Minha foto
Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Impossibilidade de adoção do conteúdo Nota Técnica nº 001/2018 do CRO-MG

Em 14 de junho de 2018, o Conselho Regional de Odontologia do Estado de Minas Gerais (CRO-MG) expediu a Nota Técnica nº 001/2018, dispondo sobre a regulamentação de imagens de pacientes por cirurgiões-dentistas.

De acordo com a referida Nota Técnica, é permitida a utilização de imagens de pacientes, inclusive imagens de “antes e depois”, em portfólios privados, desde que autorizado pelo paciente e que o profissional faça inserir recomendações quanto ao resultado exibido nas imagens.

Entretanto, a Nota Técnica em tela contém uma série de incongruências e irregularidades que não permitem a sua adoção, posto que manifestamente contrária à lei e ao Código de Ética Odontológica.

Em primeiro lugar, a Nota Técnica afirma que o CRO-MG representa mais de 50 mil inscritos. Esta informação não encontra respaldo na legislação. Os Conselhos Regionais de Odontologia não possuem a função de representar os profissionais inscritos. Justamente por ser uma autarquia federal, as suas atribuições são fixadas em lei, mais especificamente no art. 11 da Lei nº 4.234, de 1964:

Art. 11. Aos Conselhos Regionais compete:
a) deliberar sôbre inscrição e cancelamento, em seus quadros, de profissionais registrados na forma desta lei;
b) fiscalizar o exercício da profissão, em harmonia com os órgãos sanitários competentes;
c) deliberar sôbre assuntos atinentes à ética profissional, impondo a seus infratores as devidas penalidades;
d) organizar o seu regimento interno, submetendo-o à aprovação do Conselho Federal;
e) sugerir ao Conselho Federal as medidas necessárias à regularidade dos serviços e à fiscalização do exercício profissional;
f) eleger um delegado-eleitor para a assembléia referida no art 3º;
g) dirimir dúvidas relativas à competência e âmbito das atividades profissionais, com recurso suspensivo para o Conselho Federal;
h) expedir carteiras profissionais;
i) promover por todos os meios ao seu alcance o perfeito desempenho técnico e moral de odontologia, da profissão e dos que a exerçam;
j) publicar relatórios anuais de seus trabalhos e a relação dos profissionais registrados;
k) exercer os atos de jurisdição que por lei lhes sejam cometidos;
l) designar um representante em cada município de sua jurisdição;
m) submeter à aprovação do Conselho Federal o orçamento e as contas anuais.

Portanto, a Nota Técnica já inicia com uma informação incorreta, posto que a representação dos profissionais inscritos não cabe ao Conselho Regional de Odontologia, nos estritos termos da Lei.

Não bastasse isso, a Nota Técnica indica que poderiam ser utilizadas imagens de pacientes em “portfólios privados”. No entender do CRO-MG, estes “portfólios privados” não configurariam “propaganda para granjear clientela”.

É evidente que se o profissional elabora um “portfólio privado” para mostrá-lo a outros pacientes, não há como afirmar que este “portfólio” não possua finalidade de divulgação de seus trabalhos, com o intuito de granjear clientela. Se não fosse para conseguir mais pacientes, não haveria a necessidade de elaboração e divulgação deste “portfólio privado”, sendo certo que a exposição de imagens de pacientes (com autorização destes) já é permitida em âmbito acadêmico-científico.

Em relação à exposição de pacientes, o art. 7º, alínea “a” da Lei nº 5.081, de 1966, estabelece que é vedado ao cirurgião-dentista expor em público trabalhos odontológicos e usar de artifícios de propaganda para granjear clientela.

Não bastasse isso, o Código de Ética Odontológica (Resolução nº 118, de 2012, do Conselho Federal de Odontologia) afirma ser infração ética fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir paciente, sua imagem ou qualquer outro elemento que o identifique, em qualquer meio de comunicação ou sob qualquer pretexto, salvo se o cirurgião-dentista estiver no exercício da docência ou em publicações científicas, nos quais, a autorização do paciente ou seu responsável legal, lhe permite a exibição da imagem ou prontuários com finalidade didático-acadêmicas (art. 14, inciso III).

