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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Parecer CRM-MG 4/2021 - Prontuário do paciente e LGPD

 

PARECER CRM-MG Nº 4/2021 – PROCESSO-CONSULTA Nº 146/2020

PARECERISTA: Cons. Mário Benedito Costa.

EMENTA: As disposições estabelecidas pela Lei 13.709/2018 quanto à exigência de consentimento para preenchimento ou abertura de prontuário médico deverão ser cumpridas.

DA CONSULTA

Dirigiu-se a este Conselho Regional de Medicina o Sr. XXXX, advogado, OAB/MG XXXX, quando apresentou algumas considerações e solicitação de orientação conforme a seguir transcreve-se:

“...pelo presente solicito deste Conselho Regional de Medicina manifestação técnica no que concerne à ética do médico no exercício da Medicina. Trata-se de questionamentos quanto à eventual obrigação dos médicos, clínicas médicas e nosocômios (públicos ou privados) na obtenção de consentimento dos pacientes (novos e antigos) para a abertura e manutenção de prontuários médicos e demais informações cadastrais.

Diversas são as manifestações colhidas na internet (1) que apontariam a necessidade de coleta de consentimento do paciente. Contudo, a leitura da lei parece apontar caminhos distintos.

A questão do tratamento de dados pessoais e dados pessoais sensíveis está tratada na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei Federal 13.709/2018).

Quanto aos dados de saúde, especificamente, é tratada nos artigos 7°, VIII e art. 11, II, “f” da referida lei.

O Código de ética médica exige do médico o preenchimento do prontuário com dados do paciente e a evolução clínica (art. 87 da Resolução CFM Nº. 2.217/2018).

Observa-se que o Médico não possui autonomia ou liberdade para a abertura e preenchimento do prontuário do paciente, sendo incoerente a possibilidade de o paciente negar o consentimento ao tratamento de seus dados pessoais na hipótese de tratamentos de saúde.

Diante do EXPOSTO, pretende-se com a presente consulta obter respostas para as seguintes perguntas:

1. É obrigatório ao médico ou estabelecimento de saúde, após o início de vigência da lei federal 13.709/2018, colher o consentimento de novos pacientes para a abertura e preenchimento de prontuário médico?

2. É obrigatório ao médico ou estabelecimentos de saúde, após o início de vigência da lei federal 13.709/2018, colher o consentimento do paciente para a manutenção de prontuários médicos já existentes?

3. Na hipótese de recusa do paciente ao tratamento dos seus dados pessoais e dados pessoais sensíveis (2) pelo médico ou pelo estabelecimento de saúde, qual deve ser a conduta do médico ou do diretor clínico do estabelecimento de saúde? ...”

DO PARECER

Fundamentação

- Sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal 13.709/018) – LGPD

O Guia de Boas Práticas da LGPD no Ambiente da Administração Pública (https://www.gov.br/governodigital/pt-br/governanca-de-dados/GuiaLGPD.pdf), em seu item 1.2 Direitos do Titular, ressaltou que a LGPD trouxe o estabelecimento de uma estrutura legal que empoderou os titulares de dados pessoais, fornecendo-lhes direitos a serem exercidos perante os controladores de dados. Esses direitos deverão ser garantidos pelos responsáveis pela coleta, e guarda destes dados durante toda a existência do tratamento dos dados pessoais do titular.

Neste mesmo documento, de modo detalhado e objetivo, estão destacados os princípios básicos que consolidam os direitos dos titulares com relação ao tratamento de seus dados por terceiros, bem como diversos conceitos fundamentais, como o de dados pessoais, dados pessoais sensíveis, tratamento de dados e consentimento.

Dados Pessoais: informação relacionada à pessoa natural, identificada ou identificável.

Dados Pessoais Sensíveis: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou organização de caráter religioso, biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

Tratamento de Dados: Toda operação realizada com dados pessoais, como as que se   referem à coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.

Consentimento: manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada.

-Parecer do Departamento Jurídico do CRM-MG–Adv. Fernanda Rocha da Silva (OAB 140.652)

Diante dos questionamentos realizados pelo consulente, requereu-se ao Departamento Jurídico deste CRM a elaboração de parecer a propósito do referido tema (Documento anexo). Neste parecer dedicou-se especial atenção aos aspectos legais e jurídicos da LGPD, presentes na obrigatoriedade ou não do consentimento do paciente, no momento da realização do atendimento em saúde.  Os aspectos considerados foram as implicações do tratamento de seus dados pessoais e dados pessoais sensíveis nos prontuários médicos por ocasião da inauguração e/ou manutenção dos prontuários médicos.

Destacou-se deste documento o que segue: “... os reflexos jurídicos produzidos pela LGPD, que incidem, inclusive, na área de saúde, a fim de garantir e atender aos direitos de intimidade, da privacidade e da personalidade do titular dos dados, eventualmente paciente.

... a Lei 13.787/2018, regulamenta a digitalização e utilização de sistemas informatizados para guarda armazenamento e manuseio de prontuário médico. Impende ainda destacar a existência de previsão expressa no referido dispositivo, sobre a incidência da Lei 13.709/2018(LGPD) no disciplinamento da adoção e uso de meios eletrônicos, pelos profissionais de saúde, na elaboração dos prontuários médicos.

Ademais, cabe-nos esclarecer que, com a edição da Lei 14.010/2020, houve a prorrogação da vacatio legis referente aos dispositivos sancionadores da LGPD, somente significando que, desde 1º/08/2020, exige-se o cumprimento do conteúdo normatizado pela referida lei, mas seu eventual descumprimento ou inadequação não serão ainda penalizados.

