PROCESSO-CONSULTA CFM nº 3.601/10 – PARECER CFM nº 36/10
INTERESSADO:
Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul
ASSUNTO:
Inventário de Depressão de Beck
RELATOR:
Cons. Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti
EMENTA: O Inventário de Depressão de Beck é instrumento de uso comum entre médicos e psicólogos tanto na clínica quanto nas investigações em pesquisas.
Trata-se de parecer solicitado pela profª. F.S.T. a respeito de veto à utilização do Inventário de Depressão de Beck em trabalho de conclusão de curso de Medicina, orientado por professor mestre em Psiquiatria.
O Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Catarina “não aprovou o estudo alegando que o referido questionário é um teste psicológico e só pode ser utilizado por psicólogo”.
Designado parecerista para tal demanda, o professor João Romildo Bueno, da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Federal de Medicina, fez os seguintes esclarecimentos:
“a) O Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory – BDI) é uma escala de autoavaliação que se destina a medir a intensidade de sintomas depressivos previamente definidos e não é um teste psicológico. Foi publicado originalmente na Revista de Psiquiatria e caracterizado entre as escalas de avaliação, e não como teste (cf: Beck AT, Waard CH, Mendelson M, Mock J & Erbaugh J. – An inventory for measuring depression – Arch Gen. Psychiatry 4: 561571, 1961);
“b) Já o Manual para o Emprego do Inventário de Beck foi publicado por uma empresa psicológica (cf: Beck AT, Steer RA & Brow GK – Manual fo the Beck Inventory – II – Psychogical Corporation, San Antonio – Tx, 1996).
E conclui:
“É possível ter havido confusão entre as duas publicações, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unisul. O BDI é normalmente empregado por psiquiatras que utilizam a autoavaliação de pacientes em pesquisas, o que também ocorre com psicólogos em pesquisas, ou em avaliações comportamentais. Desta forma, o pleito da referida professora é legítimo e conforme com os preceitos da pesquisa médica.”
DO PARECER
Como se pode depreender, o referido instrumento de avaliação é empregado tanto por médicos como por psicólogos e não pode ser tratado como de exclusiva aplicação e interpretação por psicólogos. Inúmeros psiquiatras o utilizam na clínica ou em pesquisas para validação diagnóstica, definição de estratégias terapêuticas e mensuração de aspectos evolutivos do tratamento. Como bem explicitado, “o BDI é normalmente empregado por psiquiatras que utilizam a autoavaliação em pesquisas, o que também ocorre com psicólogos em pesquisas, ou em avaliações comportamentais”.
Para melhor entender esta interface, necessário se faz apreciar o que diz a Lei nº 4.119/62, que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de Psicólogo, definindo as competências dos formados:
CAPÍTULO I - Dos Cursos
Art. 1º- A formação em Psicologia far-se-á nas Faculdades de Filosofia, em cursos de bacharelado, licenciado e Psicólogo.
Art.13 - Ao portador do diploma de psicólogo é conferido o direito de ensinar Psicologia nos vários cursos de que trata esta lei, observadas as exigências legais específicas, e a exercer a profissão de Psicólogo.
§ 1º- Constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:
a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
d) solução de problemas de ajustamento.
§ 2º- É da competência do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências.
Médicos se formam em faculdades de Medicina, da área das ciências biológicas; psicólogos se formam em faculdades de Psicologia, que por sua vez só podem funcionar vinculadas a faculdades de Filosofia, área das ciências humanas.
A interface se dá na expressão das alterações psicopatológicas no comportamento. Ao médico, privativamente, compete a avaliação psicopatológica e sua consequente projeção no ambiente. Ao psicólogo cabe avaliar o comportamento sem a análise da formação dos sintomas, embora os deva reconhecer e apreciar sob a ótica da solução de problemas de ajustamento.
O médico avalia para formar o diagnóstico nosológico e acompanhar prognosticamente esta evolução. O psicólogo avalia a expressão comportamental no ajustamento e aponta a solução para o problema de ajustamento.
Por tal razão, o Inventário de Beck deve estar disponível para os médicos e psicólogos, para aplicação em suas estratégias de abordagem.
CONCLUSÃO
O Inventário de Beck é instrumento de domínio comum de médicos e psicólogos em suas avaliações, devendo a posição adotada pelo CEP da Unisul ser revista com o devido lastro nas referências anteriormente discriminadas.
Salvador-BA, 30 de setembro de 2010
Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti
Conselheiro relator
Fonte: CFM
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.