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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Denúncia de fraude em prontuários

Hospital estaria falsificando documentos para encobrir a atuação de técnicos em enfermagem no lugar dos médicos auxiliares

A suspeita de falsificação de documentos para esconder a troca ilegal de médicos auxiliares por técnicos em enfermagem durante cirurgias realizadas em hospitais particulares do Distrito Federal será investigada. O Correio teve acesso a documentos que comprovam a prática em um dos principais estabelecimentos da capital do país, o Hospital Anchieta, em Taguatinga (veja fac-símile). Em fichas nas quais os especialistas descrevem os procedimentos adotados nas intervenções cirúrgicas, a mesma equipe aparece como responsável por operar duas pacientes, no mesmo dia e em horários coincidentes. Algo impossível de ser realizado, segundo profissionais da área.

De acordo com denúncia dos funcionários da instituição, os dois cirurgiões deveriam tratar de apenas uma paciente. No entanto, para lucrar mais dos planos de saúde, optaram por se dividir, ignorar as regras do Conselho Regional de Medicina (CRM) — que obriga a participação de médicos assistentes nas cirurgias — e trabalhar apenas na companhia de um empregado de nível médio, sem conhecimento aprofundado em anatomia e, portanto, despreparado para o ofício.

As fichas foram preenchidas no último dia 9. Um dos relatórios sugere que uma paciente deu entrada na sala de operação às 10h30 e o procedimento foi concluído ao meio-dia. Às 11h40, segundo as anotações, os mesmos médicos iniciaram um nova cirurgia em outra mulher. O funcionário do Anchieta autor das denúncias garante que tais irregularidades ocorrem há três anos, com a conivência dos gestores. “Desde 2009, isso vem ocorrendo no centro cirúrgico e pode ser comprovado pelos relatórios das cirurgias. Cansamos do desvio de função e da pressão psicológica”, protesta.

Ele e mais 19 colegas, todos técnicos em enfermagem, foram demitidos por justa causa na última quinta-feira — anteontem, a informação do sindicato era de que foram realizadas 21 demissões, mas a direção do hospital informou ontem que foram 20 dispensas no total. Os administradores do Anchieta alegaram “greve abusiva”, mas não há registro de faltas sem justificativa dos funcionários. As pessoas mandadas embora sustentam que a medida adotada pelos patrões é uma retaliação a um movimento orquestrado no último dia 13, quando alguns deles denunciaram ao sindicato da categoria o recorrente desvio de função na unidade.

“A denúncia foi fundamental para as demissões. Os pacientes não têm noção de que ocorra a prática de técnicos de enfermagem como auxiliares em cirurgias. O Código de Ética dos médicos e enfermeiros permite a atuação dos técnicos em substituição ao médico auxiliar somente em casos de extrema emergência e que coloque em risco a vida do paciente. Mas, em muitos hospitais, vale para qualquer caso, mesmo as cirurgias previamente marcadas”, conta. O Anchieta nega as acusações de práticas irregulares nas cirurgias realizadas pelo hospital.

Na segunda-feira, os 20 demitidos vão pedir a intervenção da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego. Além das exonerações supostamente arbitrárias, há indícios de que a lista com os nomes dos despedidos do Anchieta teria sido distribuída em parte dos 48 hospitais particulares do DF. “Além de sermos vítimas de uma covardia sem precedentes, ainda ‘queimam’ nossa imagem. É inacreditável que, nos dias de hoje, ainda tenha gente que trate trabalhadores dessa forma”, afirma, indignada, uma técnica com quase uma década de serviços prestados ao Anchieta.

Planos lesados

Caso a denúncia de substituição de médicos assistentes por técnicos e a adulteração de prontuários se confirme, os planos de saúde ameaçam descredenciar os hospitais que adotam a prática ilegal. Isso porque as operadoras pagam por dois cirurgiões, quando, na verdade, apenas um executa o serviço de fato. Representantes dos maiores grupos prometeram acompanhar as investigações de perto. “Repudiamos tal prática. Podemos chegar a suspender as atividades nesses hospitais caso essa irregularidade seja comprovada pelos órgãos competentes. As operadoras vão exigir ainda mais dos hospitais e clínicas o cumprimento das normas de medicina para que vidas não sejam colocadas em risco”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida.

