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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

ANS vai julgar cobrança de ‘taxa extra’ para médico acompanhar parto

Para CFM, medida não fere a ética e traz alternativa para baixa remuneração oferecida

BRASÍLIA - Considerada um direito pelos médicos, um abuso pelos advogados e uma violência por algumas gestantes, a exigência de uma ``taxa extra`` por obstetras de planos de saúde para acompanhar o parto normal será julgada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A prática, que até agora permanecia na ``informalidade``, deverá ser discutida na próxima reunião da diretoria.

Entre os documentos analisados está o parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), encomendado pela própria agência. Para o colegiado, a prática não fere a ética, traz uma alternativa para a baixa remuneração oferecida pelos planos de saúde e poderia ajudar o País a reduzir o número de cesarianas. Em 2011, 83% dos nascimentos feitos na assistência suplementar foram por meio de cesáreas.

Mulheres que gostariam de experimentar o parto normal hoje se queixam que o tipo de parto é definido pelo bolso e não pelas suas condições de saúde. Quando podem pagar a mais, o médico do plano se ``dispõe`` a acompanhar o parto natural. Se não têm dinheiro, a cesárea é marcada já nas primeiras consultas do pré-natal. Não importa a idade da paciente, se já teve filhos ou se ela reúne condições que permitem o parto normal.

``Eles argumentam que com cesárea tudo pode ser programado. Não perdem o fim de semana, não precisam desmarcar consultas de consultório nem ficar horas esperando um parto apenas``, relata a chefe de cozinha Bruna Trieto.

Mãe de dois filhos - ambos por parto normal -, ela conta que preferiu não correr risco. ``Procurei um profissional de confiança. A impressão que tenho é de que muitos médicos até dizem que fazem o parto normal, mas quando chega a hora arrumam qualquer desculpa para logo indicar a cesárea.``

A desconfiança também acompanhou a servidora pública Bárbara Rangel, de 33 anos. A médica que a atendia dizia ser mais prudente fazer a cesárea, porque Bárbara é diabética. ``Somente me convenci quando conversei com outros médicos, já no fim da gravidez``, conta.

O parecer do CFM determina que o acordo por escrito entre gestante e médico seja feito ainda na primeira consulta. O trato garantiria à gestante o direito de ser acompanhada das primeiras contrações até o nascimento. Segundo o secretário do CFM, Gerson Zafalon, operadoras não pagam pelo acompanhamento, apenas pelo parto. Ele argumenta ainda que o valor extra poderia ser, num segundo momento, reembolsado pelas empresas de saúde. A proposta, no entanto, é criticada por sociedades estaduais.

``Impossível separar o acompanhamento do parto. É uma coisa só``, afirma o presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo (Sogesp), Cesar Eduardo Fernandes. Ele defende, no entanto, a criação de uma alternativa para os baixos rendimentos do médico. ``O obstetra é como um profissional qualquer: não pode trabalhar de graça. Se a paciente quer que seu médico faça o parto, pela sua disponibilidade, isso precisa ser ressarcido.``

Ética. A gerente-geral de regulação assistencial da ANS, Martha Oliveira, conta que a agência decidiu analisar a cobrança da taxa extra depois de ser várias vezes questionada. ``Não podemos falar sobre a ética, daí o pedido de parecer feito pelo CFM. A partir de agora, o que será visto é: a disponibilidade do médico, a presença no parto é coberta pelos serviços?`` Martha diz que o plano é obrigado a garantir para a gestante o atendimento pré-natal, o acompanhamento e o parto. Não há, porém, nada explícito que garanta à paciente o direito de ser atendida pelo médico que acompanhou sua gestação. ``A operadora tem de garantir a vaga, o profissional, mas não necessariamente o mesmo.``

A diretora de atendimento da Fundação Procon São Paulo, Selma do Amaral, diz que nada garante à paciente que operadoras farão o reembolso do extra pago para o médico. ``Não há nada que indique esse direito. Isso pode causar uma grande confusão e, pior, um grande prejuízo para os consumidores.`` A Federação de Saúde Suplementar, em nota, disse que reembolsos são feitos apenas para procedimentos previstos pela ANS.

Além de considerar a exigência abusiva, a advogada especialista na área de saúde Renata Vilhena diz ter dúvidas sobre a eficácia da medida para reduzir os indicadores de cesárea. ``Pelo contrário, ‘oficializando’ a prática, somente gestantes com mais recursos poderiam fazer o parto normal``, afirma.

