Por unanimidade, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu, nesta terça-feira (26/3), o direito de preservação do corpo de um brasileiro em procedimento de criogenia, nos Estados Unidos. A criogenia é a técnica de preservação do cadáver congelado em temperaturas extremamente baixas, na esperança de que ele possa ser ressuscitado no futuro.
Na análise do caso, o colegiado considerou que a legislação brasileira, apesar de não prever a criogenia como forma de destinação do corpo, também não impede a realização do procedimento.
No voto, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze levou em consideração a própria manifestação de vontade do falecido, transmitida à sua filha mais próxima, que conviveu com ele por mais de 30 anos.
"Na falta de manifestação expressa deixada pelo indivíduo em vida acerca da destinação de seu corpo após a morte, presume-se que sua vontade seja aquela apresentada por seus familiares mais próximos", disse.
O ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que a questão não diz respeito aos efeitos da criogenia sobre o corpo, ou seja, se os avanços da ciência permitirão que ele retorne à vida algum dia, como prometem os defensores dessa técnica.
"Na ausência de previsão legal sobre a criogenia pós-morte, o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que o juiz deve decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito", afirmou.
Bellizze defendeu ainda que a legislação brasileira, além de proteger as manifestações de vontade do indivíduo, contempla formas distintas de destinação do corpo humano após a morte, além do sepultamento tradicional, como a cremação, a doação de órgãos para transplante, a entrega para fins científicos, entre outras.
"O ordenamento jurídico confere certa margem de liberdade à pessoa para dispor sobre seu patrimônio jurídico após a morte, assim como protege essa vontade e assegura que seja observada. Demais disso, as previsões legais admitindo a cremação e a destinação do cadáver para fins científicos apontam que as disposições acerca do próprio corpo estão incluídas nesse espaço de autonomia. Trata-se do direito ao cadáver", declarou o ministro.
Direitos de Personalidade
No voto, o relator, ao citar o jurista Otavio Luiz Rodrigues Junior no livro Direito Civil Contemporâneo: Estatuto Epistemológico, Constituição e direitos fundamentais, afirma que os direitos de personalidade, e entre eles o direito ao cadáver, se orientam pela lógica do Direito Privado, primando pela autonomia dos indivíduos, sempre que esta não violar o ordenamento jurídico.
"Já no âmbito do Direito Público, é a lei que rege e fundamenta a ação de seus atores. Longe de obsoleta, a separação é útil, preserva importantes espaços da autodeterminação, justifica indiretamente a autonomia epistemológica do Direito Privado, tem fundamento histórico e permite a solução de casos da realidade prática com grande êxito", diz.
Contestação
Na ação que gerou o recurso no STJ, duas filhas do primeiro casamento contestavam a decisão da irmã paterna, filha do segundo casamento, de submeter o corpo do pai, falecido em 2012, ao congelamento no Instituto de Criogenia de Michigan, nos Estados Unidos. Para as autoras da ação, o corpo do pai deveria ser sepultado no Rio Grande do Sul, ao lado de sua ex-esposa.
Em primeira instância, o juiz julgou procedente o pedido das irmãs e autorizou o sepultamento do corpo. No primeiro julgamento da apelação, ainda em 2012, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença e determinou a continuação do procedimento de criogenia. Após essa decisão, a filha do segundo casamento encaminhou o corpo ao exterior.
No entanto, em análise de embargos infringentes, o próprio TJ-RJ restabeleceu a sentença, sob o fundamento de que, em virtude da ausência de autorização expressa deixada pelo pai em vida, não seria razoável permitir o congelamento pela vontade de uma de suas filhas.
REsp 1693718
Fonte: Revista Consultor Jurídico (https://www.conjur.com.br/2019-mar-26/stj-autoriza-manutencao-criogenia-brasileiro-eua
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.