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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Publicidade Médica - Decisão Liminar assegura a médicos o direito de divulgar e anunciar suas respectivas titulações de pós-graduação lato senso reconhecidas pelo MEC

PROCESSO: 1018010-31.2019.4.01.3400

CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65)
AUTOR: ASSOCIACAO BRASILEIRA DE MEDICOS COM EXPERTISE DE POS GRADUACAO
Advogado do(a) AUTOR: RAIMUNDO CEZAR BRITTO ARAGAO - DF32147
RÉU: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
Advogado do(a) RÉU: JOAO PAULO SIMOES DA SILVA ROCHA - AM5549

DECISÃO

Cuida-se de Ação Civil Pública, com pedido liminar, ajuizada pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MÉDICOS COM EXPERTISE DE PÓS GRADUAÇÃO em face do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, objetivando a “divulgação e anúncio das titulações lato sensu, cursadas em instituições reconhecidas pelo MEC, de suas respectivas especialidades, segundo o conteúdo, a abrangência, a forma e os limites do próprio título emitido oficialmente pelo MEC, sem que haja retaliação por parte do Conselho de Medicina.” (fls. 454/455)

Sustenta, em síntese, que o art. 3º, alínea l, da Res. CFM 1.974/11, art. 115 da Res. CFM 1931/09, arts. 114 e 117 da Res. CFM 2.217/18, arts. 3º e 4º da Res. 1.634/02, bem como os arts. 11 e 17, caput e parágrafo único da Res. CFM 2.148/16 limitam o direito de médicos divulgarem suas titulações de pós graduação latu senso mesmo que devidamente reconhecidas pelo Ministério da Educação, extrapolando o poder regulamentar ao violarem a Lei n. 3.268/1957, assim como a própria Constituição Federal.

Instruiu a inicial com procuração e documentos de fls. 42/548, eventos nº 66482692 a 66540547.

Despacho de fls. 549, evento nº 69267102, determinou a prévia manifestação do réu no prazo de 72 (setenta e duas) horas.

O Conselho Federal de Medicina se manifestou às fls. 575/963, eventos nº 71709135 ao 71717089.

Vieram os autos conclusos. DECIDO.

Inicialmente observo que a associação autora é parte legítima para a proposição de Ação Civil Pública, em defesa dos direitos individuais homogêneos, bem como de interesses coletivos de seus associados, sendo pertinente a via eleita para veicular a pretensão deduzida. Ademais, consta dos autos com ata de assembleia geral extraordinária autorizando a propositura desta demanda, fls. 534/538, bem como lista de seus representados, fls. 57/59.

A suscitada ausência de interesse processual se confunde com o mérito e com ele será apreciado.

Para a concessão de tutela de urgência é necessária a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300).

Verifico a presença dos requisitos autorizadores.

A lide cinge-se em saber se o Conselho Federal de Medicina extrapola o poder regulamentar ao impor restrições à publicização das titulações de pós graduação latu senso, permitindo-a somente na ocorrência de residência médica ou pela aprovação na prova de título de especialista realizada exclusivamente por Sociedade Médica afiliada à Associação Médica Brasileira.

As disposições regulamentares ora impugnadas possuem a seguinte redação:

Res. 1.974/11
Art. 3º É vedado ao médico:
(...)
l) Fica expressamente vedado o anúncio de pós-graduação realizada para a capacitação pedagógica em especialidades médicas e suas áreas de atuação, mesmo que em instituições oficiais ou por estas credenciadas, exceto quando estiver relacionado à especialidade e área de atuação registrada no Conselho de Medicina.

Res. CFM nº 1.931/09 – Código de Ética Médica (revogada pela Res. CFM nº 2.217/18).
Capítulo XIII – Publicidade Médica
É vedado ao médico.
(…)
Art. 115. Anunciar títulos científicos que não possa comprovar e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina.

