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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Brasileiras morrem ao fazer plástica mais barata em outros países

Atraídas pelo baixo preço, mulheres brasileiras buscam cirurgias plásticas em países vizinhos e morrem depois de operadas.

Em julho deste ano, Daniela Conceição e a filha Roberta se divertiam em uma das maravilhas da natureza: as Cataratas do Iguaçu. Elas são de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, mas a viagem não foi só de passeio. Roberta, de 27 anos, tinha três cirurgias plásticas marcadas em Cuidad del Este, município paraguaio na fronteira com o Paraná.

Roberta pesava 58 kg quilos e brilhava em concursos de beleza na cidade dela, mas queria um retoque no nariz, uma lipoaspiração e a colocação de próteses de silicone no bumbum. Tudo foi feito em um único dia, em uma clínica no Paraguai. Roberta ficou apenas 24 horas em observação. Depois, mesmo se queixando de fortes dores no corpo, foi liberada pelo médico. “Ele não olhou a perna dela e estava inchada. Mesmo leiga, eu vi que estava inchada”, revela Daniela Conceição.

As duas deixaram a clínica e voltaram para um hotel em Foz do Iguaçu. Roberta pediu então para a mãe um cachorro-quente. O pedido foi a última conversa entre mãe e filha. Era a hora da refeição no pós-operatório improvisado. Quando voltou com o lanche para o quarto, Daniela encontrou a filha desmaiada. Pediu a um atendente do hotel que chamasse ajuda.

Funcionário do hotel: A gente tem uma hóspede aqui, ela é brasileira, lá de Mato Grosso, mas ela passou, acho que, por uma cirurgia. Agora ela está no apartamento, se sentiu mal e parece que ela não tem mais sinal de vida.
Atendente do SAMU: E você está ao lado dela agora ou não?
Funcionário do hotel: Não, eu estou na recepção do hotel. Ela está no apartamento.
Atendente do SAMU: E quem que está do lado dela?
Funcionário do hotel: É a mãe dela.
Atendente do SAMU: E ela não está respirando...
Funcionário do hotel: Não. Parece que ela não tem mais respiração.

Segundo a equipe médica que tentou socorrer Roberta, ela morreu de embolia pulmonar causada por uma trombose na perna. Daniela acha que no pós-cirúrgico, ainda no Paraguai, a filha foi abandonada pelo médico.

“O que mais me chocou foi quando ele falou para mim que o hospital não tinha mais responsabilidade com ela. Na hora, eu não sei, eu deveria ter respondido para ele: ‘então, quem é responsável? O senhor’. Porque quem fez a cirurgia dela foi ele”, afirma Daniela Conceição.

“O cirurgião é o responsável. Ela só pode ser liberada, quando ela estiver efetivamente de alta”, declara o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila.

O médico que operou Roberta continua a atender em Ciudad del Este. As investigações ainda não começaram. Procurado pelo Fantástico, ele não quis dar entrevista.

Repórter: A Roberta precisava fazer essa cirurgia?
Daniela conceição, mãe de Roberta: Precisar, não precisava, mas a vaidade hoje em dia é tanta.

A publicitária Laura do Amaral também é de Campo Grande.

Repórter: Por que você fez cirurgia plástica? O que te incomodava?
Laura do Amaral, publicitária: Gordura localizada difícil de tirar na academia.

O Fantástico percorreu três países (Argentina, Bolívia e Paraguai) e constatou que Roberta e Laura são exemplos de uma grande movimentação nas fronteiras. É cada vez maior o número de pacientes brasileiras de cirurgiões plásticos estrangeiros. O motivo são os preços mais baixos.

“Hoje operei duas. Ontem, operei três. Anteontem, operei quatro. Na minha agenda, todos os dias têm cirurgia”, revela o médico.

Santa Cruz de la Sierra, a maior cidade boliviana, é um dos destinos mais procurados. A maioria das brasileiras escolhe as clínicas pela internet. Um médico usa um site, em português, para fazer propaganda, prática condenada pelo Código de Ética da Medicina. “Isso não é medicina, isso é comércio”, critica o presidente do Conselho Federal de Medicina.

A venda casada, proibida no Brasil, é comum nos países vizinhos. Um hotel no centro de Santa Cruz é conhecido entre as brasileiras que procuram cirurgia plástica. Ele pertence ao irmão do médico que é dono de uma clínica a poucos quarteirões do local. No pós-operatório, ao invés de um leito de hospital, as mulheres ficam nos quartos do hotel. No lugar de enfermeiros, atendentes comuns fazem curativos e dão banhos.

