Por Jomar Martins
Quem faz triagem de exame para doação de sangue não pode alegar abalo moral por resultado inconcluso ou falso-positivo, desde que o hospital tenha informado que este não se presta para fins de diagnóstico definitivo de doenças. Com este entendimento, já pacificado em jurisprudência, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em votação unânime, negou provimento à apelação de um doador de sangue.
Ele não conseguiu provar na primeira instância abalo moral por resultado inconcluso para suspeita de hepatite. O julgamento do recurso aconteceu no dia 17 de fevereiro, com a presença dos desembargadores Paulo Roberto Lessa Franz, Túlio de Oliveira Martins e Maria José Schmitt Sant’Anna (relatora). Cabe recurso.
O apelante informou que, em 2007, doou sangue no Hemocentro de Canoas — município vizinho a Porto Alegre. Posteriormente, recebeu correspondência do banco de sangue, convocando-o a fazer novos exames – pela possibilidade de resultados falso-positivos. O segundo exame também restou inconclusivo. Somente após o terceiro exame, em outro laboratório, é que ele descobriu não ser portador de hepatite. Pelo exposto, disse que o Hemocentro falhou na prestação do atendimento. Defendeu a ocorrência de danos morais, pelo abalo psicológico, pois sofreu por ter convivido com a suspeita de ser portador de hepatite.
Na sua defesa, o Hemocentro esclareceu que segue rigorosos procedimentos para o processamento e o controle de qualidade do sangue coletado. Advertiu que os testes no material doado servem apenas para triagem, sem finalidade de diagnóstico específico. Desse modo, apresentam, naturalmente, grande sensibilidade, porém pouca especificidade — o que os aparta da determinação de patologias que envolvam o doador. Ao fim, disse que não se poderia cogitar a responsabilidade objetiva, pois ficou demonstrado que o doador já estava ciente, de antemão, de que não portava hepatite.
Para a relatora do recurso, desembargadora Maria José Schimitt Sant’Anna, a controvérsia residiu na possibilidade de falha em exame de sangue disponibilizado para doação. Na visão do apelante, isso atrairia a responsabilização civil do banco de sangue. A julgadora disse que era importante, inicialmente, seguir a linha de atuação dos agentes do Hemocentro, a partir do instante em que verificaram sinais alheios à normalidade na primeira amostra de sangue submetida à triagem.
Logo após a doação, em 28 de abril de 2007, seguiu correspondência para a residência do doador. Nela, a entidade pública de coleta admitiu, cautelosamente, a possibilidade de resultados falso-positivos nos testes sorológicos de alta sensibilidade — bem como solicitou comparecimento do doador para novo teste. ‘‘Ou seja, ele foi notificado de que o resultado foi inconclusivo. Posteriormente, em 26 de julho do mesmo ano, ele repetiu o exame, que restou, mais uma vez, inconclusivo’’, ponderou a julgadora.
Entre a primeira e a segunda coleta — especificamente no dia 24 de julho de 2007 —, o doador fez um terceiro exame em outro laboratório, pagando do próprio bolso. O laudo apontou que a amostra sanguínea era ‘não reagente’ aos anticorpos ‘Anti-HBs’.
Para a relatora, neste contexto fático, ‘naufraga’ a pretensão reparatória. Primeiro, porque o Hemocentro não descumpriu seu dever de informar, pois os laudos emitidos e a correspondência enviada ao doador não veicularam a resposta positiva à constatação da enfermidade. A entidade prestou todos os esclarecimentos e fez as ressalvas necessárias sobre o caráter dos testes de triagem sorológica, agindo na obediência da regulamentação técnica disposta para os serviços de hemoterapia.
Ao fim da exposição de motivos, a relatora concluiu que não restou caracterizado o abalo psíquico. O autor admitiu, em relato pessoal, que já havia passado por situação parecida, junto ao Hospital Nossa Senhora das Graças, que ‘acabou não se confirmando’ (fl. 80). ‘‘Pois bem, vivenciando situação semelhante no passado, sabia o autor que nova exposição aos exames de triagem podia resultar em notas distintivas, dependentes de confirmação. (...) Some-se a isso, ao efeito de descaracterizar o dano moral, a realização de teste sorológico em laboratório particular, dissipando, na mesma época do segundo exame junto ao Hemocentro, as dúvidas porventura deixadas pelo resultado inconclusivo da análise de seleção do doador.’’
Fonte: Conjur
OBS.: ementa do acórdão na postagem anterior a essa.
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.