Estudante diz que fez duas sessões em hotel de Goiânia e sofre com dores.
Polícia identificou 12 pacientes e analisa uso de hidrogel ou silicone industrial.
Imagens cedidas pela mulher de 35 anos, que afirma ter feito aplicações para aumento de bumbum com a falsa biomédica Raquel Policena Rosa, de 27 anos, mostram o momento em que o procedimento foi realizado em um hotel de Goiânia. A cliente, que é estudante de biomedicina e trabalha em uma clínica médica, diz que não desconfiou da postura de Raquel. “Quase morri e ainda estou assim, correndo risco de embolia, pois [o material] está correndo na minha corrente sanguínea. Estou tomando antibiótico, não durmo. Vocês não têm noção da minha tortura”, disse.
A estudante de biomedicina conta que fez as sessões nos últimos dias 12 e 24 de outubro e que, logo após a segunda aplicação, se sentiu mal. Ela buscou ajuda médica e ficou quatro dias internada. Atualmente, ainda continua a fazer tratamento e diz que não consegue ver como está seu bumbum. “Eu nem olho. Fazem o curativo e eu não quero ver. Só vou olhar depois de cicatrizado, com tudo arrumado”, diz.
A Polícia Civil investiga se a substância aplicada na cliente e em outras 11 mulheres, incluindo a ajudante de leilão Maria José Medrado de Souza Brandão, 39 anos, que morreu no último dia 25, foi hidrogel, como disse Raquel em depoimento, ou silicone industrial. “Identificamos já várias vítimas e dentre elas algumas que já passaram por atendimento médico, ou seja, já foi drenada alguma substância do glúteo delas. Algumas têm nos informado que existe a possibilidade daquilo ser silicone industrial”, disse.
O advogado que defende Raquel, Ricardo Naves, diz que a polícia precisa fazer uma análise profunda sobre o produto usado, principalmente para saber se ela tinha noção de riscos. "Se ela utilizou um produto que é nocivo, e talvez letal, é preciso saber se ela tinha consciência disso. E mais: se ela adquiriu esse produto sabendo disso", afirmou.
Para a estudante que fez o procedimento com Raquel, o uso de silicone industrial é a hipótese mais provável. “No momento eu achava que era hidrogel, mas hoje, com as consequências que estou tendo, acredito que seja silicone industrial mesmo. Eu estou quase perdendo meu casamento nessa brincadeira, estou perdendo tudo. Não estou trabalhando, não estou fazendo nada”, lamentou.
Segundo a delegada Myrian Vidal, titular do 17º Distrito Policial de Goiânia e responsável pelo caso, além da vítima fatal, mais sete mulheres já prestaram depoimento e confirmaram que fizeram o procedimento com a suspeita. Outras quatro já foram identificadas e devem prestar depoimento nesta semana.
Outra cliente
Uma adolescente de 17 anos, que também afirma ter feito aplicações com Raquel, conta que não desconfiou quando ela disse que o procedimento seria feito em um hotel. “Ela falou que, como ela trabalha em Catalão [sudeste de Goiás], não podia, não tinha clínica aqui, ela poderia fazer no hotel, normal”, diz.
A garota contou, em entrevista ao G1, que o contato com Raquel foi feito por meio de um aplicativo de celular. "Conheci ela por meio de um grupo, o ‘Tudo para Elas’, do Whatsapp. Mandei para ela se poderia fazer e ela disse que não tinha nenhum problema. Ela não perguntou nada, não pediu nenhum exame nem documento", contou.
A menor diz que Raquel apresentou um diploma, para garantir que era uma profissional capacitada para fazer as aplicações. "Eu confiei nela. Ela me mostrou um diploma de biomédica no nome dela”, conta.
A garota afirma que o namorado de Raquel, identificado como Fábio, também participou do procedimento. "Ela disse que ele era formado em enfermagem. Fiz as duas no mês de outubro, em um intervalo de 15 dias, mas não me lembro bem a data certa. A primeira foi no hotel e a segunda na clínica. Depois da segunda, passei mal, senti falta de ar. Liguei para ela e ela falou para eu comer alguma coisa”, relata a menor.
