÇÃO N. 65.440, de 30 de junho de 2017
PROMO 000871.2017.10.000/9

REQUERIDO: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - CFM

TEMA(s): TEMAS: 06.01.03.06. - Outras Formas de Discriminação (campo de especificação obrigatória), Especificação: Parecer 3 do CFM, que autoriza o médico do trabalho a utilizar dados de prontuário médico do trabalhador para negar o nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP).

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por seu órgão que ao final subscreve, com fundamento nos arts. 127 e 129, inciso III, da Constituição da República; e no art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar n.º 75/93, no que diz respeito ao recente Parecer n. 3/2017 do Conselho Federal de Medicina,

CONSIDERANDO que a Constituição Federal da República Federativa do Brasil estabelece como direito fundamental a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X da CF);

CONSIDERANDO que o art. 73 do Código de Ética Medica (Resolução 1.931/2009) veda a revelação “de fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo de justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente."

CONSIDERANDO que o art. 76 do Código de Ética Médica também veda a conduta de “revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade”;

CONSIDERANDO o evidente e inafastável conflito de interesses subjacente à situação em debate, porque nos exatos termos da Resolução 1.821/07 “ao médico que faz a coleta e o registro de todos os dados sigilosos do doente ou do segurado, porquanto depositário da plena confiança na relação médico-paciente estabelecida, cabe unicamente a obediência rígida às normas sobre o tema, previstas no Código de Ética Médica e na legislação complementar";

CONSIDERANDO que o art. 154 do Código Penal tipifica como crime a violação de sigilo profissional, consistente em "revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem", prevendo pena de detenção de 3 meses a 1 ano ou multa;

CONSIDERANDO que a conduta do médico em acessar prontuário do paciente para extrair dados que constarão de impugnação da empresa ao INSS, sem justa causa, configura de forma flagrante o crime de violação de sigilo profissional (art. 154 do CP), sem prejuízo da indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, da CF);

CONSIDERANDO que a empresa e os responsáveis legais respondem pelo crime de divulgação de segredo (art. 153 do CP), ao protocolar no INSS impugnação baseada em dados obtidos com violação ao sigilo profissional, sem prejuízo de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, da CF);

CONSIDERANDO que o § 2º do art. 21-A da Lei Nº 11.430-06 dispõe que “a EMPRESA poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social", sendo, portanto, da própria empresa interessada tal faculdade, e não do médico do trabalho;

CONSIDERANDO que o § 7º do art. 337 da Decreto nº 3.048-99, dispõe que “a EMPRESA poderá requerer ao INSS a não aplicação do nexo técnico epidemiológico ao caso concreto mediante a demonstração de inexistência de correspondente nexo entre o trabalho e o agravo”, e não o médico do trabalho;

CONSIDERANDO que somente o segurado e a empresa, e não o médico do trabalho, têm legitimidade para interpor requerimento administrativo perante o INSS impugnando a não aplicação ou o reconhecimento do nexo causal de natureza epidemiológica;

CONSIDERANDO a ausência de legitimidade do médico do trabalho, para, em seu nome, realizar impugnação administrativa, do reconhecimento do Nexo Causal Epidemiológico - NTEP pelo INSS;

CONSIDERANDO a absoluta ausência de justa causa ou dever legal na conduta do médico do trabalho que se utiliza de dados do prontuário do paciente para impugnar o nexo causal epidemiológico estabelecido pelo INSS;

CONSIDERANDO que a mitigação da privacidade do trabalhador mediante a revelação de informações constantes do prontuário médico dele implica o comprometimento da necessária relação de confiança que deve se estabelecer entre paciente-trabalhador e o médico do trabalho;

CONSIDERANDO que a doutrina e a jurisprudência vêm exigindo como requisito para reconhecimento da justa causa ensejadora da violação de sigilo profissional, a existência de fato que pode gerar graves danos a terceiros, como por exemplo a existência de doença sexualmente transmissível a parceiro sexual do paciente que se nega a informar esta condição, dentre outras da mesma gravidade e intensidade;

CONSIDERANDO que as hipóteses de justa causa que vêm sendo reconhecidas pela jurisprudência são configuradas pela existência de um interesse público, coletivo ou social que no juízo de ponderação atingem um patamar mais elevado do que a manutenção do sigilo, hipótese diametralmente oposta a contida no Parecer 3/2017.

CONSIDERANDO que a saúde é direito fundamental dos trabalhadores, devendo as empresas proceder à adequação do meio ambiente do trabalho, por meio da adoção de organização do trabalho adequada as características psicofisiológicas dos trabalhadores (NR 17);

CONSIDERANDO que o simples repasse das informações de prontuários médicos dos trabalhadores pelos médicos do trabalho com a finalidade de contestar o Nexo Causal Epidemiológico - NTEP mitiga a preferência no cuidado das medidas de organização do trabalho necessárias à promoção da saúde e prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho;

CONSIDERANDO que a Organização Mundial do Trabalho estima que 90% das doenças ocupacionais são subnotificadas no Brasil, mesmo percentual de subnotificação constatando pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio do IBGE, o que sugere o estrutural comprometimento dos médicos do trabalho contratados pelos empregadores;

CONSIDERANDO que o dever legal na hipótese em apreço milita justamente em sentido absolutamente contrário a matéria em questão, sendo fundamental ressaltar que a omissão de notificação de acidente do trabalho, doença do trabalho ou doença profissional, configuram o crime de omissão de notificação de doença compulsória, previsto no art. 269 do Código Penal;