Já a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), por meio de nota, garantiu que as instituições suspeitas não são ligadas às operadoras associadas e pediu a apuração rigorosa das entidades fiscalizadoras. “A apuração de denúncias sobre práticas que lesam o sistema de saúde e os beneficiários dos planos cabe às autoridades competentes, como o Ministério Público, e aos órgãos e entidades ligados aos profissionais que supostamente praticam irregularidades”, informa a nota.

Análise da notícia
Mais rigor na fiscalização

Nos últimos anos, a população do Distrito Federal presenciou dezenas de casos de erros médicos que resultaram na morte de pacientes. Tragédias que fizeram a rede particular receber tantas críticas quanto o falido sistema público de saúde da capital. Mas os gestores parecem não ter aprendido com a lição. A última grave denúncia é de que muitos dos estabelecimentos privados estariam substituindo médicos auxiliares por técnicos em enfermagem durante cirurgias.

Além de um risco para quem está na sala de operações, trata-se um golpe contra clientes e planos de saúde. É preciso empenho das entidades fiscalizadoras. Ministério Público, Conselho Regional de Medicina (CRM), entre outras instituições, devem atuar de forma rigorosa, punindo aqueles que brincam com a vida. Afinal, quem utiliza desse expediente fraudulento para ganhar mais dinheiro não deveria estar a serviço de quem procura atendimento e confia a vida. (SA)

Entenda o caso
Prática comum

Na edição de ontem, o Correio mostrou que a substituição de médicos assistentes por técnicos em enfermagem é recorrente, também, nos hospitais particulares de pequeno porte. Depois de o jornal revelar que as suportas irregularidades são comuns nos hospitais Anchieta, Santa Lúcia, Santa Luzia, Santa Helena e Prontonorte, funcionários de centros menos expressivos procuraram o sindicato que representa a categoria para contar que, devido à precária fiscalização, a situação é pior nos centros de saúde afastados dos Plano Piloto.

Três perguntas para Gelson Albuquerque, 1º secretário do Conselho Federal de Enfermagem (CFM) e doutor em políticas públicas da Universidade Federal de Santa Catarina

Como o senhor recebeu a denúncia?
Para nós, não foi surpresa, pois é uma prática que ocorre em todo o país. Esse médicos, além de colocarem a vida de pessoas em risco, cometem outro crime, que é se apropriar de recursos indevidamente, sejam eles públicos ou privados. É uma situação muito grave e necessita de um engajamento muito grande do Ministério Público.

O Hospital Anchieta demitiu 20 técnicos. Há algo que justifique a medida?
Nós percorremos todos os estados do país e jamais vimos tamanha arbitrariedade. É um absurdo o que fizeram com esses trabalhadores. Serem mandados embora simplesmente porque denunciaram uma irregularidade? Na minha avaliação, quem deveria ser demitido é o cirurgião que permite a alguém sem habilidades participar como auxiliar de um procedimento cirúrgico. Esses trabalhadores sofreram um verdadeiro bullying dessa organização ao serem intimidados e, depois de tanta pressão, serem demitidos sumariamente.

Como o senhor avalia o sistema de saúde de Brasília?
Os brasilienses deveriam protestar por terem um sistema de saúde tão precário. E falo tanto do público quanto do privado. É vergonhoso que, em plena capital do país, não exista um hospital de referência. O Ministério Público do Trabalho deveria fazer uma devassa nesses hospitais. Muita sujeira iria aparecer. É preciso mais seriedade para lidar com vidas.

Fonte: Folha de S.Paulo / SAULO ARAÚJO e SHEILA OLIVEIRA