Após o segundo procedimento, ela afirma que se sentiu mal e procurou ajuda médica. "Senti dor no lado direito do bumbum. Começou a vazar líquido. Avisei e ela mandou eu colocar cola instantânea. Achei esquisito, mas coloquei. Fui ao médico e ele disse que vai ter que tirar o líquido. Estou esperando os exames para ver como vou fazer. Me arrependo muito”, ressaltou.
Hotel
Imagens do circuito interno de um hotel, divulgadas pela polícia na última sexta-feira (7), mostram o momento em que Maria José foi recebida por Raquel. A falsa biomédica ficou hospedada no local por três dias e aparece circulando com o namorado antes do procedimento. O hotel é onde a ajudante de leilão fez a primeira intervenção.
Um dos vídeos, gravado no dia 12 de outubro, mostra que, por volta das 19h10, Raquel, que usava um vestido preto, vai em direção ao elevador. Em seguida, às 19h24, Maria José e o filho entram no quarto. Após quase duas horas, às 21h18, a ajudante de leilão e o filho deixam o local e é possível perceber que eles mantêm uma conversa.
O depoimento de Fábio deveria ter ocorrido na última sexta-feira (7), mas segundo a delegada, o advogado pediu um prazo maior para que ele se apresente, o que deve acontecer nesta semana. O nome dele aparece em áudios obtidos no celular de Maria José e, segundo a polícia, não tem qualquer formação na área estética ou de saúde, mas participou das aplicações de hidrogel feitas na vítima.
Raquel negou que o namorado tenha participado das aplicações. Entretanto, o filho de Maria José afirmou que viu o rapaz efetuando o procedimento.
Para a polícia, ficou constatado que o socorro demorou a ser prestado e, por isso, ela deve responder por homicídio doloso, quando há intenção de matar. Além disso, tanto ela quanto o namorado podem responder por exercício ilegal da medicina.
Bioplastia
Raquel apresentou à polícia o certificado de conclusão de um curso de bioplastia no Instituto Folha Verde, em Mogi Guaçu (SP). Fábio também esteve presente nas aulas, mas não chegou a se matricular.
Segundo Carlos Firmino, coordenador do instituto, Raquel não poderia fazer qualquer procedimento sem a presença de um médico e que durante o curso nunca foi indicado o uso de hidrogel.
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Erso Guimarães, disse que desconhece a profissão de bioplasta. "Existem 14 profissões regulamentadas pelo Ministério do Trabalho na área da saúde, como por exemplo, médico, enfermeiro e fisioterapeuta. Bioplasta não é um delas", afirmou.
Após a morte de Maria José, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) publicou uma resolução proibindo o trabalho médico em estabelecimentos como clínicas de estética e salões de beleza. A norma começou a vigorar no último dia 29 de outubro.
A falsa biomédica chegou a ser denunciada pela Vigilância Sanitária de Catalão, no sudoeste do estado, mais de três meses antes da morte de Maria José. Apesar disso, ela não foi encontrada pelo órgão.
Morte
Maria José fez a segunda aplicação de hidrogel no bumbum no dia 24 de outubro, em uma clínica na capital. Após se sentir mal, ela foi internada no Hospital Jardim América, em Goiânia, e morreu na madrugada do dia seguinte, com suspeita de embolia pulmonar. Era a segunda vez que a ajudante de leilão fazia o procedimento - a primeira vez fora 15 dias antes.
Em áudios conseguidos com exclusividade pela TV Anhanguera, Maria relatou a Raquel que sentia dor no peito e falta de ar. É possível notar que a paciente estava ofegante e fraca, mas a responsável pela aplicação descartou riscos e orientou a vítima a comer "uma coisinha salgada".
Momentos depois, Maria José encaminhou uma mensagem escrita dizendo: "Tenho medo de AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Minha mãe morreu cedo disso".
Nesse momento, Raquel deu uma risada e descartou a possibilidade de paciente sofrer do problema. "AVC não dá falta de ar não. AVC é no cérebro, não dá falta de ar. Pode ficar tranquila. Você fuma? Alguma coisa assim? Você costuma praticar atividade física? Pode ficar tranquila que tem a ver com a tensão, não tem nada", salientou.
Fonte: G1/Goiás
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.