Ou seja, salvo na exceção para fins acadêmico-científicos, é vedada a utilização de imagem do paciente, frise-se, “em qualquer meio ou sob qualquer pretexto”.

Assim, ainda que a imagem do paciente esteja em um “portfólio privado”, o Código de Ética veda a utilização das imagens “em qualquer meio ou sob qualquer pretexto”.

Desse modo, a orientação contida na Nota Técnica 001/2018 do CRO-MG é contrária ao contido no Código de Ética Odontológica vigente, razão pela qual não pode ser entendida como correta.

Ainda, nos termos do art. 44, inciso I, do Código de Ética, é infração ética fazer publicidade e propaganda enganosa, abusiva, inclusive com expressões ou imagens de antes e depois, com preços, serviços gratuitos, modalidades de pagamento, ou outras formas que impliquem comercialização da Odontologia ou contrarie o disposto neste Código;

Não há dúvida que o profissional utilizaria o “portfólio privado” para obter algum tipo de benefício em relação ao seu paciente, caso contrário seria um desperdício de tempo elaborar tal “documento”, caracterizando afronta ao inciso VI do mesmo art. 44 do Código de Ética Odontológica.
Some-se a isso a infração ao art. 44, inciso XII, do Código de Ética Odontológica, o qual proíbe que o profissional exponha ao público leigo artifícios de propaganda, com o intuito de granjear clientela, especialmente a utilização de imagens e/ou expressões antes, durante e depois, relativas a procedimentos odontológicos.

Mas a Nota Técnica do CRO-MG peca pela própria contradição. Nos termos do documento oficial, o “portfólio privado” não é publicidade. Ora, se não é publicidade, não há necessidade de colocar o nome do profissional e seu número de inscrição no CRO, tampouco o número de inscrição da pessoa jurídica e o nome e número de inscrição de seu responsável técnico. Estas obrigações são para os anúncios feitos pelos profissionais e/ou pelas pessoas jurídicas odontológicas.

Ao final do documento, o CRO-MG afirma que todas as restrições a respeito de publicidade estão mantidas. Evidentemente, isso não precisaria nem constar no documento, por questões lógicas. Mas, ao fazer constar no documento tais informações, o CRO-MG traz uma possível consequência “sui generis” à Nota Técnica: o profissional poderia colocar no “portfólio privado” preços promocionais e cartões de desconto? A resposta, considerando a Nota Técnica do CRO-MG é sim, uma vez que o “portfólio privado” não seria publicidade. Se não é publicidade, qualquer informação que constar neste “portfólio” não pode ser entendida como anúncio, de forma que as normas relativas à publicidade odontológica não se aplicariam aos “portfólios privados”.

É claro que esta não é a melhor interpretação das normas éticas, sendo só mais um exemplo da completa incorreção da Nota Técnica nº 001/2018 do CRO-MG.

Por fim, caso o CRO-MG tenha como objetivo a modificação das disposições do Código de Ética Odontológica o caminho está previsto na própria Lei nº 4.234/64: sugerir ao Conselho Federal de Odontologia a modificação que entende necessária, haja vista que esta mesma Lei afirma ser do Conselho Federal a atribuição de alterar o Código de Ética (art. 4º, alínea “d”).

A atribuição de alterar o Código de Ética Odontológica, por determinação legal, é do Conselho Federal de Odontologia, não sendo competência de nenhum Conselho Regional fazer qualquer tipo de modificação ou interpretação contrária ao texto normativo ético.

Considerando o todo acima exposto, pode-se afirmar, com absoluta tranquilidade, que as informações, orientações e conclusões contidas na Nota Técnica nº 001/2018 do Conselho Regional de Odontologia do Estado de Minas Gerais não estão de acordo com a legislação e com o atual Código de Ética Odontológica.

Marcos Coltri
Marcos Coltri Advocacia - Direito Médico e Odontológico