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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Parecer CFM 11/2019 - Teste genético

PROCESSO-CONSULTA CFM nº 36/2018 – PARECER CFM nº 11/2019
INTERESSADO: Academia Brasileira de Neurologia
ASSUNTO: Teste genético solicitado exclusivamente por geneticista
RELATOR: Cons. Hideraldo Luis Souza Cabeça

EMENTA: É ética a solicitação de teste genético por médico regularmente inscrito no CRM quando da suspeita de doenças genéticas especificadas na RN ANS nº 428. Essa solicitação não é exclusiva do médico geneticista.

DA CONSULTA
“A Academia Brasileira de Neurologia tomou conhecimento da publicação do Rol da ANS inerente à solicitação de Testes Genéticos, onde no anexo II: Diretrizes de utilização para cobertura obrigatória na saúde suplementar, item 110: ANÁLISE MOLECULAR DE DNA; PESQUISA DE MICRODELEÇÕES/MICRODUPLICAÇÕES POR FISH (FLUORESCENCE IN SITU HYBRIDIZATION); INSTABILIDADE DE MICROSSATÉLITES (MSI), DETECÇÃO POR PCR, BLOCO DE PARAFINA, no item 1. Cobertura obrigatória quando for solicitado por um geneticista clínico; puder ser realizado em território nacional e ter preenchido pelo menos um dos seguintes critérios:”), pleiteamos análise vossa, para que os neurologistas, também possam solicitar os exames inerentes às patologias neurológicas, seguindo as mesmas normas para os exames da Diretriz de Utilização atual, conforme relacionado abaixo:

110.2 - Adrenoleucodistrofia
110.3 - Amiloidose Familiar (TTR)
110.4 - Ataxia de Friedreich
110.5 - Ataxias Espinocerebelares (SCA)
110.6 - Atrofia Muscular Espinhal
110.8 - Complexo da Esclerose Tuberosa
110.11 - Distrofia Miotônica Tipo I e II
110.12 - Distrofia Muscular de Duchene/Becker
110.13 - Doença de Huntington
110.34 - Síndrome de Rett
110.39 - Transtorno do Espectro Autista

Em vista do que, em nossa apreciação, configura um cerceamento ao exercício profissional.”

DA LEGISLAÇÃO
Lei Federal nº 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina.

Parecer CFM nº 26/2018, com a seguinte ementa: “Por se tratar de prognóstico realizado após diagnósticos nosológicos, o aconselhamento genético é ato exclusivo de médicos”.

O Parecer CRM-PA 5/2017 apresenta a seguinte ementa: “Exame de sequenciamento genético. Requisição. Neurologista. Possibilidade”.

COMENTÁRIOS INICIAIS
A Academia Brasileira de Neurologia (ABN) traz à baila assunto importante sobre a solicitação de exame específico, no caso em tela, exames genéticos.

1 Da Cojur do CFM
A Coordenação Jurídica (Cojur) do Conselho Federal de Medicina se manifesta sobre o assunto através do Despacho nº 550/2018, e extraio:

“A Lei n° 9.961, de 28 de janeiro de 2000, criou a Agência Nacional de Saúde e estabelece (artigo 4°) as competências da autarquia. Dentre as quais está:
III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n° 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades”.

Com fundamento nessa norma legal, a Agência Nacional de Saúde (ANS) elaborou o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde 2018, ressaltando quais exames/testes genéticos para determinadas doenças terão cobertura obrigatória se requisitados por geneticista clínico.

Ou seja, a implementação dos procedimentos e de suas excepcionalidades pela ANS está expressamente prevista em lei.

A seu turno, o art. 17 da Lei nº 3.268/1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá outras providências, estabelece que:
(…) após a conclusão do curso de medicina e posterior registro perante os Conselhos de Medicina, o médico está legalmente habilitado ao exercício pleno da profissão, não podendo, porém, intitular-se como especialista.

