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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Se fossem reunidos em um categoria específica, eventos adversos e erros médicos seriam a segunda causa de morte no Brasil

Inédita nas 39 edições anuais do congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), a mesa-redonda sobre eventos adversos como causa de morte atraiu poucos ouvintes para o debate de um problema que traz consigo uma realidade alarmante: as mortes provocadas por erros médicos podem estar entre a segunda e a quinta causa de óbitos no Brasil[1].

Um estudo de 2017 do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (ISS) – o Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil[1] – feito com 133 hospitais mostrou que, se os erros associados à assistência hospitalar fossem tabulados em uma categoria específica, o Brasil poderia dizer que teve, em 2015, 302.610 mortes causadas por falha humana. Esses números podem se encaixar na segunda causa de morte no país, desbancando óbitos por câncer e doenças respiratórias.

“Até o final da década de 90 acreditávamos que éramos perfeitos. A gente saía da faculdade e achava que não iria errar nunca. Foi aí que percebemos que erramos muito, e que as consequências desses erros são muito graves”, diz o Dr. Dario Ferreira, cardiologista e especialista em segurança do paciente.

Fora do Brasil o cenário também é preocupante. Dados dos EUA publicados no British Journal of Medicine em 2016[2] mostram que 611 mil pessoas morreram por doença cardiovascular, 585 mil por câncer e 251 mil por erro médico, mais do que o número de mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

Longe do ideal
O Dr. Ferreira conta que, no final da década de 90, houve uma série de casos na Inglaterra que ficou conhecida como o Escândalo de Bristol.

“Descobriram que 35 bebês morreram e outras dezenas sofreram lesões graves por falha na assistência. Isso chamou muito a atenção da comunidade médica e provocou uma mudança radical na forma de assistência”.

Um ano depois do escândalo, o Institute of Medicine dos Estados Unidos publicou o livro Errar é Humano, mostrando que milhares de pessoas morriam por falha humana na assistência.

“Isso colocava a falha na assistência como uma causa de morte mais importante que câncer de mama, aids e acidente por veículos automotores”, explica Dr. Ferreira.

O grande número de falhas levou o Dr. Ferreira a concluir que ser internado em hospital é hoje uma das mais inseguras atividades humanas. A aviação, por exemplo, permanece como a mais segura. Dirigir, mergulhar ou trabalhar em construções são atividades consideradas seguras, mas a hospitalização se enquadra como perigosa, já que mais de uma morte pode acontecer a cada 1000 pacientes internados.

“Os médicos e profissionais de saúde ainda não perceberam a gravidade, o tamanho, a importância epidemiológica e a catástrofe que são os danos que a gente causa aos pacientes”, diz Dr. Ferreira.

“Isso é perverso, porque se você chegar a algum lugar e começar a falar sobre segurança do paciente, em seguir protocolo, respeitar processos e fazer checklists de cirurgia segura, os cirurgiões simplesmente acham desnecessário. Eles pegam a experiência deles e dizem que nunca erraram. Eles acham que nunca erraram”.

MS e Anvisa procuram melhorar sistema
O cardiologista e presidente do 39º congresso da SOCESP Dr. João Fernando Monteiro Ferreira conta que, depois que outros países começaram a se preocupar mais com segurança do paciente, esse tema foi abraçado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e também chegou ao Brasil. Entre os cuidados estão a Portaria nº 529 de 1º de abril de 2013, que instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente[3] e a Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) RDC nº 36 de 25 de julho de 2013[4], que regulamentou as ações para a segurança dos pacientes dentro dos serviços de saúde.

Prevenção é a chave
Existem conceitualmente várias formas de promover assistência segura, explica o Dr. Monteiro. A ausência de diretrizes clínicas, a falta ou o conhecimento inadequado da equipe, a ausência de liderança, e os problemas na estrutura que promove a harmonia entre as equipes de trabalho resultam nos números alarmantes no Brasil e no mundo.

“A questão da segurança do paciente não é só do médico, do enfermeiro ou do farmacêutico, mas de todos nós. Todos podemos ser uma barreira ou uma defesa à existência desse dano”.

Checklist em cirurgia corta risco pela metade
O cirurgião cardiovascular Dr. Omar Mejia compara a segurança do paciente em uma cirurgia com o checklist obrigatório que os pilotos de avião fazem antes de um voo. Por que não, então, seguir a mesma regra de segurança em para tornar o procedimento muito mais seguro para o paciente? A OMS elaborou um checklist específico para melhorar a segurança nesses procedimentos[5]. Perguntas simples como o tamanho do risco de precisar de bolsas de sangue, se a profilaxia de antibióticos já foi aplicada, ou se a equipe na sala de cirurgia já foi apresentada entre si e conhece o papel de cada um são exemplos do que está descrito no documento da OMS.

O Dr. Mejia cita um estudo clínico conduzido em vários países do mundo como Canadá, Inglaterra, Índia, Tanzânia, e Nova Zelândia, entre outros, mostrando que quando o checklist foi aplicado, as complicações em cirurgias diminuíram em 47%[6]. O especialista alerta, porém, que o cuidado não deve se dar somente na cirurgia, mas também antes e depois dela, já que muitos dos eventos adversos acontecem em pacientes cirúrgicos, mas fora da sala de cirurgia.

Prescrição e uso seguro de medicamentos
Para o Dr. Lucas Zambon, clínico geral e especialista em segurança de pacientes, um problema grave nesse contexto é a cadeia de medicamentos.

“Pode-se errar o horário, a administração – como o caso de interação medicamentosa de duas drogas, entre outros problemas”.

O especialista comenta que grande parte dos erros médicos acontece com profissionais com históricos brilhantes. “São profissionais muito reconhecidos, bem preparados, de cuja qualidade técnica ninguém duvida. Mas são profissionais – assim como todos os outros – sujeitos a erros”, diz.

Um estudo publicado na Revista de Saúde Pública em 2009 mostrou que, de 7,148 prescrições analisadas de medicamentos potencialmente perigosos, 56% continham erros[7]. Outro estudo em um hospital em Belo Horizonte (MG) mostrou que 81,8% das 422 prescrições analisadas apresentavam erros[8]. O Dr. Zambon também apresentou um dado impressionante: a cada U$ 1 gasto com medicamento, U$ 1,33 são necessários para tratar os problemas que acontecem em decorrência de erros[9], e que, de acordo com estatísticas da OMS, são estimados gastos de R$ 42 bilhões de dólares por ano por conta dos erros de medicação em todo o mundo[10].

Capacitação da equipe
Uma das formas de evitar os problemas é contar com a ajuda de um farmacêutico clínico para identificar erros na prescrição. “São coisas que não temos na nossa formação, ou que não sabemos, como a incompatibilidade entre drogas e a possibilidade de interações medicamentosas que podem gerar eventos adversos não previsíveis. O farmacêutico pode dar um passo importante nisso”, avalia o Dr. Zambon, acrescentando que a capacitação da equipe de enfermeiros é outro ponto crucial.

“O grande foco é tornar os enfermeiros capazes de entenderem o que prescrevemos e de se apoderarem um pouco mais do conhecimento que temos, para que eles também nos auxiliem a identificar potenciais problemas antes que estes se traduzam em eventos adversos para paciente”, finaliza.

Fonte: https://portugues.medscape.com/verartigo/6502450?faf=1&src=soc_fb_180622_mscpmrk_ptpost_SOCESP#vp_2