*Por Gabriela Coelho
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reafirmou jurisprudência da corte permitindo que a pessoa trans mude seu nome e gênero no registro civil, mesmo sem procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. A alteração poderá ser feita por meio de decisão judicial ou diretamente no cartório.
A tese definida nesta quinta-feira (15/8), sob o regime de repercussão geral, foi a seguinte: "O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa".
Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Dias Toffoli, relator da ação. Segundo ele, para o desenvolvimento da personalidade humana, deve-se afastar qualquer óbice jurídico que represente limitação ao exercício pleno pelo ser humano da liberdade de escolha de identidade, orientação e vida sexual. Para o ministro, qualquer tratamento jurídico discriminatório sem justificativa constitucional razoável e proporcional “importa em limitação à liberdade do indivíduo e ao reconhecimento de seus direitos como ser humano e como cidadão”.
“A Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/1973) permite, uma vez que se constate ser o prenome capaz de submeter seu titular a situações vexatórias, a sua alteração". Para o ministro, o afastamento da regra da imutabilidade do nome se aplica aos transexuais. “Diante da situação fática posta no dia a dia das pessoas transexuais ficará evidente sua exposição a eventual discriminação caso seus pleitos de reassentamento não sejam concedidos, violando-se, na espécie, a dignidade da pessoa humana”, disse.
O caso analisado envolvia o recurso de uma transexual contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que autorizou a mudança do nome, mas condicionou a alteração de gênero à realização de cirurgia de transgenitalização, ou seja, de mudança do sexo feminino para o masculino. Além disso, o TJ-RS ainda determinou a anotação do termo “transexual” no registro.
Dias Toffoli destacou que a solução proposta no acórdão do TJ-RS, da anotação do designativo “transexual” nos assentamentos pessoais, não garante a dignidade do indivíduo e causa efeitos deletérios, como sua discriminação, sua exclusão e sua estigmatização. “Além do transexual não desejar ser reconhecido socialmente dessa forma, não existe, sob o ponto de vista científico, essa categoria de sexo. Necessita essa pessoa que sua autodeterminação de gênero que está no campo psicológico seja também reconhecida no âmbito social e jurídico”.
Dignidade humana
Na análise da ADI 4.275, o Supremo, em março deste ano, já havia reconhecido que pessoas trans podem alterar o nome e o sexo no registro civil sem que se submetam a cirurgia. O princípio do respeito à dignidade humana foi o mais invocado pelos ministros para decidir pela autorização.
O Superior Tribunal de Justiça também já reconhece o direito. No ano passado, a 4ª Turma concluiu que a identidade psicossocial prevalece em relação à identidade biológica, não sendo a intervenção médica nos órgãos sexuais um requisito para a alteração de gênero em documentos públicos.
Em março, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que as cotas de candidatos dos partidos políticos são de gênero, e não de sexo. Assim, transgêneros devem ser considerados de acordo com os gêneros com que se identificam.
Pessoas trans podem adotar o nome social em identificações não oficiais, como crachás, matrículas escolares e na inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo. A Ordem dos Advogados do Brasil aceita a prática desde 2017. Até mesmo na Administração Pública já é admissível o reconhecimento do nome social.
Leia a íntegra da tese definida pelo STF:
"i) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa;
ii) Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo 'transgênero';
iii) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial;
iv) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos".
RE 670.422
Gabriela Coelho é repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: Revista Consultor Jurídico (https://www.conjur.com.br/2018-ago-15/stf-define-tese-autorizando-pessoa-trans-mudar-nome-cirurgia)
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.