Desse modo, sob o aspecto jurídico, entendemos que o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde 2018, ora analisado, em tese, viola o artigo 17 da Lei nº 3.268/1957, pois impede que outros médicos habilitados legalmente solicitem os exames discriminados no Rol de Procedimentos 2018.

2 Da Resolução Normativa ANS nº 428 – Rol de procedimentos
A RN 428 foi divulgada pela ANS em 7 de novembro de 2017, com vigência a partir de 2 de janeiro de 2018. Destaco em seu “Anexo II – Diretrizes de utilização para cobertura de procedimentos na saúde suplementar”:

“110. ANÁLISE MOLECULAR DE DNA; PESQUISA DE MICRODELEÇÕES/MICRODUPLICAÇÕES POR FISH (FLUORESCENCE IN SITU HYBRIDIZATION); INSTABILIDADE DE MICROSSATÉLITES (MSI), DETECÇÃO POR PCR, BLOCO DE PARAFINA
1. Cobertura obrigatória quando for solicitado por um geneticista clínico, puder ser realizado em território nacional e for preenchido pelo menos um dos seguintes critérios:
a. na assistência/tratamento/aconselhamento das condições genéticas contempladas nos subitens desta Diretriz de Utilização, quando seguidos os parâmetros definidos em cada subitem para as patologias ou síndromes listadas.
b. para as patologias ou síndromes listadas a seguir a cobertura de análise molecular de DNA não é obrigatória: ostecondromas hereditários múltiplos (exostoses hereditárias múltiplas); Neurofibromatose 1; Fenilcetonúria, hipercolesterolemia familiar, MTHFR e PAI-1.
c. na assistência/tratamento/aconselhamento das condições genéticas não contempladas nas Diretrizes dos itens a e b, quando o paciente apresentar sinais clínicos indicativos da doença atual ou história familiar e, permanecerem dúvidas acerca do diagnóstico definitivo após a anamnese, o exame físico, a análise de heredograma e exames diagnósticos convencionais.”

2.1 Doenças ou síndromes de cobertura obrigatória referentes ao item a desta Diretriz de Utilização
“110.2 - ADRENOLEUCODISTROFIA
1. Cobertura obrigatória para pacientes do sexo masculino com manifestações clínicas (forma cerebral infantil, adolescente e do adulto, adrenomieloneuropatia e doença de Addison) e diagnóstico bioquímico (dosagem de ácidos graxos de cadeia muito longa).
2. Cobertura obrigatória para pacientes do sexo feminino com manifestações clínicas de adrenomieloneuropatia com diagnóstico bioquímico (dosagem de ácidos graxos de cadeia muito longa) inconclusivo. (…)

110.3 - AMILOIDOSE FAMILIAR (TTR)
1. Cobertura obrigatória para pacientes de ambos os sexos que apresentem neuropatia autonômica ou sensório-motora lentamente progressiva com biópsia de tecido demonstrando depósito de substância amiloide, especificamente marcados com anticorpos anti-TTR e quando preenchido pelo menos um dos seguintes critérios:
a. bloqueio da condução cardíaca;
b. cardiomiopatia;
c. neuropatia;
d. opacidade do corpo vítreo. (…)

110.4 - ATAXIA DE FRIEDREICH
1. Cobertura obrigatória para o diagnóstico de pacientes de ambos os sexos com ataxia progressiva e sem padrão de herança familiar autossômica dominante, quando preenchidos pelo menos dois dos seguintes critérios:
a. perda de propriocepção;
b. arreflexia;
c. disartria;
d. liberação piramidal (Babinski);
e. miocardiopatia;
f. alterações eletroneuromiográficas;
g. resistência à insulina ou diabetes;
h. atrofia cerebelar em ressonância nuclear magnética.

Método de análise utilizado de forma escalonada:
1. Pesquisa de mutação dinâmica por expansão de trinucleotídeos GAA no íntron 1 do gene FXN por Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em gel de agarose ou por eletroforese capilar.”