CONSIDERANDO a grave e flagrante inadequação jurídica constante do Parecer 3/2017 do Conselho Federal de Medicina que concluiu que a “como a peça de contestação é dirigida confidencialmente ao médico perito previdenciário, imbuído também com o dever da guarda do sigilo profissional, mantém-se resguardadas a privacidade e a intimidade do paciente”, sendo que nos exatos termos da legislação de regência (Lei nº 11.430-06 e Decreto nº 3.048), a impugnação é feita pela empresa ao INSS, e não pelo médico do trabalho ao médico do INSS;

CONSIDERANDO que a existência de condição clínica ou subclínica do trabalhador e constante do prontuário não afasta, de plano, a existência do nexo causal ou concausal, notadamente relacionados à organização do trabalho, em face os exatos termos do art. 21, I, da Lei nº 8.213-91;

CONSIDERANDO que a doença que se origina de múltiplos fatores não deixa de ser enquadrada como patologia ocupacional se o exercício da atividade laborativa houver contribuído direta, mas não decisivamente, para a sua eclosão ou agravamento, nos termos do art. 21, I da Lei nº 8.213-91, aplicando-se para a verificação da concausa a teoria da equivalência das condições, segundo a qual considera-se causa, com valoração equivalente, tudo o que concorre para o adoecimento.

CONSIDERANDO que as funções precípuas dos médicos do trabalho estão contidas no item 7.4.8 da NR7 que assim as define: a) solicitar à empresa a emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT; b) indicar, quando necessário, o afastamento do trabalhador da exposição ao risco, ou do trabalho; 5 c) encaminhar o trabalhador à Previdência Social para estabelecimento de nexo causal, avaliação de incapacidade e definição da conduta previdenciária em relação ao trabalho; d) orientar o empregador quanto à necessidade de adoção de medidas de controle no ambiente de trabalho.

CONSIDERANDO que neste contexto incumbe ao médico do trabalho avaliar o meio ambiente do trabalho, apontando as medidas de adequação da organização do trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, CONSIDERANDO que em razão do instituto jurídico concausal acolhido pelo art. 21 da Lei nº 8.213-91 e nos termos do item 7.4.8 da NR 7, cumpre à empresa impugnar o reconhecimento do nexo causal epidemiológico demonstrando a adequação da organização do trabalho, nos termos da NR 17 e demais dispositivos legais aplicáveis.

CONSIDERANDO que o Brasil, nas últimas décadas, continua a presentar preocupantes indicadores em saúde dos trabalhadores, convivendo novos e antigos agentes de risco que vêm gerando uma multidão de trabalhadores lesionados, com profundos e deletérios impactos a saúde dos trabalhadores, seus familiares, à Previdência Social e ao SUS;

CONSIDERANDO que a proteção ao meio ambiente do trabalho e a adequação da organização do trabalho são as medidas preconizadas para reduzir o preocupante quadro de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais do Brasil.

CONSIDERANDO que os termos do Parecer 3/2017 do CFM não contribui para a efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, ao passo que torna vulneráveis os direitos dos trabalhadores, dos médicos do trabalho e das próprias empresas, sujeitando a todos a incontáveis demandas de natureza civil e criminal;

CONSIDERANDO que o Parecer 13-16 do CFM tutelava de forma adequada os direitos dos trabalhadores, dos médicos do trabalho e das empresas, ao consignar que para fins de impugnação perante o INSS, dentre outros, “O médico estará impedido de fornecer dados do prontuário médico ou ficha médica sem consentimento do paciente (funcionário), exceto para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa”;

CONSIDERANDO a Nota de Repúdio resultante do Fórum Nacional de Saúde do Trabalhador das centrais sindicais do Brasil, legítimos representantes dos interesses dos trabalhadores;

CONSIDERANDO os expressos fundamentos da Recomendação do Conselho Nacional de Medicina n. 16, de 12 de maio de 2017;

EDITA a presente NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA ao CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - CFM, para que adote de imediato as seguintes medidas:

1) A revogação do Parecer 3-2017 ou medida equivalente que lhe tire a existência, a eficácia e a efetividade;

2) A publicação em meios oficiais da revogação do Parecer n. 3 do CFM, ou medida a ela equivalente, para que os médicos do trabalho contratados por empresas se abstenham de utilizar dados de prontuários médicos dos trabalhadores com a finalidade de impugnar o reconhecimento do Nexo Causal Epidemiológico – NTEP pelo INSS;

3) A notificação das Centrais Sindicais e Confederações das Categorias Econômica e Profissional, do Conselho Nacional de Saúde - CNS, bem como da Associação Nacional de Medicina do Trabalho - ANAMT, para que dêem ampla divulgação da revogação ou medida equivalente, bem como dos termos da presente Notificação Recomendatória; e

4) A comprovação, em até 30 dias, do atendimento das medidas previstas nos itens 1 a 3 acima, por meio de peticionamento eletrônico dentro desta PROMO N. 871.2017.10.000/9.

O descumprimento da presente Notificação Recomendatória implicará no ajuizamento de Ação Civil Pública, sem prejuízo da aplicação de sanções cíveis e criminais cabíveis.

BRASÍLIA, 30 de junho de 2017

CHARLES LUSTOSA SILVESTRE
PROCURADOR DO TRABALHO