`Médica do plano diz que só faz cesárea`

Quando fiquei grávida da Isis, hoje com 3 anos de idade, tive dificuldade para encontrar um obstetra de convênio disposto a fazer o parto normal. A médica que me acompanhava avisou: `Só faço cesárea. Não quero levantar no meio da noite para ir correndo para um hospital. Se você quiser assim, podemos ir adiante.` Eu topei. Na época, era uma alternativa cômoda sob vários aspectos. Sobretudo financeiramente. Nunca sabemos quanto vamos gastar com enxoval, com fraldas, qual vai ser o impacto disso tudo nas contas domésticas. É um período de bastante insegurança.

Nessas condições, a ideia de gastar ainda mais para tentar fazer um parto normal - que nunca sabemos ao certo se de fato vai ocorrer - foi fácil de ser descartada.

Programamos o parto para o início da 38.ª semana de gestação. Conciliei com a folga no meu trabalho.

Deu tudo certo, Ísis nasceu forte. Mas a minha recuperação não foi tão boa quanto a das minhas amigas que fizeram parto normal.

Nos primeiros dias, eu não tinha a autonomia que gostaria para tomar banho. E também senti dores.

Isso acabou pesando para a minha nova escolha. Logo que eu soube que estava grávida pela segunda vez, há seis meses, decidi procurar um profissional que estivesse disposto a fazer o parto normal.

Motivos. Mudei de estratégia nessa segunda gravidez por dois motivos. Quero estar bem para dar atenção para a Isis quando o Augusto nascer. Para ela, será muito importante eu estar disponível. Também estou mais madura. Hoje, sei da importância de investir na minha saúde e na saúde do bebê.

Mas não há dúvida de que essa é uma opção cara. Poucos têm acesso. Eu mesma só estou fazendo isso graças à ajuda da minha mãe.

Uma coisa é certa: a diferença de tratamento é revoltante. No segundo mês de gestação, quando ainda não havia decidido o que fazer, fui na mesma semana a dois médicos: um era de convênio e a outra prestava atendimento particular.

O médico de convênio pegou meu exame de gravidez positivo, felicitou-me de forma protocolar, deu uma lista de exames e me mandou voltar assim que os resultados estivessem prontos. Tudo levou menos de 10 minutos.

Dias depois fui à médica particular. Ela pediu os mesmos exames, também desejou felicidades. A diferença é que ela me examinou, fez várias perguntas sobre a minha saúde, a da minha família, sobre a primeira gestação.

Disse que poderíamos tentar o parto normal. Avisou que seria importante eu tomar alguns cuidados. Deu o telefone para casos de emergência.

Senti-me atendida, segura. Ao mesmo tempo, fiquei triste. Esse deveria ser o atendimento padrão, não a exceção.

Hoje, ter parto normal virou um luxo ou um ato de coragem. Só é possível em três condições. Pagar por fora o médico de convênio ou um médico particular, fazer o parto num hospital público ou procurar um profissional de plantão, num hospital de convênio. /L.F.

Depoimento: ‘Secretária que falou sobre pagamento`

Consultei no início do ano uma profissional do convênio que não tocou no assunto dinheiro quando falei que gostaria de passar pelo parto normal. A secretária me ligou depois, comunicando a taxa que deveria ser paga caso eu fizesse questão do parto normal. Fiquei incomodada: por que ela não cobrou diretamente? Resolvi procurar outra médica do convênio. Não bastasse o parto normal, essa também cobrava separadamente o pré-natal.

A impressão que tenho é a de que médicos estão mais preocupados com remuneração do que com o atendimento. Não é regra geral, claro. Minha mãe enfrentou há pouco tempo um câncer, encontrou um profissional maravilhoso. Eu ainda não achei esse tipo de médico. Perdi o bebê em abril e agora estou grávida novamente. Estou disposta a pagar a taxa extra. Quero pelo menos tentar o parto normal.

Mas agora quero procurar com calma, encontrar um médico de convênio, com referência, atencioso. Até agora, todos primeiro falaram da dificuldade do parto normal, das dores, avisaram que talvez eu não consiga evitar a cesárea. Não ouvi ninguém dizer: `Certo, você quer o parto normal, vamos trabalhar para isso`.

Eles argumentam que o parto normal é demorado, que não tem hora para começar nem para acabar. Mas o parto sempre foi assim, não? Por que então escolheram fazer obstetrícia? Hora marcada não se encaixa com quem se dedica a pôr crianças no mundo. Não quero ficar 12 horas tentando um parto normal. Mas marcar a cesárea já na primeira consulta é bem diferente.

Andressa Barbosa, funcionária pública, 32 anos

Fonte: O Estado de S.Paulo / Lígia Formenti / BRASÍLIA