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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Parecer CFM nº 3/2011 - Gravação de voz e imagem nas perícias do INSS

PROCESSO-CONSULTA CFM nº 5.343/07 – PARECER CFM nº 3/11
INTERESSADO:
Associação Nacional dos Médicos Peritos

Ministério Público Federal do Pará e outros

ASSUNTO:
Gravação de voz e imagem nas perícias do INSS

RELATOR:
Cons. José Albertino Souza

EMENTA: Não há previsão ética ou legal para a gravação de voz e imagem durante a realização de perícias previdenciárias, com o objetivo de inibir agressões a médicos peritos como meio de prova em defesa judicial ou como meio de monitoramento do trabalho médico.

DA CONSULTA

Peritas médicas do Instituto Nacional de Seguridade Social, por correspondência eletrônica, solicitam parecer quanto à possibilidade de filmagens e gravações das perícias realizadas por aquela instituição, como forma de proteção para os médicos peritos.

Posteriormente, o coordenador do Grupo de Trabalho de Estudo de Viabilidade de Gravação de Voz e Imagem nas Perícias Médicas (GT), instituído pela Portaria INSS nº 1.353, de 21.12.2007, prof. dr. Bruno Gil de Carvalho Lima, perito médico da Previdência Social, por meio do Ofício nº 3/07 solicita que este Conselho “formule parecer genérico sobre os desdobramentos éticos possíveis da gravação de voz e imagem durante os exames médico-periciais no âmbito da autarquia previdenciária”.

O conselheiro Dardeg S. Aleixo, coordenador da Câmara Técnica de Medicina Legal do CFM à época, por solicitação do coordenador do GT anteriormente referido foi designado, pelo Ofício nº 238/2008-DECCT, a participar de suas reuniões como representante do CFM.

Em correspondência dirigida ao coordenador do GT, o conselheiro Dardeg assim se manifestou:

“(...) estou comunicando a posição do Conselho Federal de Medicina firmada na reunião com V.Sa no dia 12 de fevereiro do corrente, na qual foi discutida a pretensão do INSS em gravar voz e imagem dos periciandos durante os exames médico-periciais, que teve início com a solicitação direta do presidente da Associação Nacional dos Peritos Médicos da Previdência Social.

Segundo o que nos foi informado, o presidente da referida associação listou os seguintes motivos para a implantação da gravação de imagem e voz: inibir agressões aos médicos peritos, já que a gravação serviria como prova de defesa no caso de lide na justiça; a gravação serviria também como prova de que o exame médico-pericial foi realizado de maneira correta; adicionalmente, o órgão teria a possibilidade de monitorar o trabalho médico.

O CFM não vê nos motivos expostos qualquer justificativa convincente ou plausível para permitir a gravação de imagem e voz dos periciandos durante o exame médico-pericial.

O CFM lembra que a confidencialidade, a privacidade e o segredo médico são direitos garantidos em lei e que a perícia realizada pelo médico do INSS é um ato médico, estando, portanto, o perito sob as normas do Código de Ética Médica, que veda tais ações.

O CFM, desta forma, se coloca contrário à pretensão de gravar a imagem e a voz dos periciandos, posicionamento também assumido pelo senhor procurador do órgão, presente na ocasião”.

O coordenador do GT agradece no Ofício nº 5/GT a participação do representante do CFM nos trabalhos e diz que “levadas em consideração todas as dificuldades apontadas por V. Sa. para a gravação de voz e imagem nas perícias médicas, ainda assim não nos parece que o Código de Ética Médica vede a gravação, desde que garantido o sigilo do material gravado com o mesmo rigor aplicável a prontuários em papel ou meio eletrônico”. Faz vários questionamentos e solicita a sistematização das restrições éticas que, no entendimento do CFM, impedem tal procedimento. Relata que:

1) “(...) dispositivos legais protegem os dados dos segurados hoje registrados nos sistemas corporativos (Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade – Sabi, Sistema Único de Benefícios – SUB e Projeto de Regionalização de Informação e Sistemas – Prisma). Diante do exposto, no que diferiria legal e eticamente um sistema independente ou acoplado ao Sabi que registrasse também voz e imagem, além de textos?