... Determinou também, em seu artigo 07, inciso I, como regra a ser observada, o fornecimento de consentimento do titular do dado pessoal, para realização do tratamento de dados, inclusive para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária (art.07, VIII). E, em seguida, no art 08, esclareceu que este consentimento deve ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular, cujo ato deverá referir-se a finalidades determinadas, e as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais serão nulas (§4º. do art 08). Isto é, para cada tratamento a ser realizado, exige-se um consentimento específico do titular do dado a ser tratado, já que consentimentos genéricos são considerados nulos.

No entanto, no art 9, §3º., a Lei estabeleceu que, quando o tratamento de dados pessoais for condição para o fornecimento de produto ou de serviço ou para exercício de direito, o titular será informado com destaque sobre fato sobre os meios pelos quais poderá exercer os diretos do titular elencados no art. 18desta Lei. O que acreditamos tratar do caso dos prontuários médicos, visto que o consentimento do titular dos dados ao tratamento (de dados) a ser realizado pelo profissional de saúde apresenta-se como condição para a atuação médica deste e, consequentemente, da prestação do referido serviço. Observa-se que não há dispensa do consentimento livre e expresso, mas o dever de o agente de tratamento (controlador e operador) em esclarecer o titular acerca de sua necessidade para a efetivação da prestação dos serviços médicos, categoria na qual se enquadraria o profissional médico.

... No inciso II do art. 11, previu as hipóteses nas quais o tratamento dos dados sensíveis pode ocorrer, sem o fornecimento do consentimento do titular, incluindo aí a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária. Dispensa que nos induz à compreensão de que o tratamento de dados pessoais sensíveis pode se dar nos prontuários médicos, independentemente de consentimento do titular ou responsável, pois essa situação se enquadraria na previsão do art 11, II da LGPD, devido à natureza do serviço a ser prestado pelo profissional de saúde. O mesmo artigo previu, de outro modo, a vedação ao compartilhamento e comunicação desses dados entre os controladores que tenham o intuito de auferir vantagem econômica, ressalvando aqueles que forem necessários para a assistência e prestação de serviços à saúde.

... o art 14 LGPD disciplinou o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, o qual deve ocorrer para atender ao melhor interesse desses.  ...  o tratamento de dados de crianças, somente pode ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou responsável legal. Prevendo ainda como única hipótese na qual pode se dar a coleta de dados pessoais de crianças, sem o devido consentimento, quando for necessária para contatar os pais ou responsável legal... a dispensa do consentimento é provisória... vedando-se o armazenamento e permitindo que a utilização seja feita uma única vez.

...  entendemos que, para que se dê o tratamento de dados de crianças em prontuários médicos, seria inafastável o fornecimento do consentimento por um de seus pais ou do responsável legal.

... no caso dos adolescentes...  faz-se prudente que o consentimento seja também fornecido por eles, durante o tratamento de seus dados pessoais em prontuário médico.

... destacamos a necessidade de adequação e ajustamento dos profissionais e estabelecimentos de saúde ao disposto nas Leis 13.709/2018 e 13.787/2018, a fim de que sejam assegurados os direitos fundamentais ali protegidos, da liberdade, da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

-Posicionamento do Conselho Federal de Medicina (CFM)

Sobre a LGPD, manifestou-se o CFM por meio do despacho COJUR nº. 499/2019 (Cópia anexa), em que foram considerados os reflexos jurídicos da vigência da LGPD no âmbito da prática da medicina. Este tema tem sido objeto de constante atenção do CFM, tendo sido instituído um grupo de trabalho para análise dos eventuais efeitos da LGPD para a classe médica. Ainda não foram publicadas as conclusões do referido grupo de trabalho.

Respondendo ao Consulente:

Em resposta aos quesitos apresentados pelo consulente, são endossadas as respostas apresentadas pelo Departamento Jurídico do CRM-MG, a seguir transcritas:

1. É obrigatório ao médico ou estabelecimento de saúde, após o início de vigência da lei federal 13.709/2018, colher o consentimento de novos pacientes para a abertura e preenchimento de prontuário médico?

R. SIM, desde agosto de 2020, com vigência da Lei 13.709/2018 (LGPD), tornou-se obrigatório o fornecimento de consentimento para o tratamento de dados pessoais, inclusive, para o prontuário médico, observados os adolescentes o disposto no art 9º, §3º da LGPD e o que se refere ao tratamento de dados de crianças.

2. É obrigatório ao médico ou estabelecimentos de saúde, após o início de vigência da lei federal 13.709/2018, colher o consentimento do paciente para a manutenção de prontuários médicos já existentes?

R. SIM, nos mesmos termos apontados anteriormente, no entanto, sugerimos que o consentimento seja colhido na primeira oportunidade que houver o contato do médico/estabelecimento de saúde com o paciente/titular dos dados.

3. Na hipótese de recusa do paciente ao tratamento dos seus dados pessoais e dados pessoais sensíveis (2) pelo médico ou pelo estabelecimento de saúde, qual deve ser a conduta do médico ou do diretor clínico do estabelecimento de saúde?

R. Deve ser observado o disposto no art 9º, §3º da LGPD, no que trata dos dados pessoais, que assim dispôs:

Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso:

...

§3º Quando o tratamento de dados pessoais for condição para o fornecimento de produto ou de serviço ou para o exercício de direito, o titular será informado com destaque sobre esse fato e sobre os meios pelos quais poderá exercer os direitos do titular elencados no art. 18 desta Lei.

SMJ

Este é o Parecer.

Belo Horizonte, 14 de janeiro de 2021

Cons. Mário Benedito Costa

Parecerista

Aprovado em Sessão Plenária do dia 14dejaneirode 2021.

Fonte: 4_2021.pdf (cfm.org.br), acesso em 28/01/2021

 

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