“Há meninas que vêm com pacote, tudo incluído, cirurgia e hospedagem”, aponta o dono do hotel. Ele conta ainda que recebe 25 brasileiras por mês.

Repórter: Quanto tempo você ficou na clínica?
Laura do Amaral, publicitária: Um dia.
Repórter: E depois disso?
Laura do Amaral, publicitária: Depois, eu vim para o hotel.

Os recibos pelas cirurgias saem em nome do hotel.

“Não há a intenção de oferecer um bom serviço, até porque você vai embora, vai desaparecer, não vai mais reclamar com ele. Então, é a sedução por um preço baixo, para fazer de qualquer forma”, ressalta José Horácio Abudib, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

A produtora dessa reportagem telefonou para outro médico na Bolívia. “Meu filho e minha sobrinha têm todo o esquema montado para oferecer para a senhora: pegar a senhora do aeroporto rumo à hospedagem e toda a cirurgia”, informa o médico pelo telefone.

Essa espécie de turismo médico movimenta uma cidade onde cintas cirúrgicas são vendidas em qualquer barraca e onde a fiscalização é pequena, segundo o presidente da Associação Boliviana de Cirurgiões Plásticos, Marcelo Salvatierra.

Ele afirma que algumas operações são feitas por médicos que não têm especialização em cirurgia plástica.

Foi também em Santa Cruz que a produtora do Fantástico fez uma descoberta assustadora.

Médico: Tem gente que morre, e tiram a prótese. Ou tem gente que não aceita, tira a prótese, esteriliza e vende a US$ 100. Esse que é o problema.
Produtora: Como é? As pessoas que morrem, eles tiram ...
Médico: Tiram e reesterelizam (a prótese), mas não o cirurgião. E vem o cara e vende. Vendem aqui também.
Médico: Tem muito cara sem-vergonha aqui. Nossa, tem muito.

A banalização das operações plásticas põe em risco todo o processo cirúrgico. O processo começa no pré-operatório.

A nossa produtora faz a primeira consulta com um médico boliviano em uma quinta-feira. Uma câmera escondida registra: ele diz não ter tempo para operá-la nos dias seguintes. “Estão chegando dez pacientes amanhã. Sábado, eu não tenho tempo. Domingo, segunda, terça, quarta, está tudo lotado”, diz.

A produtora insiste e ele de repente muda de ideia. “Amanhã à tarde, sim, ela pode”, aponta o médico.

A assistente do médico rapidamente marca os exames que serão feitos às pressas no dia seguinte: “Amanhã você vem cedo, às 8h30, para fazer exames. E faz a cirurgia à tarde”.

Às vezes, um telefonema basta para o acerto de mais uma cirurgia.

Médico: Se você vai realizar toda a cirurgia que você falou para mim, vou fazer um pequeno desconto: US$ 2,5 mil.
Produtora: Toda a cirurgia?
Médico: Nariz, peito, lipo. Se você preferir, ponho um pouco de glúteo.

“É também uma conduta antiética: o médico não pode receitar por telefone, não pode aceitar aquilo que o paciente diz. No final tem um até que oferece colocar gordura nos glúteos, para aumentar o bumbum de graça, o que ele daria como brinde. É algo totalmente antitético e absurdo”, condena o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila.

Nossa equipe vai a Porto Iguazú, na Argentina. É a primeira vez que o médico vê a produtora do Fantástico. Em 10 minutos, a cirurgia está marcada. Ele trabalha em uma pequena clínica, onde não há Unidade de Terapia Intensiva.

Produtora: Aqui tem UTI?
Médico: Na clínica, não. Tem no hospital em frente. As clínicas aqui são pequenas, não têm UTI.

O meio do processo é o que os médicos chamam de intra-operatório. É o que acontece na mesa de cirurgia. Em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, uma funcionária brasileira nos recebe em outra clínica sem UTI. “Nós não temos mesmo UTI. Eu já aviso de cara que não temos. É só a sala de cirurgia”, informa.

“Pequenos procedimentos podem ser feitos em clínicas sem UTI. Agora, quando você tem procedimentos conjuntos, como lipo, plástica no abdômen, mama, face, tem que ser feito em clínica, em hospital que tenha UTI”, aponta o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila.

A funcionária confirma outro risco causado pela banalização das cirurgias plásticas: o acúmulo de trabalho desses médicos. “Agora mesmo, no final de novembro, ele tem dez cirurgias marcadas. Cinco na quinta, cinco na sexta”, informa a funcionária.

