Mário Marques Fernandes - Professor do Curso de Especialização em Odontologia Legal da ABORS
Ricardo Martins Limongi - Procurador Jurídico do CRORS.
INTRODUÇÃO
Os processos judiciais civis envolvendo a odontologia vêm aumentando nos últimos anos. Várias são as explicações para os Cirurgiões-dentistas irem para o banco dos réus ou terem que acionar os pacientes na justiça para reparações. A literatura mostra alguns motivos para esta elevação: deficiência de interação entre o profissional e o paciente, o resultado crítico da avaliação de outros profissionais, insatisfação do paciente com os resultados do tratamento propriamente dito, dentre outras. Nesse sentido, é importante que a comunidade odontológica conheça o entendimento dos julgadores sobre o tema para poder desempenhar uma prática clínica (1) consciente.
O objetivo deste artigo é destacar os aspectos relacionados à obrigação assumida pelo Cirurgião-dentista a partir da análise dos processos julgados no TJ/RS que envolveram a responsabilidade deste profissional.
METODOLOGIA
Foram analisados os julgados do Tribunal gaúcho relacionados a processos civis envolvendo Cirurgiões-dentistas, baixadas (download) e impressas através de busca eletrônica no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul do ano de 2007 até o ano de 2010. Utilizou-se na amostra apenas os textos produzidos pelos magistrados, não consultado todo o processo. Para localizar as referidas decisões, utilizou-se o site de pesquisa do TJ/RS, entrando com as palavras chave: responsabilidade civil, odontologia, dentista, cirurgião-dentista e erro odontológico. Todos os dados coletados foram inseridos em uma planilha e analisados através do Teste de Fischer.
RESULTADOS
A amostra constitui-se de 67 julgamentos sendo que em alguns casos foi possível analisar tanto a sentença de primeiro grau como a decisão de segundo grau (acórdão).
Quanto às características da obrigação assumida, obteve-se um patamar de 49,3% de julgados apontando uma obrigação de meio. Já em relação a uma obrigação de resultado, a amostra mostrou-se com um escore de 25, 4%, da mesma forma em relação
aos casos em que não ficou clara essa característica.
DISCUSSÃO
A odontologia legal tem mostrado a importância do conhecimento sobre a responsabilidade civil dos profissionais e das legislações (2) envolvidas, no sentido de prevenir lides judiciais.
A relação profissional paciente é caracterizada na doutrina jurídica como de consumo. Por isso cabe aos profissionais e clínicas observarem o cumprimento das normas do Código de Defesa do Consumidor, especialmente aquela alusiva ao pleno esclarecimento ao paciente de todos os custos, riscos e alternativas de tratamento.
Aliás, o dever de informação já se encontra definido no Código de Ética Odontológico como dever do profissional.
Já quanto ao tratamento que não produz o resultado esperado, a responsabilidade do profissional é avaliada de acordo com o que foi prometido e esclarecido. Isso porque no ordenamento jurídico nacional vigoram duas espécies de responsabilidade civil: (a) subjetiva na qual há necessidade de prova da culpa do profissional conforme consta no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, parágrafo 4; e (b) objetiva, responsabilidade sem culpa, fundada no risco da atividade bastando apenas o nexo causal para ser caracterizada.
Agora, para que se tenha segurança sobre a espécie de responsabilidade que será considerada, é oportuno estabelecer desde o início da relação com o paciente, inclusive na fase pré-contratual (publicidade, oferta, promessa), o tipo de obrigação assumida.
A obrigação será sempre de resultado quando este é assegurado para o paciente. Não adianta defender a ideia de ser uma obrigação (3) de meios se houve promessa em publicidade ou diretamente ao paciente do sucesso do tratamento. Não atingindo o resultado, o profissional assume a obrigação de reparar o dano de maneira objetiva (responsabilidade objetiva).
Entretanto, se o profissional esclarece, conforme preconiza os estatutos ético (Código de Ética Odontológico) e consumerista (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), todas as possibilidades do insucesso, assim como de sua obrigação ser de meio e não de resultado, a reparação pelo eventual dano sofrido pelo paciente dependerá de prova de culpa do profissional (responsabilidade subjetiva).
CONCLUSÃO
Os processos julgados no TJRS nos últimos quatro anos mostraram uma tendência dos magistrados entenderem a obrigação assumida pelos Cirurgiões-dentistas como de meio, ainda que exista um grande número de sentenças e acórdãos mostrando uma obrigação de resultado. Isso pode estar ocorrendo porque o profissional deixou de esclarecer adequadamente o paciente, e como este é considerado consumidor, hipossuficiente na relação, acaba se beneficiando nos processos por estar desonerado de provar a culpa do cirurgião-dentista.
REFERÊNCIAS
1. De Paula FJ. Levantamento das jurisprudências de processos de responsabilidade civil contra o cirurgião-dentista nos tribunais do Brasil por meio da internet [Tese]. São Paulo: USP/FO; 2007. 2. Garbin CAS, Garbin AJI, Rovida TAS, Saliba MTA, Dossi AP. A responsabilidade profissional do cirurgião-dentista segundo a opinião de advogados. Rev. odontol. UNESP. 2009; 38(2): 129-134. 3. Paranhos LR, Benedicto EN, Fernandes MM, Viotto FRS, Daruge Jr. E. Implicações éticas e legais do marketing na Odontologia. RSBO. 2011; 8(2): 219-224.
Fonte: Jornal CRO/RS (com subtração das tabelas 1 e 2)
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.