2) Hoje o perito costuma registrar em discurso indireto as informações fornecidas pelo segurado, mas nada impede que as inclua nos laudos em discurso direto, entre aspas, reproduzindo o inteiro teor do quanto foi revelado no exame pericial. Seria o mesmo que gravar o diálogo durante o ato médico e depois transcrevê-lo para o laudo. Quando julga pertinente, o perito já cita ipsis litteris as palavras do segurado, em alguns trechos. Ou seja, a gravação de voz apenas estaria inserindo um medium de registro mais moderno, mas não diferente, em natureza, do que se faz atualmente e sempre se fez na Medicina assistencial e pericial. Baseado nisso, qual o impedimento para gravar?

3) (...) é clássico o uso de fotografias por cirurgiões plásticos (comparação entre o pré e o pós-operatório, planejamento da técnica e tática cirúrgicas) e ortopedistas (registro de malformações e deformações ectoscópicas), por exemplo. A gravação de imagem dinâmica é comum em estudo da marcha. Tais registros são feitos com os pacientes em trajes menores ou desnudos. Mas frequentemente ainda é o registro de imagem por peritos médicos, seja em instâncias criminais (IMLs), cíveis (peritos judiciais) ou trabalhistas (médico do trabalho), para enriquecimento dos laudos. Assim sendo, no que tais práticas difeririam da pretendida gravação de imagem nas perícias previdenciárias?

4) (...) Assim como não se pode negar a fazer a perícia (art. 101 da Lei no 8.213), poderia ele negar-se a fazer registro de voz e imagem, que integrariam seus antecedentes na mesma forma do quanto disse durante o ato pericial e sujeitos aos mesmos mecanismos de segurança e sigilo?

O coordenador de comissões e câmaras técnicas à época, cons. Roberto Luiz D’Avila, em resposta ao ofício supracitado, informou que “a Câmara Técnica de Medicina Legal deste CFM, reunida no dia 27/3/2008, vem ratificar na íntegra a posição já manifestada quanto a esse assunto.”

Designado para emitir parecer acerca do contido neste processo-consulta, passo a expor.


DO PARECER

O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09), composto por princípios fundamentais do exercício da medicina, normas diceológicas e deontológicas, assim dispõe:

“Capítulo I – Princípios fundamentais

I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de qualquer natureza.

II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.

VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.

Capítulo II – Direitos dos médicos

É direito do médico:

IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina.

Capítulo III – Responsabilidade profissional

É vedado ao médico:

Art. 18 – Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

Art. 19 – Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da Medicina.

Capítulo XI – Auditoria e perícia médica

É vedado ao médico:

Art. 93 – Ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.

Art. 98 – Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os limites de suas atribuições e competência.”

A realização de uma perícia médica constitui ato médico privativo, conforme define o art. 3º da Resolução CFM nº 1.627/01, in verbis: “As atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão e ensino dos procedimentos médicos privativos incluem-se entre os atos médicos e devem ser exercidos unicamente por médico”.

Descendo ao raso do esclarecimento, é certo que o médico perito, assim como todos os médicos regularmente inscritos no Conselho Regional de sua jurisdição, está sujeito às normas emanadas dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina.

Da fundamentação descrita no anexo dessa resolução, destaco:

“O ato médico deve ser exercido sempre com boa-fé e em benefício de quem dele necessita (de preferência quando este expressa o desejo de ser atendido e cuidado, e consente nas medidas diagnósticas e terapêuticas que devem ser tomadas).” ─ Princípio da Beneficência;

“O ato médico deve estar sempre limitado pela lei, pelo código de ética, pelas possibilidades técnico-científicas disponíveis, pela moralidade vigente na cultura e pela vontade do paciente”;

“Além dos atos médicos de natureza clínica existem atos profissionais de médico de natureza pericial, administrativa (planejamento e direção de serviços e programas) ou política (assessoria, conselho);”.