O presidente da Sociedade Boliviana de Cirurgiões é contra o alto número de cirurgias diárias e repete o conselho que garante ter ouvido do brasileiro Ivo Pitanguy: “O melhor conselho que posso te dar é que durma bem, que descanse bem, antes de uma operação”.

No turismo médico da fronteira, o pós-operatório é a etapa mais abandonada.

Médico: Amanhã, faço à tarde a cirurgia.
Produtora: Quanto tempo eu fico aqui internada?
Médico: Um dia.

“Esse é o maior absurdo que eu estou vendo até agora. É você operar em um dia e no dia seguinte viajar, por terra, por avião, não importa. É você se submeter a algumas horas em que vai ficar com as pernas para baixo, a gente chama de êxtase venosa, ou seja, o sangue caminha muito lentamente e tende a se coagular”, afirma o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila.

Em telefonema para uma clínica boliviana, a nossa produtora é atendida por uma brasileira.

Produtora: Eu quero fazer lipoescultura, prótese de silicone.
Atendente: Você faz a cirurgia, que ele sempre opera em uma sexta, e sábado de manhã você vai embora para a sua casa.

O descaso dos médicos e a desinformação das pacientes podem fazer com que um simples pós-operatório se torne emergência hospitalar. A situação encontrada pelo Fantástico em todas as cidades visitadas se repete na Tríplice Fronteira.

Na maioria dos casos, as mulheres atravessam a Ponte da Amizade com pontos e curativos e deixam para fazer o pós-operatório do lado brasileiro, sem acompanhamento do médico paraguaio responsável pela cirurgia.

“Muitas pacientes acabam que, quando têm um problema, não conseguem retornar ao seu médico e ficam meio que vagando pela cidade procurando alguém que consiga resolver”, revela o cirurgião plástico Augusto Capobianco.

O Augusto Capobianco trabalha em Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira. De tanto atender a brasileiras operadas fora do país, se especializou em fazer cirurgias reparadoras.

“Uma paciente teve uma rejeição em um lado das próteses. Se ela tivesse próximo ao seu médico no dia em que ela teve esse problema, o médico facilmente poderia ter entrado com algum remédio, um antiiflamatório qualquer. Assim, foi necessário remover a prótese”, explica o cirurgião.

Às vezes, não é a paciente quem vai embora logo depois da cirurgia. Às vezes, é o médico quem deixa a cidade. O resultado é o mesmo: o abandono no pós-operatório.

Ao lado de Guajará Mirim, em Rondônia, cirurgiões de Santa Cruz de la Sierra alugam um hospital, do lado boliviano, para operar. As brasileiras só precisam atravessar o Rio Mamoré. Em março deste ano, a mulher de Francisco Oliveira morreu no hospital boliviano.

Antônia, de 33 anos, tinha passado por três procedimentos no mesmo dia: colocação de silicone, lipoescultura e aumento do bumbum. Morreu por embolia pulmonar. Deixou dois filhos: um de 13 anos, um de 8 anos. “Ela já era muito bonita. Não precisava”, comenta Valdelice Araújo Silva, irmã da vítima.

O médico que operou Antônia ainda não está sendo investigado. “As pessoas têm que procurar segurança. Não é um cirurgião plástico mais barato, não é a clínica mais bonita, nada disso adianta se não houver segurança”, aponta o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila.

Em agosto, a brasileira Eunice, de 57 anos, morreu depois de ser operada em Santa Cruz de la Sierra. A filha Rosangela Lemos dos Santos de lembra da dificuldade para conseguir informações em outro país: “Outra língua, outra legislação. Você não tem acesso. É muito difícil, principalmente para a gente que está aqui no interior”.

Quando Eunice entrou em coma, a família, que é de Rondônia, tentou trazê-la de volta em um avião com UTI, mas ela sofreu embolia pulmonar e não resistiu à viagem. O cirurgião, que não está sendo investigado, também não quis dar entrevista.

“Ela fez rosto, ela fez lipo, fez tudo, colocou silicone. Como é que uma pessoa dessa anda, deita? Como é que sobrevive depois? Mais louco é o médico que faz esse tipo de coisa, que o paciente vai na ânsia. ‘Eu quero ficar bonita, eu quero isso’. Mas o médico tem que ter cautela. É uma vida que está na mão dele”, lembra a filha de Eunice.

Fonte: Globo.com