110.5 - ATAXIAS ESPINOCEREBELARES (SCA)
1. Cobertura obrigatória para indivíduos sintomáticos com ataxia de marcha associada ou não a outros sinais neurológicos (distonia, neuropatia periférica, parkinsonismo e alterações da movimentação ocular) independente da idade e com história familiar de herança autossômica dominante.
2. Cobertura obrigatória para indivíduos sintomáticos com ataxia de marcha associada ou não a outros sinais neurológicos (distonia, neuropatia periférica, parkinsonismo e alterações da movimentação ocular) independente da idade e sem história familiar desde que preencha todos os seguintes critérios:
a. doença de início insidioso e curso progressivo;
b. início dos sintomas há mais de 6 meses;
c. ressonância magnética de encéfalo que não sugira outra causa para a ataxia (esclerose múltipla, infecção de sistema nervoso central, tumores, mal formações cerebrais e/ou cerebelares, siderose superficial).
3. Cobertura obrigatória para o aconselhamento genético dos familiares de 1º, 2º ou 3º graus assintomáticos maiores de 18 anos quando o diagnóstico molecular do tipo de SCA tiver sido confirmado na família. No caso em que o diagnóstico molecular confirmar SCA do tipo 10 a cobertura para indivíduos assintomáticos não é obrigatória.

110.6 - ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL – AME
(…)
2. Cobertura obrigatória para pacientes de ambos os sexos com quadro clínico de atrofia muscular espinhal do tipo I com início dos sintomas antes dos 6 meses de idade, apresentando hipotonia grave, quando preenchidos pelo menos dois dos seguintes critérios:
a. atraso grave do desenvolvimento motor;
b. fasciculação da língua;
c. tremor postural dos dedos;
d. ausência de reflexos tendíneos;
e. ausência de perda sensória.
3. Cobertura obrigatória para pacientes de ambos os sexos com quadro clínico de atrofia muscular espinhal do tipo II com início dos sintomas entre 6 e 18 meses de idade, com hipotonia ou fraqueza muscular progressiva e quando presentes pelo menos dois dos seguintes critérios:
a. fasciculação da língua;
b. tremor postural dos dedos;
c. ausência de reflexos tendíneos;
d. ausência de perda sensória.
4. Cobertura obrigatória para pacientes de ambos os sexos com quadro clínico de atrofia muscular espinhal do tipo III com início dos sintomas após 18 meses de idade com fraqueza muscular progressiva, quando presentes pelo menos dois dos seguintes critérios:
a. fraqueza muscular simétrica proximal;
b. fasciculação da língua ou outros grupos musculares;
c. tremor postural dos dedos;
d. hiporreflexia;
e. cãibras.
5. Cobertura obrigatória para pacientes de ambos os sexos com quadro clínico de atrofia muscular espinhal tipo IV com início dos sintomas na vida adulta e que apresentem eletroneuromiografia com denervação e redução da amplitude do potencial de ação motor, quando presentes pelo menos dois dos seguintes critérios:
a. fraqueza muscular simétrica proximal;
b. fasciculação da língua ou outros grupos musculares;
c. tremor postural dos dedos;
d. hiporreflexia;
e. cãibras.

110.11 - DISTROFIA MIOTÔNICA TIPO I E II

110.12 - DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE/BECKER

110.13 - DOENÇA DE HUNTINGTON”

3. Dos departamentos científicos da ABN
A Academia Brasileira de Neurologia apresenta inúmeros departamentos científicos, dentre os quais o departamento de neurogenética.

4. Da manifestação da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia)
Em Ofício nº 1/2019, encaminhado à diretoria colegiada da ANS em 30 de janeiro de 2019, destaco:
“(…) a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), entidade que representa os médicos ginecologistas e obstetras em todo o Brasil, ressalta importância dos testes genéticos para casos de rastreamento de câncer ginecológico e no acompanhamento anterior à concepção e durante o pré-natal, e tal solicitação na saúde suplementar não pode ficar restrita a algumas especialidades”.

Julgamos conveniente que a diretriz do rol com relação à solicitação dos testes genéticos na saúde suplementar contemple todas as especialidades médicas.