Como se vê, o ato médico de natureza clínica ou assistencial só pode ser exercido com boa-fé e em benefício do paciente, necessitando de seu consentimento livre e esclarecido. Mesmo nessa modalidade de atuação profissional, não há justificativa para a gravação de voz e imagem durante a realização de um ato médico, sem os pressupostos citados. Não pode ser utilizada com o intuito de apenas resguardar o médico no exercício de sua função e muito menos como forma de monitoração de seu trabalho pelo órgão empregador. Nesse sentido, o Cremesp posicionou-se por meio do PC nº 1.468/94: “Somos de parecer contrário à filmagem e/ou fotografia de pacientes em ambiente hospitalar e/ou domiciliar, tanto por profissional médico ou indivíduo leigo, sem autorização expressa”. Acrescento ainda, nessa hipótese, que além do consentimento livre e esclarecido essa forma de registro somente se justifica com o objetivo de beneficiar o paciente.

O consulente argumenta que médicos assistentes fazem uso de fotografias; cirurgiões plásticos as utilizam no pré e pós-operatório; ortopedistas, no registro de malformações e deformidades, além do fato de que no estudo da marcha é comum a gravação de imagem dinâmica, realizada com os pacientes em trajes menores ou desnudos. Diz também que “frequentemente ainda é o registro de imagem por peritos médicos, seja em instâncias criminais (IMLs), cíveis (peritos judiciais) ou trabalhistas (médico do trabalho), para enriquecimento dos laudos. Assim sendo, no que tais práticas difeririam da pretendida gravação de imagem nas perícias previdenciárias?

Convenhamos, em relação aos médicos assistentes nada há de irregular nas práticas citadas, desde que em conformidade com a boa-fé, em benefício do paciente e com seu consentimento livre e esclarecido, não olvidando, ainda, do dever de sigilo.

Em relação à utilização de registros de imagem por peritos judiciais, o Código de Processo Penal assim dispõe:

“Art. 165 – Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados.”

“Art. 170 – Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou micrográficas, desenhos ou esquemas.”

Há, portanto, nos casos de perícias médicas judiciais a previsão legal para a utilização de provas fotográficas, mas com o objetivo de melhor ilustrar a compreensão e enriquecer o laudo, não mandatória, contudo, pois depende da possibilidade ou conveniência considerada pelo perito. Além disso, devem ser parte integrante dos laudos, não servindo apenas para dormitar em um arquivo informatizado à espera de uma demanda judicial para utilização em defesa do médico perito ou para monitoramento de seu trabalho pelo órgão empregador. Assim, as provas fotográficas podem ser utilizadas nas perícias judiciais quando possível, devendo ser parte do laudo, diferindo, pois, da pretensão exposta pelas consulentes.

Na condição de perito o médico deve estar isento de qualquer forma de discriminação ou de situações que possam denotar parcialidade, bem como não ultrapassar os limites de sua atribuição e competência, preceitos imbuídos no art. 98 do CEM. Atuando dessa maneira, terá credibilidade.

Necessita, ainda, ter boas condições de trabalho, podendo recusar-se a exercer sua profissão em instituição onde essas condições não sejam dignas ou possam ser prejudicais à própria saúde, incluindo-se nesse contexto quando não disponha de segurança para o seu mister, atuando com receio de agressões físicas, conforme entendimento do disposto no Código de Ética Médica no item III do Capítulo I – Princípios fundamentais e IV do Capítulo II – Direitos dos médicos.

Quanto ao segredo profissional, deve ficar claro que na atividade pericial a exigência em pauta é a do sigilo funcional, e não a de deixar de apontar o que apurou durante o exame médico.

Por fim, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, prevê a inviolabilidade do direito à intimidade, a proteção da vida privada e a honra, bem como a imagem das pessoas. A gravação de voz e imagem sem o efetivo consentimento de quem está sendo observado pode ser considerada prova ilícita. Em paralelo, a imposição obrigatória ante parte considerada mais frágil sem previsão ética ou legal, mesmo com o seu consentimento, pode ser questionada.

Portanto, diante do exposto opino desfavoravelmente à gravação de voz e imagem durante as perícias previdenciárias, em conformidade com opinião já exarada pela Câmara Técnica de Medicina Legal do Conselho Federal de Medicina.

Brasília, 14 de janeiro de 2011

José Albertino Souza
Conselheiro relator