Vigilância Sanitária recebeu denúncia sobre aplicações de hidrogel em GO.
Órgão tentou flagrar ação, em julho passado, mas mulher não compareceu.
A Vigilância Sanitária de Catalão, no sudeste de Goiás, recebeu uma denúncia contra a falsa biomédica Raquel Policeno Rosa, de 27 anos, mais de três meses antes dela aplicar hidrogel no bumbum da ajudante Maria José Medrado de Souza Brandão, 39 anos, que morreu no último dia 25, após o procedimento.
Um e-mail enviado ao órgão, no dia 10 de julho deste ano, dizia que a mulher fazia as “aplicações de substâncias duvidosas", em ambientes que não eram adequados e sem acompanhamento "de profissionais capacitados, como cirurgiões plásticos com cursos específicos”. A Vigilância Sanitária de Catalão afirma que investigou o caso, mas não conseguiu localizar a suspeita.
O e-mail informou ainda que sessões de aplicações estavam agendadas em um salão de beleza da cidade nos dias 14 e 15 de julho, datas anteriores a um curso de bioplastia que Raquel fez em Mogi Guaçu (SP) entre os meses de agosto e setembro e que, segundo ela, a qualificou para os procedimentos.
No entanto, segundo a polícia, Raquel não tem formação na área da saúde e não poderia fazer aplicações de hidrogel. "Ela está convicta de que não errou [no caso de Maria José] porque fez um curso de bioplastia estética, com duração de 15 dias, e disse que a morte está relacionada a outro fator. Mas esse curso não a qualifica para os procedimentos", declarou a delegada responsável pelo caso, Myrian Vidal.
A Vigilância Sanitária de Catalão afirma que, na ocasião da denúncia, tentou encontrar Raquel, mas não obteve sucesso.
“A denúncia chegou via e-mail e uma fiscal entrou em contato com ela para agendar o procedimento. Mas ela disse que era preciso juntar pessoas. Aí marcou uma vez em Catalão, mas por desconfiar bastante, acabou desmarcando. Mais tarde, agendou para Goiânia. A partir daí, enviamos as informações para a Vigilância Sanitária da capital, com endereço, mas não houve êxito em encontrá-la”, explicou o coordenador de Vigilância Epidemiológica, Diego Rodrigues.
O G1 entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia para confirmar se a Vigilância Sanitária da capital chegou a receber a denúncia, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Depoimento
Raquel prestou depoimento à polícia na tarde de segunda-feira (3). Ela apresentou o certificado de conclusão do curso de bioplastia estética, feito no Instituto Folha Verde, em Mogi Guaçu, interior de São Paulo, com carga horária de 60 horas, entre 18 de agosto e 5 de setembro deste ano.
Coordenador do instituto, Carlos Firmino informou que Raquel procurou o curso dizendo que trabalhava como esteticista e que iria fazer a bioplastia junto com um médico. "Ela disse que já tinha feito o procedimento com outro produto, mas que ficou insegura e queria aprender a parte científica", lembra.
A instituição reafirma que não indicou o uso de hidrogel para a mulher e que, de acordo com o certificado, ela não tinha qualificação para realizar procedimentos com o produto. Após a divulgação do caso, o curso foi suspenso pelo Instituto Folha Verde.
A delegada Myrian Vidal já havia descartado qualquer qualificação profissional de Raquel, que se apresentava como biomédica. “Fizemos a consulta nos conselhos de biomedicina existentes no Brasil e o nome dela não consta entre os profissionais. Aliás, em nenhuma área da saúde", explicou.
Aplicações
No depoimento, Raquel disse que fez aplicação de hidrogel duas vezes em quatro pacientes, entre elas, a Maria José. Em um primeiro momento, o procedimento foi realizado em um hotel. Dias depois, as mesmas pacientes realizaram retoques com ela em uma clínica estética. Entretanto, Raquel afirma que não tem o nome completo ou contato de suas clientes por ter perdido seu celular, onde estariam todas as informações.
Segundo o Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a aplicação de hidrogel é um procedimento exclusivo para médicos. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Erso Guimarães, informou ao G1 que desconhece a profissão de bioplasta. "Existem 14 profissisões regulamentadas pelo Ministério do Trabalho na área da saúde, como por exemplo médico, enfermeiro e fiosioterapeuta. Bioplasta não é um delas", afirmou.
Após a morte de Maria José, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) publicou uma resolução proibindo o trabalho médico em estabelecimentos como clínicas de estética e salões de beleza. A norma começou a vigorar no último dia 29.
Laudo
A delegada Myrian Vidal disse que espera um laudo do Instituto Médico Legal (IML) para comprovar se a morte de Maria José está relacionada ao procedimento estético. Caso seja confirmado, Raquel deve ser indiciada por homicídio doloso, quando há a intenção de matar. Isso porque, para a delegada, a bioplasta demorou a orientar a paciente a procurar um médico.
Além dela, o namorado também passou a ser investigado após a constatação de áudios no celular da vítima, nos quais a falsa biomédica relata a presença do companheiro durante as sessões. A expectativa é de que ele seja ouvido na próxima sexta-feira (7). “Segundo a autora, ele participou apenas no primeiro momento, e teria ido massagear um dos glúteos da Maria José, visando espalhar melhor o líquido que ela já havia injetado”, relatou a delegada.
Myrian afirmou também que o rapaz mencionado na gravação é professor de línguas estrangeiras e não tem qualquer formação na área estética ou de saúde. O casal pode ser indiciado pela morte e deve responder por exercício ilegal da medicina.
Internação
Maria José aplicou hidrogel no bumbum no último dia 24. Após se sentir mal, ela foi internada no Hospital Jardim América, em Goiânia, e morreu na madrugada do dia seguinte, com suspeita de embolia pulmonar. Era a segunda vez que a ajudante de leilão fazia o procedimento - a primeira vez fora 15 dias antes.
Em áudios conseguidos com exclusividade pela TV Anhanguera, Maria relatou a Raquel que sentia dor no peito e falta de ar. É possível notar que a paciente estava ofegante e fraca, mas a responsável pela aplicação descartou riscos e orientou a vítima a comer "uma coisinha salgada".
Momentos depois, Maria encaminhou uma mensagem escrita dizendo: "Tenho medo de AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Minha mãe morreu cedo disso". Nesse momento, Raquel deu uma risada e descartou a possibilidade de paciente sofrer do problema. "AVC não dá falta de ar não. AVC é no cérebro, não dá falta de ar. Pode ficar tranquila. Você fuma? Alguma coisa assim? Você costuma praticar atividade física? Pode ficar tranquila que tem a ver com a tensão, não tem nada", salientou.
Anúncios na internet
A ajudante de leilão conheceu o trabalho da mulher por meio de anúncios na internet. Em um grupo de no aplicativo de celular Whatsapp, Raquel também fazia propaganda de seu trabalho. "Faço bioplastia de glúteo. Se alguém tiver interesse, me chame inbox". Ao ser questionada sobre valores, ela informou que cobra até R$ 3,9 mil pelo procedimento e promete um "resultado imediato".
A dona da clínica onde Maria José passou pelo procedimento, a esteticista Clênia Marques Rosendo, disse à polícia que não sabia qual o procedimento seria realizado no local e por isso decidiu local uma das salas para a mulher por R$ 250 a diária. A clínica foi interditada no último dia 28 de outubro por não possuir alvará sanitário. Além disso, o local também foi multado em R$ 2 mil.
Fonte: G1/Goiás
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.