Res. CFM 2.217/18 – Código de Ética Médica
Capítulo XIII – Publicidade Médica
É vedado ao médico:
(…)
Art. 114. Anunciar títulos científicos que não possa comprovar e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina.
(…)
Art. 117. Deixar de incluir, em anúncios profissionais de qualquer ordem, seu nome, seu número no Conselho Regional de Medicina, com o estado da Federação no qual foi inscrito e Registro de Qualificação de Especialista (RQE) quando anunciar especialidade.
Parágrafo único. Nos anúncios de estabelecimento de saúde, devem constar o nome e o número de registro, no Conselho Regional de Medicina, do diretor técnico.

Res. CFM nº 1.634/2002
Art. 3º Fica vedada ao médico a divulgação de especialidade ou área de atuação que não for reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina. (Redação dada pela Resolução CFM nº 1970, de 15.7.2011).
Art. 4º O médico só pode declarar vinculação com especialidade ou área de atuação quando for possuidor do título ou certificado a ele correspondente, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina.

Res. CFM nº 2.148/2016
Art. 11. Os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) deverão registrar apenas títulos de especialidade e certificados de áreas de atuação reconhecidos pela CME e emitidos pela AMB ou pela CNRM.
Art. 17. São proibidos aos médicos a divulgação e o anúncio de especialidades ou áreas de atuação que não tenham o reconhecimento da CME.
Parágrafo único. O médico só poderá fazer divulgação e anúncio de até duas especialidades e duas áreas de atuação, desde que registradas no CRM de sua jurisdição.
(Sem grifos no original).

Ocorre que o art. 5º, XIII, da Constituição Federal estabelece, de maneira geral, a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, admitindo a criação de restrições por meio de lei. Também a Carta Magna aponta o trabalho e a educação como direito social de todos cabendo ao Estado o dever de promover o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 6º c/c art. 205 da CF/88).

Assim, a questão posta evidencia estreita ligação com a garantia de direitos constitucionais que asseguram o exercício do trabalho de modo geral incluindo, obviamente, o exercício regular da Medicina.

Por essa razão, impõe-se solução segundo valores direcionados à garantia da efetividade dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, especialmente da observância do princípio da legalidade e o da reserva de lei, no que se refere à efetividade do disposto no artigo 5º, inciso XIII, do Texto Magno.

Pela redação do dispositivo constitucional mencionado é certa a possibilidade de criação de restrições ao exercício profissional, contanto que estabelecidas por lei em sentido estrito, pois a Constituição confere apenas à União, na ausência de lei complementar dispondo sobre eventual delegação aos Estados, a competência exclusiva para dispor sobre qualificação profissional que podem ser exigidas em relação a determinados trabalhos, ofícios ou profissões, conforme artigo 22, inciso XVI, in verbis:

"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(…)
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;"

Ressalto, inclusive, que não foi facultada ao Poder Legislativo federal qualquer margem de discricionariedade quanto à escolha do critério de diferenciação entre os trabalhadores, é dizer, todos são iguais perante a lei, a não ser que apresentem qualificações profissionais - específicas - que os autorize a exercer, com exclusividade, um ofício.

É de rigor registrar que a Lei nº 3.268/57 dispõe em seu artigo 17 que:

"Art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade. (Vide Medida Provisória nº 621, de 2013)".

Ademais, o Conselho Nacional de Educação, pelas Res. nº 01/2007 e nº 01/2018, especificou uma série de critérios objetivos para a validação de cursos de pós-graduação no país. A exemplo, temos a fixação de carga horária mínima de curso, definição da composição do corpo docente, indicação do percentual mínimo de frequência do aluno, informações obrigatórias a serem colocadas em certificados de conclusão. Da Resolução nº 01/2018, pertinente destacar o disposto no §3º do art. 7º, segundo o qual “os certificados de conclusão de cursos de pós-graduação lato sensu, em nível de especialização, que se enquadrem nos dispositivos estabelecidos nesta Resolução terão validade nacional”. (destaquei).

Evidencia-se, assim, que cabe ao Ministério de Estado da Educação, e não aos Conselhos Federal ou Regional de Medicina, estabelecer critérios para a validade dos cursos de pós-graduação lato senso, o qual deverá aferir se foram cumpridas, estritamente, as grades curriculares mínimas, previamente estabelecidas, para o fim de aferir a capacidade técnica do pretendente ao exercício da profissão de médico. De tal sorte, possuindo o médico qualificação profissional reconhecida pelo Ministério da Educação, é direito dele divulgar essa qualificação, dentro dos limites contidos no título, independentemente da chancela do órgão fiscalizador, no caso o CFM.