COMENTÁRIOS

A Resolução Normativa ANS 428 traz em seu “Anexo II – Diretrizes de utilização para cobertura de procedimentos na saúde suplementar”:
“110. ANÁLISE MOLECULAR DE DNA; PESQUISA DE MICRODELEÇÕES/MICRODUPLICAÇÕES POR FISH (FLUORESCENCE IN SITU HYBRIDIZATION); INSTABILIDADE DE MICROSSATÉLITES (MSI), DETECÇÃO POR PCR, BLOCO DE PARAFINA
1. Cobertura obrigatória quando for solicitado por um geneticista clínico, puder ser realizado em território nacional e for preenchido pelo menos um dos seguintes critérios: (…)”

Neste diapasão, é elencada uma série de doenças ou síndromes relacionadas à prática do neurologista, em que se destaca o uso da anamnese, do exame físico e, em especial, do exame neurológico, favorecendo assim um diagnóstico sindrômico, topográfico e etiológico, próprio do treinamento do neurologista. Nesta esteira, torna-se facilitado o diagnóstico diferencial apurado neste complexo cenário, estabelecido no item 110, do anexo II, das diretrizes estabelecidas pela ANS, através da RN 428, e destaco:
110.2 - ADRENOLEUCODISTROFIA
110.3 - AMILOIDOSE FAMILIAR (TTR)
110.4 - ATAXIA DE FRIEDREICH
110.5 - ATAXIAS ESPINOCEREBELARES (SCA)
110.6 - ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL – AME
110.11 - DISTROFIA MIOTÔNICA TIPO I E II
110.12 - DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE/BECKER
110.13 -DOENÇA DE HUNTINGTON

Como exposto pela própria RN da ANS, as doenças ou síndromes apresentadas neste subitem têm características de semiologia neurológica; achados estes que cito: manifestações clínicas de adrenomieloneuropatia; perda de propriocepção; arreflexia; disartria; liberação piramidal (Babinski); alterações eletroneuromiográficas; atrofia cerebelar em ressonância nuclear magnética; ataxia de marcha associada ou não a outros sinais neurológicos (distonia, neuropatia periférica, parkinsonismo e alterações da movimentação ocular); quadro clínico de atrofia muscular espinhal tipo IV com início dos sintomas na vida adulta e que apresentem eletroneuromiografia com denervação e redução da amplitude do potencial de ação motor e outros.

CONCLUSÃO
As prerrogativas estabelecidas pela ANS são sustentadas em norma legal. Não obstante tal assertiva, limitar a autorização para testes genéticos exclusivamente para geneticistas, independente da doença ou síndrome, dificulta ao paciente o benefício da solicitação do teste genético, que é respaldada após adequada anamnese e exame físico geral e específico. Obrigar o paciente a buscar o médico geneticista exclusivamente para solicitação de teste genético proporciona busca difícil em virtude da escassez de médico geneticista na rede suplementar, obrigando os pacientes, em muitas situações, a buscar no Sistema Único de Saúde, com longa espera, na maioria das vezes.

Nos pacientes com doenças ou síndromes genéticas, os médicos com registro regular em Conselhos Regionais de Medicina podem solicitar testes genéticos, desde que fundamentem a solicitação técnica e cientificamente.

A solicitação de teste genético, quando indicada e respaldada nas diretrizes estabelecidas pela ANS em matéria específica, pode ser feita pelo médico, para pacientes com síndrome ou doença com envolvimento genético, devendo ser acatada pelo setor de auditoria do Sistema Suplementar e do Sistema Único de Saúde após análise do relatório médico, por se tratar de solicitação de caráter ético e complementar à atividade do médico que assiste ao paciente. A ausência de observação desta prerrogativa do médico, em solicitar testes genéticos, viola o artigo 17 da Lei nº 3.268/1957, pois impede que outros médicos habilitados legalmente solicitem os exames discriminados no Rol de Procedimentos 2018.

Este é o parecer, S.M.J.

Brasília, DF, 25 de abril de 2019.

HIDERALDO LUIS SOUZA CABEÇA
Conselheiro-relator