Exsurge daí que, ao exercer o seu poder de polícia, o Conselho Federal de Medicina não pode inovar para fins de criar exigências ao arrepio da lei, em total dissonância com os valores da segurança jurídica e da certeza do direito.

Nesse sentido, exponho o seguinte precedente jurisprudencial:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TÍTULO DE ESPECIALISTA EM CARDIOLOGIA. PÓS-GRADUAÇÃO RECONHECIDA PELO MEC. REALIZAÇÃO DE PROVA ESCRITA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI FORMAL. ART. 5º, XIII, DA CRFB/88. RECURSO PROVIDO.
1. Nos termos do disposto no art. 17 da Lei 3.268/57, só poderão exercer a medicina bem como suas especialidades os médicos que efetuarem o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e estiverem inscritos n o Conselho Regional de Medicina, em cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.
2. Da leitura do art. 1º, caput, da Lei 6.932/81, notadamente após as alterações promovidas pela Lei 12.871/2013, extrai-se que a residência se inclui entre as modalidades de pós-graduação e é modalidade de certificação das especialidades médicas, não havendo, no entanto, qualquer primazia ou exclusividade da mesma. Não é possível, portanto, afirmar que a especialização lato sensu constitui exceção, a qual a lei reservou tratamento diferenciado.
3. A teor do disposto no art. 5º, XIII, da CRFB/88, "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". As limitações ao exercício profissional estão reservadas à lei, entendida em sentido formal, sendo certo que a exigência de realização de provas encontra-se prevista apenas na Resolução CFM nº 2.005/2012.
4. Embora, a rigor, o impetrante não esteja alijado do exercício da atividade médica, é certo que condicionar a divulgação da especialidade ao registro na Sociedade Brasileira de Cardiologia e à realização do exame de certificação limita consideravelmente as perspectivas do profissional no mercado, além de impedir sua habilitação para a disputa de cargos públicos que exijam o título de especialista.
5. Destarte, preenchidas as exigências previstas no art. 17 da Lei 3.268/57, faz jus o impetrante à obtenção do título de especialista.
6 . Apelação conhecida e provida. (TRF2 – AC 0001002-45.2014.4.02.5101 – Sétima Turma Especializada – Rel. Des. Fed. José Antônio Lisbôa Neiva – Data de Julgamento: 06/05/2015). (Grifei)

Restringir os profissionais médicos de dar publicidade as titulações de pós graduação latu senso obtidas em instituições reconhecidas e registradas pelo Ministério da Educação e Cultura, através de Resolução, ato normativo infralegal, não encontra amparo no ordenamento jurídico. Assim, o Conselho Federal de Medicina está a malferir tanto o princípio constitucional da legalidade como também das liberdades individuais, previstos no artigo 5º, incisos II e XIII, extrapolando os limites de seu direito regulamentar.

Logo, o profissional médico possui a liberdade de publicizar/anunciar que cursou legalmente a pós-graduação lato sensu específica, segundo o conteúdo, a abrangência, a forma e os limites do próprio título emitido oficialmente pelo MEC, devendo ser afastada quaisquer punições disciplinares da Res. 1.974/11 ou do Código de Ética Médica.

Pelo exposto, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA requerida para assegurar aos associados da Associação autora o direito de divulgar e anunciar suas respectivas titulações de pós-graduação lato senso, desde de que devidamente reconhecidas pelo Ministério da Educação e Cultura.

Cite-se o réu para, querendo, oferecer contestação no prazo legal.

Tendo em vista que a Autora manifestou interesse na realização de audiência de conciliação ou mediação, encaminhem-se os autos à Central de Conciliação.

Vista ao Ministério Público Federal ( Lei 7.347/85, art. 5°, § 1°).

Brasília/DF, 06 de agosto de 2019

ADVERCI RATES MENDES DE ABREU
Juíza Federal da 20ª Vara Federal